Acórdão nº 044/08.4BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução18 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 44/08.4BEMDL 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 21 de Novembro de 2019 – que manteve a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, do ano de 2001 –, dele interpôs recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentado com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, com conclusões do seguinte teor: «1. A recorrente não concorda com o douto Acórdão recorrido porquanto considera que o Tribunal recorrido procedeu a uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

  1. No caso sub judice, entendemos estar perante uma temática sobre a qual a recorrente peticiona a apreciação deste douto Tribunal, entende-se estar em causa uma questão de elevada relevância jurídica e social, para além de que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor interpretação e aplicação do direito.

  2. A aqui recorrente fundamenta a interposição do Recurso de Revista tanto no pressuposto da existência de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, como também no segundo pressuposto contemplado no número 1 do artigo 285º do C.P.P.T de que a admissão do presente recurso é “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

  3. Em discussão neste processo está uma figura muito importante do direito tributário que se relaciona com a nulidade do procedimento tributário por falta de convolação da reclamação graciosa em procedimento de revisão da matéria tributável.

  4. A presente questão submetida à apreciação do STA assume, igualmente, um carácter de relevância social, na medida em que a impugnação dos tributos encontra-se intrinsecamente relacionada com o direito à tutela efectiva, sendo, por isso, susceptível de ser suscitada para a apreciação do STA.

  5. Em cumulação, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a conferir uma relevância social de importância fundamental às questões que ultrapassam os limites da situação singular, projectando-se na possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e que não está dependente da factualidade aqui apurada.

    Posto isto: 7. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido nos autos de Processo de Impugnação Judicial deduzida contra a Direcção- Geral dos Impostos, referente à liquidação adicional de IRC e juros compensatórios referentes ao exercício de 2001.

  6. Entendeu o Acórdão recorrido que “não tendo sido articulado nenhum vício conducente à declaração de nulidade, quer no procedimento de liquidação, quer da própria [liquidação], não pode a impugnação judicial com vista à sua eliminação da ordem jurídica ser deduzida a todo tempo, mas apenas nos 90 dias a contar do termo do prazo do seu pagamento voluntário, que no caso, manifestamente, já havia decorrido, como bem se decidiu na decisão recorrida que é assim de confirmar”.

  7. Em 07 de Janeiro de 2003, a recorrente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária que fixou a matéria colectável de IRC, por métodos indirectos, relativamente ao ano de 2001.

  8. Em 27 de Janeiro de 2003, a recorrente peticionou o sancionamento das conclusões do referido relatório, ao abrigo do disposto no artigo 64.º R.C.P.I.T e, posteriormente, em 09 de Maio de 2003, apresentou a competente Reclamação Graciosa referente à liquidação de IRC com recurso a métodos indirectos, evidenciando as concretas razões que, no seu entender, deram origem a uma incorrecta liquidação na medida em que assentava num Relatório de Inspecção Tributária assente em conclusões erradas.

  9. Do projecto de decisão atinente à Reclamação Graciosa deduzida constava que a recorrente não havia exercido o direito previsto no artigo 91.º n.º 1 da L.G.T, e que o mesmo era condição prévia e necessária da reclamação graciosa baseada nos fundamentos expostos.

  10. Respondeu a recorrente alegando que, nesse caso, atento o disposto no artigo 52.º do C.P.P.T., a reclamação deveria ter sido oficiosamente transmutada para o procedimento previsto nos termos do disposto no artigo 91.º da LGT.

  11. Posteriormente, foi a recorrente notificada do acto de indeferimento da reclamação graciosa, do qual constava que a convolação não poderia verificar-se na medida que, alegadamente, a Reclamação Graciosa havia sido apresentada fora do prazo a que alude o disposto no artigo 91.º da L.G.T.

  12. Inconformada com o indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, veio a recorrente apresentar Recurso Hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, invocou as razões pelas quais se deveria considerar que, pelo facto de a recorrente ter sancionado as conclusões do relatório das Finanças, deveria considerar-se que, até à decisão do sancionamento das conclusões, o prazo para a impugnação judicial não havia começado a correr.

  13. Apesar de ter sido negado o provimento ao Recurso Hierárquico, a recorrente pugna pela possibilidade legalmente prevista de convolação da Reclamação Graciosa no direito à revisão da matéria tributável, isto porque se encontram reunidas todas as condições de que depende a convolação do procedimento.

  14. Designadamente o requisito da tempestividade! 17. Parecem olvidar os doutos arestos proferidos que o relatório de Inspecção Tributária só ficou plenamente concretizado com a decisão final do procedimento de sancionamento das conclusões.

  15. Reclamação Graciosa indeferida e que deveria ter sido convolada em pedido de revisão da matéria tributável foi deduzida antes do término do prazo previsto nos termos do disposto no artigo 91.º da L.G.T.

    Sem prescindir: 19. O princípio da adequação formal é ponto norteador de toda a tramitação processual, seja esta no âmbito da legislação administrativa, seja no âmbito da legislação civil e, por sequela, é possível corrigir a forma do procedimento ou do processo.

  16. As formalidades no processo e no procedimento administrativo são concebidas tendo em vista a correta tramitação do pedido, e não para servirem como obstáculos à apreciação do mérito e concernente prolação de decisão.

  17. O princípio “pro actione” que impede aplicação inflexível e intransigente de regras processuais e do procedimento que possam colocar em causa o exercício do direito fundamental do aceso ao direito e aos tribunais.

  18. Ou seja, a efectividade prática do princípio pro actione constitui uma forma de não inviabilizar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, princípios enformadores de todo o sistema de contencioso administrativo e fiscal.

  19. Parafraseando o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 26-04-2018, no âmbito do processo nº 00847/17.9BEAVR: “Na interpretação do pedido formulado deve usar-se de alguma flexibilidade não afastando o recurso à figura do pedido implícito, por desta forma se salvaguardar melhor o respeito pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do princípio pro actione”.

  20. Acresce que, tem defendido este Supremo Tribunal que, em casos dúbios, o intérprete deverá dar primazia à opção que favoreça a acção e se apresente como meio mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo autor. Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/02/03, in rec. N.º 128/03.

  21. Entende a recorrente que tais princípios deveriam ter plena aplicação como meio de obstar a que a rígida aplicação do formalismo procedimental que culmine num entrave ou, de algum modo, obstaculize o exercício do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, e deste modo, deveria – como deve – ser admitida a convolação da reclamação graciosa em procedimento de revisão da matéria tributável.

  22. A legislação tributária consagra os anteditos princípios da adequação formal e da “pro actione”, designadamente no disposto no artigo 97.º, n.º 3 da LGT, sob a epígrafe «Celeridade da justiça tributária», o qual preceitua o seguinte: “Ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

  23. Por seu turno, resulta do artigo 52.º do C.P.P.T., sob a epígrafe «Erro na forma de procedimento» o seguinte: “Se, em caso de erro na forma de procedimento, puderem...

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