Acórdão nº 928/08.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANTÓNIO ZIEGLER
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório P….., S.A. (anteriormente, P….., S.A.), A F.P, vem deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que considerou improcedente a impugnação por si deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa no processo de licenciamento n.º …..da Câmara Municipal de Setúbal referente à liquidação da taxa de reforço e manutenção de infraestruturas, no montante de €1.199.560,00, e absolveu o Município de Setúbal do pedido, tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões : “ 127. A Câmara Municipal de Setúbal liquidou à ora Recorrente no âmbito de um processo de licenciamento de edificação de uma nova unidade industrial - a nova fábrica do papel - o montante de €1.199.560,00 (um milhão, cento e noventa e nove mil, quinhentos e sessenta euros) a título de “taxas de reforço e manutenção de infra-estruturas” (“TRIU”).

  1. Tal unidade industrial encontra-se instalada, para o efeito, no Pólo Industrial do Grupo P….., propriedade privada do grupo em causa.

  2. Inconformada com a liquidação em apreço, a Recorrente deduziu a respetiva reclamação graciosa que, uma vez indeferida, deu origem a uma impugnação judicial que, julgada improcedente, conduziu ao presente recurso.

  3. O fundamento do recurso - à semelhança do que sucedeu com a impugnação judicial - encontra-se ligado à ilegalidade e inconstitucionalidade da liquidação da TRIU no caso em concreto.

  4. Ilegalidade e inconstitucionalidade essas que não decorrem da natureza jurídica abstrata das TRIU. Resultam, isso sim, da alegada exigibilidade da mesma quando tanto a ora Recorrente como o município sabiam, à data da liquidação do tributo, que a autarquia não seria chamada a acorrer a quaisquer despesas relacionadas com a edificação da nova unidade industrial.

  5. Ou seja, de uma interpretação de tal forma deturpada do conceito de infra-estrutura que permite a aplicação das TRIU a infra-estruturas fictícias ou inexistentes, em suma, a objetos impossíveis, tal como sublinhado pelo Professor Doutor C….. no parecer que se encontra junto aos autos.

  6. Recorde-se que as TRIU servem o propósito de compensar o município pela realização de infra-estruturas primárias como os arruamentos, sistemas de drenagem de águas, estacionamento de automóveis ou interfaces de transportes, ou infra-estruturas secundárias, como os equipamentos de saúde, escolares, culturais ou desportivos.

  7. Assim, apesar de a cobrança do tributo em causa não conduzir necessariamente à realização imediata das infra-estruturas urbanísticas - mas depender do deferimento da licença ou autorização da operação de loteamento ou das obras de edificação - sucede que no caso da Recorrente se sabia antecipadamente que a realização, reforço ou manutenção das infra-estruturas urbanísticas por parte do município não ia ter lugar.

  8. Por outras palavras, logo à data da emissão da licença a Câmara Municipal de Setúbal sabia - e não podia ignorar - que não ia ser chamada a acorrer a quaisquer despesas relacionadas com a edificação da nova unidade industrial, localizada no Pólo Industrial (privativo) do Grupo P…...

  9. Em suma, a edificação da unidade industriai em causa não revindicou de facto – nem reivindicaria no futuro - a realização, reforço ou manutenção de quaisquer infra-estruturas por parte do município.

  10. Foi este o aspeto principal invocado pela ora Recorrente e que foi totalmente negligenciado pelo tribunal “a quo”.

  11. Tribunal que falhou em dar resposta, afinal de contas, à questão fundamental suscitada pela ora Recorrente: que “infra-estruturas” são essas que a Câmara Municipal executou/reforçou ou viria a executar/reforçar? 139. É que em momento algum são tais infra-estruturas identificadas na sentença. Não surgindo as mesmas identificadas nem aquando da liquidação do tributo, nem quando o município decidiu depois contestar a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente.

  12. Algo que não surpreende. Não há - nem no presente nem no futuro - qualquer atividade material do município que aproveite ao particular neste domínio, falhando assim o pressuposto que justifica e habilita a cobrança do tributo em apreço.

  13. Seria aliás de todo o bom senso solicitar à Recorrida que provasse, afinal de contas, os efetivos ou presumíveis custos que teria de incorrer em virtude da nova unidade industrial a construir pela Recorrente. Tal não aconteceu, nem podia pela natureza das coisas acontecer.

  14. É exatamente por esse facto que o douto parecer do Ministério Público - junto aos autos - conclui, sem mais, pela necessidade de proceder à anulação da TRIU liquidada à ora Recorrente. Nas palavras do parecer em apreço, “não resulta de qualquer elemento probatório carreado pelo Município de Setúbal qual seja a repercussão que a ampliação da fábrica da P….. irá causar ou tenha causado e que tenha determinado ou determine, no presente ou no futuro, a realização de infra-estrutura urbanísticas”.

  15. Aliás, mesmo que se pudesse tentar surpreender uma qualquer remota contrapartida para a ora Recorrente - em qualquer caso não identificada nos autos – em circunstância alguma poderia a mesma representar um valor de €1.199.560,00 (um milhão, cento e noventa e nove mil, quinhentos e sessenta euros).

  16. Ora, a circunstância de não se encontrar verificado, na situação em concreto, o pressuposto das TRIU - i.e. tanto a emissão da licença, como a convicção de que viriam a realizadas ou reforçadas infra-estruturas por parte do município - não poderia deixar de ter consequências jurídicas.

  17. Por um lado, e sendo rigoroso, é a Recorrente da opinião de que não se verificou qualquer facto tributário que pudesse dar origem à liquidação da TRIU. Tal sucede porque nenhuma contrapartida presente ou futura se poderia adivinhar aquando da emissão da licença de edificação. É que o RETORMS só pode exigir o pagamento da TRIU quando, na realidade, venham a existir efetivas necessidades presentes ou futuras de realização, reforço ou manutenção de infra-estruturas. Só assim se pode assegurar uma interpretação conforme à Constituição do regulamento municipal em causa. Daí que um ato de liquidação de TRIU em outras circunstâncias padece do vício de violação de lei ou, em rigor, de violação de regulamento.

  18. Logo, a Câmara Municipal de Setúbal interpretou erroneamente e, por conseguinte, aplicou mal o regulamento municipal que previa a cobrança das TRIU.

  19. Por outro lado, e caso se entenda, erradamente, que a taxa em apreço é ainda assim devida - não obstante não se poder surpreender neste caso qualquer contrapartida presente ou futura por parte do município ter-se-á então de encarar o tributo em causa como um imposto ou, no limite, uma contribuição especial. Tal conclusão convoca, em qualquer dos casos, imediatas questões de violação do princípio da reserva de lei em sentido formal.

  20. Para aferir se, em concreto, se está perante uma verdadeira taxa é necessário realizar dois testes: o teste da bilateralidade e o teste da proporcionalidade.

  21. O teste da bilateralidade pressupõe que se pergunte qual a contraprestação específica das TRIU? A resposta é aqui fácil: nenhuma. Logo, exigir o pagamento da TRIU à ora Recorrente corresponde, afinal de contas, a exigir um avultadíssimo montante a alguém a quem se sabe antecipadamente que nunca poderá vir a gozar de qualquer contrapartida. Pelo que estará então irremediavelmente ultrapassada a fronteira da taxa (ou inclusive da contribuição especial). Teríamos, isso sim, um imposto.

  22. Ora, decorre do princípio da reserva de lei formal que a criação de impostos e definição dos seus elementos essenciais exige a intervenção de lei parlamentar, mesmo que se trate de uma intervenção de carácter meramente formal, autorizando o Governo-legislador a legislar nesse domínio dentro de certas coordenadas que hão de constar da respetiva lei de autorização (artigo 165°, n.° 1, alínea i) e artigo 103°, n.° 2, da CRP). O mesmo sucedendo, repita-se, com as contribuições especiais (a qualificação que alguma doutrina reserva para as TRIU).

  23. Ou seja...

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