Acórdão nº 624/20.0TXLSB-C.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO FERREIRA DA CUNHA
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I RELATÓRIO 1.

AA, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, em cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão que iniciou a 28.11.2019 (estando assim o termo da pena previsto para 28.11.2021), com origem em sentença estrangeira, procurou ser devolvida a uma plena situação de liberdade, tendo no culminar das suas diligências apresentado a presente petição de Habeas Corpus, que se transcreve: “A aqui Peticionante encontra-se em cumprimento de pena de 2 (dois) anos de prisão, desde 28 de Novembro de 2019, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, que teve origem em decisão penal condenatória estrangeira – Bélgica – transitada em julgado em 11.02.2014.

No país que aplicou a pena de prisão em execução, por instrumento executivo emitido por quem tem competência legal para o efeito no respectivo país - Bélgica, determinou-se em 16.05.2017, que os presos com penas de prisão entre um e os DOIS ANOS DE PRISÃO deviam ser LIBERTADOS provisoriamente após QUATRO MESES DE DETENÇÃO.

No nosso humilde entendimento, a Requerente observa todos os requisitos para o perdão da pena no país de que a aplicou, devendo por isso ser aplicada a lei e instrumentos reguladores do país “condenante” que determinaram o perdão concedido a essas mesmas penas. Repare-se que o Estado português não aplicou qualquer pena à aqui Requerente – limita-se a executar uma pena aplicada noutro ordenamento jurídico que a veio a perdoar parcialmente.

Imagine-se que o Estado belga decidia despenalizar o crime que a Requerente foi condenada. Continuaria a aberração de um TEP português decidir que isso não tinha qualquer relevância por prevalecer sempre o MDE, a pena aí prevista!!! Nem amnistias nem nada! Era a loucura total! De tão simples nos parece a matéria em causa, que nem vamos enfastiar Vossas Excelências com citação de doutrinas ou jurisprudências. Mais simples que isto não pode ser.

Quanto a nós e salvo o mui devido respeito pelo sempre mais Douto entendimento de Vossas Excelências, transcorridos que foram QUATRO MESES após 28 de Novembro de 2019, a Requerente encontra-se ilegalmente privada de liberdade pelo que importa determinar a imediata libertação da Requerente que já devia ter visto a pena declarada extinta por cumprimento desde 28 de Março de 2020 conforme foi determinado elas autoridades competentes do país que aplicou a pena e pedir ao Estado português que a executasse. O que, com devida vénia se requer.

Suscitando-se dúvidas sobre a genuinidade do diploma em que assentamos a nossa pretensão, julgamos ser da mais elementar justiça que se determine a libertação provisória até esclarecimento junto das instâncias belgas. O que também se requer.” 2.

Este Habeas Corpus não a primeira tentativa da ora peticionante no sentido de ser devolvida à plena liberdade, embora não com os atuais argumentos. Consta, com efeito, da Vista de 21 de abril do corrente ano, que a ora peticionante requerera a aplicação da aplicação da Lei n.° 9/2020, de 10 de abril, no sentido de lhe ser perdoada a pena de 2 anos de prisão. O que não obteve ganho de causa, com base no âmbito de aplicação da referida Lei, que não se estende senão a reclusos, com o fito de minorar ou estancar os efeitos da difusão da pandemia COVID-19, em curso. Ora parece razoável, na verdade, que o regime de “confinamento” sui generis, a que a peticionante se encontra obrigada pelo cumprimento da sua pena, pareceria ser até mais favorável à manutenção da medida privativa da liberdade que à satisfação da sua pretensão. (Sobre a aplicação, em sede de Habeas Corpus, desta Lei, cf., desde logo, o Acórdão proferido por este STJ, no Proc. n.º 207/15.6TXPRT-S (Relator: Conselheiro Manuel Matos) e o Acórdão, igualmente deste STJ, no Proc. n° 833/19.4TXPRT-E.S1 (Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves).

  1. Efetivamente, a decisão de 28 de abril, sobre o requerimento de libertação ao abrigo daquele normativo excecional, é muito clara: “AA cumpre pena de 2 anos de prisão em regime de permanência na habitação, desde 29.11.2019, à ordem do processo n.° 2775/18. 1…, do JLC de …, Jl. Vem requerer que lhe seja aplicado o perdão de pena previsto na Lei 9/2020.

    Resulta inequívoco quer dos trabalhos preparatórios, quer do preâmbulo quer do texto da lei 9/2020 que o universo de aplicação da referida lei são os reclusos em cumprimento de pena efectiva nos estabelecimentos prisionais portugueses. Com efeito, a lei destina-se a minimizar o risco de contágio na população prisional devido à pandemia vivida pela contaminação por Covid-19. Assim, uma vez que a arguida se encontra a cumprir pena em casa, devidamente confinada, não pertence à população alvo desta Lei e como tal é manifesto que não se lhe aplica o regime em causa.

    Pelo exposto indefiro o requerimento da arguida no sentido da aplicação da Lei n. ° 9/2020, de 10 de abril, uma vez que a mesma não se encontra recluida num estabelecimento prisional, mas sim a cumprir a pena de 2 anos de prisão em que foi condenada em regime de permanência na habitação...

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