Acórdão nº 996/19.9T8STB-B.E1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução27 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 996/19.9T8STB-B.E1-A.S1- 6ª Secção Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório No âmbito do processo principal de insolvência a que se apresentaram AA e BB, casados entre si no regime da comunhão geral de bens, estes últimos requereram a exoneração do passivo restante, por entenderem estarem verificados os requisitos previstos no artigo 237° do CIRE, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: “III - Decisão Em face do exposto, decido ao abrigo do disposto no artigo 239° do C.I.R.E.: Durante os cinco anos iniciados no mês subsequente à notificação do encerramento do processo de insolvência, designado período de cessão, o rendimento disponível que o(s)devedor(es) venha(m) a auferir, se considera cedido a um fiduciário, designando-se para o efeito a Sr.a Dr. CC, que vem desempenhando as funções de administrador de insolvência e que consta da lista oficial.

O rendimento disponível integra os subsídios e os demais rendimentos que advenham ao(s) insolvente(s) e que excedam a cada mês o valor fixado como excluído da cessão.

Do rendimento disponível se excluem: a) os créditos a que se refere o artigo 115° do CIRE cedidos a terceiro pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) o montante do rendimento do(s) insolvente(s), tido por minimamente digno ao sustento do(s) insolvente(s), que se fixa no montante correspondente a três salários mínimos nacionais, ficando disponível a quantia que exceda tal montante, a entregar pelos devedores, a partir do mês seguinte à notificação do encerramento do processo, ao fiduciário (12 meses).

  1. O montante fixado em b) deverá ser revisto caso os insolventes regressem a Portugal.

Durante o período da cessão, o(s) devedor(es) fica(m) ainda obrigado(s) a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira(m), por qualquer título e a informar o Tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregados, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que sejam aptos; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; d) Informar o Tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

Fixo a remuneração ao fiduciário no valor de 10% do valor de cessão mensal, com o limite de € 5000,00 anuais - art. 240°, n.° 1, do CIRE e art. 28° do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.° 22/2013 de 26 de Fevereiro.

Anualmente deverá o fiduciário fazer juntar ao processo informação nos termos do disposto no art. 240°, n.° 2 e 61°, n.° 1, do CIRE, competindo-lhe fiscalizar o cumprimento dos deveres pelo insolvente e comunicar aos autos, de imediato, qualquer violação de que tenha conhecimento.

Atento o disposto no artigo 230°, n.° 1, al. e) do CIRE (redacção dada pelo DL n.° 79/2017 de 30-06), determino o encerramento dos autos.

Os efeitos, são os previstos no art. 233°, n.° 1, al. b), do CIRE.

Atento o disposto no art. 232°, n.° 6 do CIRE e o encerramento para início do período de cessão, fica prejudicada a apreciação do pedido de encerramento por insuficiência da massa, sendo certo que haverá que proceder ao rateio das quantias que excedam as despesas da massa insolvente.

Notifique.

Publicite e registe, art. 38°, n.°s 2 e 4, ex vi do art. 240°, n.°2, do CIRE e art. 230°, n.l, al. e), do CIRE.

Por força do despacho supra inicia-se o período de cinco anos de cessão prevista no art. 239°, n.° 2 do CIRE (Incidente de Exoneração do passivo restante)”.

Desta decisão vieram os insolventes interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

Por despacho do Relator foi negado provimento ao recurso.

Deste despacho vieram os insolventes reclamar para a conferência.

Por acórdão proferido, pela Relação de Évora, em conferência, foi mantida a decisão do Relator, negando provimento ao recurso e confirmando integralmente a decisão da 1ª instância.

Desse acórdão vieram os insolventes interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2020, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes e, por consequência, confirmou a decisão recorrida do Tribunal de Primeira Instância que tinha julgado o montante correspondente 3 (três) salários mínimos nacionais (portugueses) como o montante necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes (que vivem atualmente no Reino Unido), por consubstanciar uma errada aplicação da Lei (art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE) e da Constituição (art° 1.° da Constituição).

- DA ADMISSIBILIDADE LIMINAR DO PRESENTE RECURSO 2. O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22/03/2018, no âmbito do processo n.° 24815/15.6T8LSB-2 ("acórdão fundamento" - cfr. Doc. n.° 1), sem que exista jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça conforme ao primeiro (cfr. art.° 14.°, n.° 1 do CIRE e art.° 686.° e 687.° do CPC ex vi art.° 14.°, n.° 1 do CIRE).

  1. Proferidos no domínio da mesma legislação, tais acórdãos decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito: a conexão entre o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores e agregado familiar (aferido em função do conceito de "salário mínimo nacional") e o local (país) de residência dos mesmos, à luz do disposto no art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE.

  2. Contrariamente ao acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão fundamento, julgou que deveria aplicar-se o "salário mínimo nacional" do país onde os devedores e respetivo agregado familiar concretamente vivem (cfr. transcrição supra de excerto do acórdão fundamento).

    - DA ERRADA APLICAÇÃO DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO 5. O custo de vida no Reino Unido consubstancia um facto notório e, como tal, independente de prova ou de alegação (cfr. art.412.º, n.° 1 do CPC ex vi art. 17.°, n.° 1 do CIRE e transcrição supra de excerto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2019).

  3. Enquanto o valor considerado minimamente necessário ao sustento minimamente digno em Portugal corresponde a um valor mensal de € 635,00 (salário mínimo nacional), já no Reino Unido corresponde a um valor mensal de € 1.717,76 ( € 9,76/hora * 8 horas de trabalho diárias * 22 dias úteis), mostrando-se este superior em mais de 63 % relativamente ao português.

  4. O conceito de salário mínimo encontra-se intimamente ligado ao conceito de custo de vida e, por isso, ao ter o Tribunal de Primeira Instância decidido que o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar consistia em 3 vezes o salário mínimo nacional (enquanto valor equivalente ao mínimo necessário ao sustento minimamente digno de uma pessoa), então, no Reino Unido, o montante razoavelmente necessário teria de consistir num valor proporcionalmente superior, ou seja, em € 5.153,28 (os acima referidos € 1.717,53 X 3 = € 5.153,28) por mês.

  5. Ora, demonstrado que o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar no Reino Unido consiste em € 5.153,28, resulta indubitável que o valor de 3 salários mínimos de Portugal (no valor total de € 1.905,00) não é de todo suficiente para o referido sustento minimamente digno no Reino Unido.

    9. O valor a excluir do rendimento disponível nos termos da subalínea i) da alínea b) do n.° 3 do art.° 239.° do C1RE deve aferir-se em função do valor minimamente necessário ao sustento minimamente digno assim considerado no país onde o devedor esteja a viver em cada momento (o salário mínimo deve ser o salário mínimo do respetivo país onde vivem os devedores), conforme explica o acórdão...

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