Acórdão nº 00385/14.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução13 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO 1.1.

P.

, divorciada, notária, residente na Rua (…), (…), propôs a presente ação administrativa especial contra o Ministério da Justiça, com sede na Av. (…), (…), pedindo a anulação do despacho da Ministra da Justiça, datado de 31/01/2014, tornado público pelo aviso nº 2989/2014, publicado no DR nº 39, 2ª Série de 25/02/2014, que “concordou, autorizou e designou”, nos termos propostos pelo Conselho do Notariado, a abertura de concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial.

Indicou como contrainteressados todos os notários, potencialmente interessados, constantes da listagem anexa à P.I.

Alegou, para tanto, em síntese, que “os critérios encontrados violam gravemente os princípios da igualdade e da não discriminação uma vez que estão longe de ser objetivos”, e assacou ao ato impugnado os seguintes vícios: (i) Violação do artigo 34º nº 1 do Estatuto do Notariado (EN) aprovado pelo DL nº 26/2004 de 4/2, na medida em que o despacho não colocou a concurso todas as licenças vagas mas, segundo um critério dito do “cartório deficitário”, apenas as vagas dos concelhos com uma única licença notarial e as vagas que já antes estiveram preenchidas, existentes em concelhos dotados de mais de uma licença notarial e nos quais não houve cartórios deficitários nos últimos três anos; e ainda porque o referido critério não é objetivo, já que reside num valor fixado anualmente pela assembleia geral da Ordem dos Notários, sem ter em conta os concretos motivos por que tal valor não foi atingido, motivos que podem ir desde a negligência na gestão do cartório até à população residente e aos níveis de atividade económica; (ii)Violação do artigo 6º do mesmo Estatuto porque o chamado critério do cartório deficitário, ao contrário de um critério que tivesse em conta o número de habitantes e de empresas ou índices de atividade económica, não permite aferir as reais necessidades dos utentes; (iii) Violação dos princípios concursais da transparência e da publicidade, pois não existindo uma listagem dos cartórios deficitários é impossível aos candidatos controlar o cumprimento do correspondente critério na seleção das vagas postas a concurso.

*1.2.

Citado, o Réu Ministério da Justiça contestou, defendendo-se por exceção, invocando a inimpugnabilidade do despacho em causa nos termos do artigo 51º do CPTA, por se tratar de um ato de execução de normas legislativas sobre a privatização do notariado, sendo um ato interno, preparatório e instrumental que não confere situação consolidada alguma a quem quer que seja. Por isso o Réu deve ser absolvido da instância.

Defendeu-se também por impugnação, invocando, em síntese, que a Autora não concretiza porque é que aquele critério para a escolha das vagas viola os princípios da igualdade e da não discriminação, nem por que motivo não é objetivo; Adianta que o EN prevê no nº 2 do artigo 34.º que “O concurso (de atribuição de licenças para instalação de cartório notarial) é aberto por aviso do Ministério da Justiça, publicado no Diário da República, ouvida a Ordem dos Notários”, pelo que compete ao Ministro da Justiça averiguar da oportunidade, adequação e conveniência da abertura de cada concurso público, no âmbito de um poder discricionário; A decisão impugnada baseou-se nos factos constantes da informação do Conselho do Notariado, designadamente no de subsistirem várias licenças nunca antes atribuídas, por falta de interessados, e no de que existem licenças já atribuídas que entretanto vagaram, quer pelo regresso à Administração Pública de antigos notários públicos, quer na sequência de atribuição de nova licença aos seus titulares no âmbito de concursos subsequentes (fls. 21 a 25 p.a.).

Tal como consta da informação, os critérios acolhidos pela Ministra da Justiça relevam ainda das conclusões do Relatório Final de Auditoria ao Fundo de Compensação da Ordem dos Notários, elaborado pela Inspeção-geral dos Serviços de Justiça em setembro de 2012; A Ministra estava vinculada a prosseguir o interesse público (artigo 260º doa CRP) e foi isso que fez, visando manter a existência em todo o território nacional, de serviços notariais, competindo-lhe aferir, em cada momento, da oportunidade e conveniência de títulos ou de licenças a atribuir, tendo em conta o número indicado no mapa notarial anexo ao EN e as vagas existentes.

Não se pode interpretar o disposto no artigo 34º noutro sentido que não o de que o número de vagas em consonância com o número de cartórios fixado no mapa notarial pode variar consoante as circunstâncias específicas atinentes à necessidade dos utentes ou de acordo com outro critério que, no momento de abertura de cada concurso, seja objetivo, transparente e inequívoco e se encontre com aquele relacionado, como é caso do cartório deficitário.

Não existe disposição legal expressa que imponha a publicação duma lista dos cartórios deficitários, e, muito menos tal procedimento é da competência do Ministério da Justiça. A determinação, a fiscalização e a avaliação dos cartórios deficitários, de acordo com os artigos 58.º e 62.º do EON, competem ao Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico da Ordem dos Notários.

*1.3.

Citados os contrainteressados, apenas M.

se constituiu como tal, juntando procuração forense.

*1.4.

Notificada da contestação, a Autora respondeu à matéria de exceção, alegando, em síntese, que o ato impugnado, na medida em que não se limita a autorizar a abertura de um concurso, antes a determina, bem como determina os critérios a seguir quanto à determinação e extensão das licenças a serem objeto do concurso tem manifestamente eficácia externa e lesiva dos direitos da Autora, única notária estabelecida em Tomar, pelo que é por si impugnável à luz do critério de impugnabilidade do ato administrativo ínsito no artigo 51º do CPTA.

*1.5.

Proferiu-se despacho saneador no qual se decidiu nada haver que obstasse ao conhecimento do mérito da causa e ordenou-se a notificação das partes para apresentarem alegações finais escritas, nos termos do artigo 91º nº 4 do CPTA, o que fizeram, reiterando o já alegado.

*1.6.

O TAF de Coimbra proferiu acórdão, constando do mesmo o seguinte segmento decisório, com o seguinte voto de vencido: «Tudo visto, julga-se a acção improcedente.

Custas pela Autora: artigo 527º do CPC e 6º do RCP.

*Registe e notifique.

Votei de vencido, apenas não concordando com a presente decisão no que se refere à interpretação dada ao n.º 1 do art.º 34.º do Estatuto do Notariado. Assim, entendo que a citada norma lida em conjunto com as que se lhe seguem e as demais que compõem o aludido estatuto, implica que no concurso ali referido e no aqui em causa, tivessem que ter sido colocadas a concurso todas as vagas existentes. Esta interpretação impõe-se aliás por conformidade interpretativa com a Constituição da República Portuguesa, sendo que a respectiva lei de autorização legislativa (Lei nº 49/2003 de 22 de Agosto de 2003) da qual emana o citado Estatuto, não concederá outro entendimento. Por outro lado, há que referir que se nos afigura que poderá estar em causa matéria de reserva relativa de competência da AR, por ser referente a direitos, liberdades e garantias, e, como tal, sem a devida autorização, estar vedada a intervenção legislativa do poder executivo no que se refere ao alcance dos lugares postos a concurso.

Concluindo, determinaria a procedência da presente acção pelo apontado vício de violação de lei, por infracção ao disposto no n.º 1 do art.º 34.º do EN, com a necessária e consequente condenação da Administração à prática do acto administrativo legalmente devido.»*1.7.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida, apresentando as seguintes conclusões: «1- Nos presentes autos foi autorizada e designada nos termos propostos pelo Conselho do Notariado a abertura de concurso para atribuição de licenças de...

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