Acórdão nº 01359/18.9BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A………….., residente Rua ……….., Edifício ……., …….., ……. Esquerdo, em Chaves, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC) a presente acção administrativa urgente de contencioso dos procedimentos de massa contra o Ministério da Economia, com sede na Avenida da República, nº 79, em Lisboa, doravante ME, indicando como contra-interessados, ……….., ………………, ………………, ……………., …………….., ……………., …………..e………………, peticionando: “a) a declaração da nulidade ou a anulação do acto do Inspector-Geral da ASAE que homologou a lista de classificação final do concurso interno geral de ingresso, para preenchimento de 8 postos de trabalho, na carreira de inspector superior do mapa de pessoal da ASAE, publicado, sob o Aviso nº 2476/2014, no Diário da República, 2ª série, nº 34, de 18.02.2014; bem como, b) a condenação da Entidade Demandada no seu provimento, na primeira vaga elegível, por aplicação da regra de prioridade prevista no ponto 18 do aviso de abertura do concurso; ou, subsidiariamente, c) a condenação da Entidade Demandada no pagamento do montante total de €.514.741,18, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes da morosidade do procedimento concursal, acrescido de juros de mora vincendos, desde a citação até integral pagamento.”*Por decisão do TAC, datada de 05 de Fevereiro de 2020, foi decidido: a) julgar verificada a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade da formulação do pedido subsidiário e, em consequência, absolver a entidade demandada da instância, na parte referente ao pedido de condenação no pagamento do montante de €.514.741,18 por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morosidade do procedimento concursal, acrescido de juros de juros de mora vincendos; e, b) julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver a entidade demandada do pedido de declaração da nulidade ou de anulação do despacho do Inspector-Geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, de 08.03.2018, que homologou a lista de classificação final dos candidatos aprovados no concurso publicitado, sob o Aviso nº 2476/2014, no Diário da República, 2ª série, nº 34, de 18.02.2014, bem como do pedido de condenação no provimento do Autor na primeira vaga elegível, por aplicação da regra de prioridade de recrutamento, prevista no ponto 18 do aviso de abertura do concurso.

*O Autor apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 14 de Maio de 2020, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

*O Autor, inconformado, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.

Tendo em consideração que estes recursos devem ser interpostos e só devem ser admitidos quando a questão jurídica sobre a qual incidirá o juízo rescindente for precisa e rigorosamente enunciada, permitindo assim aos magistrados exercer, com eficiência, acerto e clareza, o supremo munus desta sua função, passaremos a enunciar, objectivamente, as questões que pretendemos submeter à digníssima apreciação deste Alto Tribunal.

  1. A primeira questão é a de perceber até que ponto assiste ou não ao Réu, a faculdade de na fase dos articulados alterar os fundamentos do acto impugnado, sem que o acompanhe pela prática de qualquer acto administrativo de segundo grau, substitutivo ou anulatório do primeiro.

  2. E, neste preciso âmbito, qual o limite do princípio do pedido, até que ponto pode, ou não, o Tribunal formar o seu juízo com base nesses novos fundamentos ou essas novas razões que propugnam pela validade de um acto, já praticado e sustentado por razões totalmente distintas e, por vezes, como é o caso, até contraditórias com a tese aventada pela Administração na sua contestação.

  3. Salvo o merecido respeito, os presentes autos consubstanciam um exemplo elucidativo do que vimos de expor, pois: i) no acto impugnado diz-se que o Recorrente perdeu no decurso do procedimento concursal o direito ao recrutamento prioritário, porquanto deixou de se encontrar em mobilidade especial - tenha, presente que o concurso em apreço no ponto 18 do seu aviso previa que os trabalhadores em situação de mobilidade especial seriam colocados prioritariamente na vaga elegível; ii) na contestação a Administração e, depois o próprio Tribunal, vêm sustentar que, afinal de contas, o Recorrente nunca teve esse direito de integrar prioritariamente a vaga elegível em causa, porquanto não se candidatou na qualidade de trabalhador em mobilidade especial, mas sim, em licença extraordinária.

  4. Conforme veremos, entendimento semelhante ao sustentado pelo Acórdão recorrido afronta as mais liminares garantias processuais, como seja a tutela jurisdicional efectiva, a igualdade de armas, o princípio do contraditório, a proibição de decisões surpresa e da estabilidade objectiva da instância.

  5. A questão em apreço tem uma clara relevância jurídica e potencialidade de repetição num número indeterminável de casos similares – tanto assim é que, com frequência outras questões relacionadas com os poderes de cognição do Tribunal e com a fundamentação a posteriori têm sido tratadas por este Supremo Tribunal, mas, e isso afigura-se-nos como certo, nenhuma como a presente.

  6. De facto, a matéria que trazemos a este Alto Tribunal parece não ter sido ainda desbravada, não havendo decisões a tratá-la com potencial uniformizador, pois, pese embora existam já várias decisões e posições doutrinárias sobre a impossibilidade do Tribunal ajuizar a validade do acto originário com base em novos fundamentos, totalmente estranhos e alheios ao mesmo, estas foram produzidas em larga medida quando ainda se encontrava em vigor a LPTA.

  7. Esta questão torna-se, no entanto, mais nublosa, com a entrada em vigor do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, em que, como sabemos, há uma tendencial aproximação ao processo civil, em diversos aspectos, e, concomitantemente, um alargamento do âmbito dos poderes de cognição do Tribunal.

  8. Nesta vertente, a intervenção deste Alto Tribunal afigura-se fundamental para garantir uma melhor aplicação do direito, pois, no âmbito em que nos movemos, temos que o Julgador deve cingir-se à apreciação do acto administrativo impugnado.

  9. Depois, a outra questão que trazemos à apreciação deste Alto Tribunal, que mais releva e torna a decisão de uma injustiça gritante, prende-se com a interpretação do art. 32º da Lei nº 53/2006, de 7 de Dezembro.

  10. Como veremos, entende o Tribunal a quo, seguindo a sentença proferida em 1ª instância, que a situação de licença extraordinária, prevista no art. 32º da Lei nº 53/2006, de 7/12 é distinta da mobilidade especial, assim não gozando o Recorrente da prorrogativa de prioridade concursal.

  11. Deste modo, concluiu que a prioridade prevista no ponto 18 do aviso concursal não é aplicável ao Recorrente por o mesmo se encontrar, à data da candidatura, em licença extraordinária – todavia, este entendimento estribou-se numa interpretação extensíssima do mencionado normativo, a qual se reconduz a uma autonomização de regimes jurídicos que não resulta da lei.

  12. Temos pois que, também sob esta óptica, se nos afigura ser absolutamente relevante a intervenção deste Tribunal, a fim de esclarecer se, no âmbito juslaboral, são admissíveis interpretações para além da letra da lei, que se traduzam numa supressão de direitos trabalhadores.

  13. Em concreto, nesta concreta circunstância, se é ou não admissível concluir que um trabalhador que em mobilidade especial requereu a licença extraordinária, não detém a prioridade concursal reconhecida a qualquer trabalhador que se encontre na dita mobilidade.

  14. Como veremos, na mencionada lei não há previsão legal que determine a redução ou substração daquela garantia de prioridade concursal - efectivamente, a lei não o refere e ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus! 16.

    E é assim que, quanto a nós, se impõe a intervenção deste Alto Tribunal, que se revela claramente necessária para contribuir para a estabilidade, segurança, previsibilidade e eficácia na aplicação do direito e, portanto, “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  15. Vertendo-nos no mérito da questão primeiramente suscitada, temos que a mesma é bem mais complexa do que aquela que resultou apreciada, de modo liminar, pelo Tribunal a quo - referimo-nos, pois, aos limites do princípio do pedido no âmbito da acção administrativa, sob um particular enfoque: o da possibilidade que assiste, ou não, ao Réu, de na fase dos articulados alterar os fundamentos do acto impugnado, sem que o acompanhe pela prática de qualquer acto administrativo novo.

  16. Efectivamente, se atendermos ao teor do acto impugnado, facilmente se constata que o que inviabilizou, no entendimento do Recorrido, o direito de prioridade de que o Recorrente se arroga titular, foi a sua opção em regressar em 2007 ao seu posto de origem, ao abrigo do art. 10º, nº 1 da Lei nº 25/2017.

  17. Deste modo, o Recorrente formulou a sua pretensão focada, naturalmente, no entendimento cristalizado no acto impugnado - defendeu, assim e entre o mais, que as legitimas expectativas formadas ao longo do procedimento pelo Recorrente ditariam que o direito ao recrutamento prioritário se mantivesse até à ordenação final.

  18. Todavia, em sede de contestação, o Recorrido veio sustentar que, afinal de contas, o Recorrente jamais deteve o direito à referida prioridade concursal, por se encontrar, aquando da candidatura ao procedimento, em situação de licença extraordinária e, não, em mobilidade especial - uma novíssima abordagem da questão, portanto.

  19. Abordagem esta que a sentença proferida e confirmada pelo digno Tribunal a quo, acolheu integralmente, sustentando que o Recorrente não detinha ad initio qualquer direito à prioridade.

  20. Todavia, não há norma, nem lei, nem princípio que admita uma decisão nestes termos sendo, assim, a actuação do digno...

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