Acórdão nº 1141/19.6T8STB-E.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2020

Data13 Outubro 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

PROC. N.º 1141/19.6T8STB-E.E1.S1 6ª SECÇÃO (CÍVEL) REL. 148[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA e BB apresentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de ..., processo especial para acordo de pagamento (PEAP).

Após processo negocial, sem que tenha sido apresentado e aprovado o acordo de pagamentos, o administrador judicial provisório requereu que fosse declarada a insolvência dos requerentes.

Por decisão de 4 de Março de 2019, foi decretada a insolvência dos requerentes.

Os insolventes interpuseram recurso de apelação que foi considerado extemporâneo.

Apresentaram, então, na 1ª instância, requerimento em que arguiram: a) A nulidade da omissão de prévia audição ao parecer e requerimento de insolvência, conforme previsto no artigo 222º-G, n.º 4, do CIRE; b) A nulidade da omissão de citação com a expressa informação da possibilidade de petição da exoneração do passivo restante, conforme estatui o artigo 236º, n.º 2, do CIRE; c) A inconstitucionalidade da norma no n.º 4 do artigo 222º-G do CIRE; d) A substituição do AI com fundamento nos factos alegados no corpo do requerimento.

Tal requerimento foi indeferido na sua totalidade.

Não se conformando com essa decisão, a insolvente AA dela interpôs ‘novo’ recurso de apelação que a Relação de Évora julgou improcedente.

A insolvente apresentou, então, recurso de revista “excecional (…) ao abrigo do disposto no artigo 672º, n.º 1, alínea a), do Código do Processo Civil”, recurso ao qual aderiu o insolvente BB (cfr. 569), formulando as seguintes conclusões: (…)[2] 4. As acções de insolvência (pedidas ou requeridas) passaram a ter lugar de predominância nos nossos tribunais de 1ª instância, de onde quase desapareceram as acções executivas, o que bem transparece através de uma simples vista às vitrines de afixação dos mapas de acções entradas, existentes nos corredores dos nossos tribunais.

  1. Assume especial relevância neste segmento do direito a insolvência das pessoas singulares, que abarca também a insolvência dos casais (insolvência de ambos os cônjuges – artigo 264º do CIRE).

  2. Pelo DL 79/2017 foi criado um mecanismo de recuperação para devedores em situação económica difícil que designou de PEAP – Processo Especial para Acordo de Pagamento.

  3. Em situação económica difícil, o casal da ora recorrente, acreditando neste instrumento de recuperação, ao mesmo recorreu, mas sem êxito.

  4. Passando o processo de PEAP a Processo de Insolvência, sem autorização e contra a vontade do recorrente, que perdeu completamente o controlo do processo, apenas se dando conta da ‘cratera’ em que ficou metida quando recebeu uma carta do AI a pedir-lhe as chaves da sua casa, onde mora com seu marido e uma filha menor.

  5. A passagem de PEAP a Processo de Insolvência, permanecendo a mesma pessoa como Administrador, é um tema muito pouco tratado, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o que bem justifica apreciação da presente questão com vista a lançar-se luz sobre esta problemática jurídica dos nossos dias.

  6. A questão encontra-se aflorada na obra intitulada “Recuperação de Pessoas Singulares”, Volume I, 2012 – 2ª Edição, Almedina, de Luís M. Martins, tendo-se transcrito parte do texto em que aquele autor defende, assaz fundamentadamente, que, quando o PEAP termine sem acordo, não deverá o AJP ser nomeado AI.

  7. Com a transcrição do pequeno excerto da obra de Luís M. Martins fica mais patente que a questão em apreciação tem clara relevância jurídica pelo que a discussão da mesma, e muito especialmente pela convocação do labor jurisprudencial, se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito.

  8. A douta sentença proferida na 1ª instância (de que se recorreu para o Tribunal da Relação), bem como o douto acórdão proferido no TRE, mantendo-se em consonância com a decisão da 1ª instância, porque nula aquela, nulo também será o acórdão que a sufragou “in toto”.

  9. O TRE recuperando o quadro fáctico vindo da 1ª instância, transcreveu, logo a seguir ao quadro dos pontos a decidir, seis factos, com base nos quais assentou a deliberação do acórdão agora em recurso, sendo que os factos numerados por 3 e 4 (três e quatro) bem demonstram, em nosso entender, que não foi minimamente assegurado aos devedores o direito à oposição e ao contraditório.

  10. O direito ao contraditório implicava a notificação dos devedores com as formalidades da citação, fixando-se um prazo de dez dias para deduzirem oposição ao requerimento de insolvência apresentado pelo AJP, com a cominação e advertência do artigo 29º, n.º 2, a indicação e advertência do artigo 253º e a indicação do artigo 236º, n.º 2, do CIRE, disposições legais que se mostram violadas.

  11. Não tendo ocorrido a notificação dos devedores, como acima dito, no tribunal da 1ª instância, mostra-se violado o direito ao contraditório dos devedores, e, por conseguinte, também da aqui ora recorrente, por violação do direito constitucional previsto, nomeadamente, no artigo 20º, n.º 4, da CRP, que se mostra violado.

  12. Foi requerida a nomeação de outro administrador por forma a evitar-se a reunião na mesma pessoa do desempenho de funções que revelam possuir áreas conflituantes, e no caso específico deste processo, para além das conflitualidades potencializadas pelo próprio sistema, ocorre ainda os episódios narrados no corpo deste recurso de apelação para o TRE, o que tudo aconselharia vivamente uma mudança do AI, já que com o mesmo AI a ora recorrente jamais terá um processo justo e equitativo como lhe assegura o artigo 20º, n.º 4, da CRP.

    A recorrida “Promontoria Indian Designated Activity Company” contra-alegou, batendo-se pelo não provimento da revista.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS A matéria de facto que o acórdão recorrido considerou relevante é a seguinte: 1. Em 23.04.2018 os insolventes requereram a abertura de processo especial para acordo de pagamento (PEAP), o qual foi encerrado, por decisão datada de 13.02.2019, sem a aprovação de qualquer plano.

  13. Em 03.10.2018 o Sr. AJP juntou ao processo especial para acordo de pagamento o parecer a que alude o artº 222º-G, n.º 4 do CIRE, no qual conclui pela insolvência dos devedores, devendo a mesma ser imediatamente declarada.

  14. Em 25.09.2018 foram os Ilustres Mandatários dos devedores notificados para se pronunciarem, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 222º-G, n.º 4 do CIRE, nada tendo requerido.

  15. Por força do despacho datado de 13.02.2019 foram os devedores notificados, via Ilustre Mandatário, para apresentarem plano de pagamentos ou requererem a...

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