Acórdão nº 01009/20.3BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

12 Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. A………..

, nacional da Gâmbia, interpôs no TAC de Lisboa, nos termos do art. 37º nºs 4 e 5 da Lei 27/2008, de 30/6 (“Lei do Asilo”), ação impugnatória do despacho de 15/4/2020 do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”), que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional por si apresentado e, ao abrigo do art. 37º nº 2 daquela Lei, determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua retoma a cargo no processo Dublin 610.20PT.

2. O TAC de Lisboa, por sentença de 13/7/2020 (cfr. fls. 133 e segs. SITAF), julgou a ação improcedente, por ter concluído que o ato impugnado não padece dos vícios assacados.

3. O Autor, inconformado com esta decisão, interpôs recurso “per saltum” para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos previstos no art. 151º do CPTA, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 168 e segs. SITAF): «1. Em 5 de Fevereiro de 2020, o Recorrente apresentou pedido de protecção internacional em Portugal; 2. O Recorrente é nacional da República da Gâmbia, nascido em 20 de Maio de 1996, em Saaba; 3. O Recorrente expressa-se em língua mandinga; 4. Por consulta ao sistema Eurodac – Fingerprint Form, o SEF verificou a existência de um “Hit” referente a outro pedido de proteção internacional efetuado pelo Requerente em Taurisano (Itália) no dia 24 de Maio 2016; 5. Em 5 de março de 2020, o Requerente prestou entrevista junto do SEF, tendo, nessa sequência, sido elaborado o respectivo auto de entrevista; 6. Em 23 de Março de 2020, foi solicitado pelo SEF às autoridades italianas a retoma a cargo do requerente, ao abrigo no disposto no artigo 18º, nº 1, al. d) do regulamento (EU) nº 604/2013; 7. Em 14 de Abril perante a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo do Requerente no período de duas semanas, ao abrigo do artigo 25º, nº 2 do regulamento (EU) nº 604/2013, o mesmo se tinha aceite.

8. Em 27 de Janeiro de 2020, o SEF considerou o pedido de protecção internacional em Portugal inadmissível; 9. Com base nesta factualidade, o Tribunal a quo considerou que a natureza da aceitação (expressa ou tácita) do pedido de retoma a cargo do Recorrente por parte do Estado Italiano não assume qualquer relevância ou significado especial para a decisão de inadmissibilidade que foi proferida.

10. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, entendemos que o relatório/proposta de decisão não cumpre as exigências decorrentes do princípio constitucional da participação dos interessados.

11. A aplicação do Regulamento Dublin não obsta à aplicação do disposto no artigo 12º do CPA.

12. Nos autos nada é referido quanto à tomada de conhecimento do ora recorrente acerca do relatório elaborado pelo SEF: não se sabe se o recorrente teve acesso ao relatório elaborado nem que de que modo tal aconteceu; 13. Nos autos apenas é conhecido que durante ou após a entrevista, foi elaborada uma transcrição, a qual contêm um relatório de conclusão, e que é perguntado se o recorrente tem algo mais a declarar “perante a presente informação” (informação que pode, ou não, tratar-se do relatório).

14. Caso o relatório tenha sido conhecido, o que por dever de patrocínio se equaciona, é desde logo evidente que o Recorrente não soube através do relatório se houve aceitação do Estado-Membro italiano e, muito menos, se esta foi expressa ou tácita.

15. Desde logo, porque o pedido de retoma a Itália é posterior à elaboração do relatório; 16. E, consequentemente, ainda não tinha decorrido o prazo para as autoridades italianas se pronunciarem; 17. Por outro lado, através do relatório/proposta de decisão, o recorrente não pode saber qual o concreto fundamento de direito em que se fundamentou o pedido de tomada/retoma a cargo; 18. Pelo que e muito embora, formalmente conste que o SEF proporcionou prazo ao Recorrente para se pronunciar, não sabemos quem foi incumbido de assegurar a defesa do Recorrente, enquanto cidadão estrangeiro que se expressa em língua que não a portuguesa e que, como tal, necessitaria de estar devidamente acompanhado sob pena, da respetiva notificação ser naturalmente inútil e contrária aos princípios que norteiam os procedimentos impostos pelo Regulamento Dublin, designadamente pelo seu artigo 5º.

19. Motivo pelo qual o ato impugnado deverá ser anulado, nos termos do artigo 163º, nº 1 do CPA, com preterição das formalidades relativas ao princípio geral da participação dos interessados, consagrado nos artigos 267º, nº 5 da CRP e 12º do CPA.

Nestes termos, e nos melhores de Direito doutamente aplicáveis, deverá a douta Sentença ser revogada em conformidade, conhecendo-se o vício da preterição das formalidades relativas ao princípio geral da participação dos interessados e da consequente denegação de justiça do ato proferido pelo Exmo. Senhor Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, impugnado nos presentes autos, com todas as legais consequências».

4.

O “MAI/SEF”, aqui Recorrido, embora para o efeito notificado (cfr. fls. 192 SITAF), não apresentou contra-alegações.

5.

O recurso “per saltum” foi admitido por despacho de fls. 208 SITAF, por se considerar preenchidos os requisitos de admissão previstos nos nºs 1 e 2 do art. 151º do CPTA, nele se expressando, designadamente, que: «analisadas as alegações de recurso do Recorrente, e nomeadamente as respetivas conclusões, as quais definem o objeto do recurso (cfr. arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA) – notando-se que a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações -, verifica-se que a impugnada sentença do TAC de Lisboa consubstancia uma “decisão de mérito”; que, nas alegações de recurso do Recorrente, nomeadamente nas respetivas conclusões, apenas são relevantemente suscitadas questões de direito; que o valor da causa é indeterminável (cfr. art. 34º nº 1 do CPTA); e que, por fim, não estão em causa, neste processo, atos administrativos em matéria de emprego público ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social».

6.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para o efeito do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao presente recurso e de, consequentemente, dever ser mantida a sentença recorrida do TAC de Lisboa (cfr. fls. 214 e segs. SITAF).

7.

Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA e 37º nº 5 e 84º da Lei 27/2008, de 30/6, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

* II - DAS QUESTÕES A DECIDIR 8.

Constitui objeto do presente recurso: Considerando que as conclusões das alegações de recurso interposto pela Autora definem o seu objeto, nos termos dos arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, “ex vi” do art. 140º nº 3 do CPTA, há que concluir que tal objeto consubstancia-se, “in casu”, em apreciar se a sentença recorrida do TAC de Lisboa de 13/7/2020, errou ao julgar isento de vício o despacho impugnado quanto, em suma, à alegada “preterição das formalidades relativas ao princípio geral das participação dos interessados consagrado nos arts. 267º nº 5 da CRP e 12º do CPA” - como resulta da 19ª, e última, conclusão; e, mais concretizadamente: - à questão de o relatório/proposta de decisão cumprir, ou não, as exigências decorrentes do princípio constitucional da participação dos interessados (cfr. conclusões 10ª a 13ª); - à questão do conhecimento, ou não, por parte do Autor, da posição do Estado-Membro italiano, e, preliminarmente, da relevância desta questão (cfr. conclusões 14ª a 17ª); e, finalmente, - à questão das condições detidas pelo Autor para a sua participação como interessado (cfr. conclusão 18ª).

* III - FUNDAMENTAÇÃO III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 9.

Resulta dado como assente pela sentença do TAC de Lisboa o seguinte quadro factual: «1. A………., ora Requerente, é nacional da República da Gâmbia – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 2. Nascido em Saaba – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 3. No dia 20 de maio de 1996 – cfr. fls. 1 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 4. Em 5 de fevereiro de 2020, o Requerente solicitou proteção internacional em Portugal – cfr. fls. 4-12 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 5. Por consulta ao sistema Eurodac – Fingerprint Form, o SEF verificou a existência de um “Hit” referente a outro pedido de proteção internacional efetuado pelo Requerente em Taurisano (Itália) no dia 24 de maio de 2016 – cfr. fls. 3 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas; 6. Em 5 de março de 2020, o Requerente prestou entrevista junto do SEF, tendo, nessa sequência, sido elaborado o seguinte auto de entrevista/transcrição: (…) II. Apresentação e...

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