Acórdão nº 01932/19.8BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1.

O Ministério da Administração Interna [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)] vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCA Sul proferido em 16.04.2020, que negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida - que havia julgado procedente a ação administrativa instaurada por A…………., devidamente identificado nos autos - na parte em que procedeu à condenação à reinstrução do procedimento, com base no défice de instrução.

  1. Para tanto alegou em conclusão: “A. A autoridade recorrida discorda com os termos do acórdão ora recorrido no que tange à sua condenação por deficit instrutório.

    1. Tendo presente que: - o ora recorrido apresentou, aos 12/07/2019, pedido de proteção internacional ao Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR) do ora recorrido, tendo, após consulta do sistema EURODAC, sido confirmado que já tinha apresentado pedido de protecção internacional às autoridades Italianas aos 15/05/2017.

      - Procedeu-se, pois, à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 08/08/2019, pedido de tomada a cargo às autoridades alemãs, de harmonia com o art.º 18º nº 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

      - Em 23/08/2019, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do art.º 25º nº 1 do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, tinha (2) semanas para se pronunciar sobre o pedido de retoma a cargo.

      - As autoridades Italianas, não se pronunciaram no prazo estabelecido no art.º 25º nº 1, do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, o que concomitantemente resultou na determinação da Itália como Estado Responsável pela análise do pedido de proteção internacional em conformidade com o estipulado no nº 2 do art.º 25º daquele diploma.

      - Por decisão da Diretora Nacional do SEF, proferida a 23/08/2019 nos termos do art.º 37º nº 2 da Lei de Asilo, foi o pedido considerado inadmissível, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 19.º-A, e determinada, nos termos do art.º 38º do mesmo diploma, a transferência do requerente para a Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo.

    2. Resulta evidente que a decisão do ora Recorrente, de transferência do Recorrido para o Estado Italiano, foi de encontro às normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas, mormente, no que respeita ao fazer accionar o mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada e que gerou a decisão de ter sido determinada a sua responsabilidade no que tange à retoma do pedido de proteção internacional.

    3. Com efeito, nesta sede, rege o art.º 36º da Lei nº 27/2008, na redacção dada pela Lei 26/2014, de 5 de Maio (Lei de Asilo), que “Quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo” (o sublinhado é nosso).

    4. Nos termos do art. 37º nº 1 da mesma lei, aqui aplicável resulta que “Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido protecção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, o SEF solicita às respectivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo”.

    5. O supra citado Regulamento Dublin estabelece os critérios e os mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros, visando garantir o acesso efectivo aos procedimentos de concessão de protecção internacional, tendo presente o seu art. 3º nº 1 que estabelece que “(…) Os pedidos de asilo são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.” G. Da aplicação dos critérios estabelecidos no referido Regulamento decorre que o Estado-Membro que recebe o pedido de proteção internacional é que dispõe da competência para aferir da determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, ou seja, na sequência de um pedido de proteção internacional apresentado em Portugal, é ao Estado português que compete, com base nas disposições do Regulamento de Dublin, proceder à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo.

    6. O Capítulo III do Regulamento Dublin estabelece hierarquicamente, do art. 7.º ao art. 15.º, os critérios vinculativos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido e as regras de aplicação desses mesmos critérios, sendo que, na situação objeto do Acórdão de que se recorre, da pesquisa do Eurodac resultou que o cidadão requerente de proteção internacional tinha apresentado pedido de asilo em Itália em maio de 2017, sendo certo que o pedido apresentado em Portugal só foi deduzido aos 12/07/2019.

      I. Mais, o art.º 18º nº 1 d) do Regulamento (UE) 604/13 estabelece que “ O Estado-Membro responsável (…) é obrigado a Retomar a cargo, nas condições nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-membro, ou que se encontre no território de outro Estado-membro sem possuir um título de residência”, enquanto o nº 1 do artº 20º determina que “ O processo de determinação do Estado-Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de protecção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado-Membro”.

    7. Nesta conformidade, o ora Recorrente solicitou às autoridades italianas a tomada a cargo do ora recorrido, conforme o disposto no art. 37º nº 1 da Lei de Asilo, o qual prevê que “Quando existam fortes indícios de que é outro o Estado membro da União Europeia responsável pela tomada ou retoma a cargo de requerente de asilo, de acordo com o previsto no Regulamento (CE) nº 343/2003, de 18 de Fevereiro, o Serviço de estrangeiros e fronteiras solicita às respectivas autoridades a sua aceitação”, de harmonia com o previsto no artº 3º nº 1 do citado regulamento já aqui transcrito.

    8. Não obstante os ditames do regulamento Dublin aqui explanados, bem como as normas de Asilo interna que o acolheram, foi entendido pelo Tribunal a quo no Acórdão de que ora se recorre, que cabia ao Estado português encetar diligências no sentido de averiguar de eventuais falhas sistémicas nos procedimentos de Asilo do Estado Italiano.

      L. Constitui entendimento da jurisprudência do TJUE que “numa situação deste tipo, em que o Estado-Membro aceita a tomada a cargo (…) o requerente de asilo só pode pôr em causa a escolha desse critério se invocar a existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-membro que constituam razões sérias e verosímeis de que esse requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4.º da Carta” (cf. Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2013, no processo C-394/12). No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 21/12/2011, processos C-411/10 e C-493/10.

    9. Ora, no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da Itália, inexiste qualquer indício concreto que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

    10. Antes de passar à transcrição da jurisprudência que se opõe aos fundamentos do Acórdão que ora se impugna, de referir que o mesmo interpretou mal as alegações da entidade recorrente ao afirmar que a mesma admitiu a existência de falhas sistémicas no sistema de asilo em Itália.

    11. A verdade é que a entidade Recorrente apenas fez referência aos casos que o tribunal de 1ª Instância trouxe a pleito para justificar a Sentença proferida, no sentido de que se tratou de situações pontuais, isoladas, de natureza distinta à do aqui recorrido, e distinto quer no Tempo, quer nas circunstâncias, pelo que daí não se pode inferir que o sistema de Asilo em Itália se caracterize pela existência de falhas sistémicas.

    12. Posto isto urge remeter para a jurisprudência quer dos Tribunais Centrais Administrativos, quer do Supremo Tribunal de Justiça que acolhem a argumentação sempre defendida pelo Recorrente, entendendo deste modo que não se pode inferir pelas declarações do Requerente de proteção internacional que exista em Itália uma falha sistémica nos seus procedimentos de Asilo. Assim, Q. Na jurisdição administrativa, o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo Sul já decidiram que a alegação genérica de falhas sistémicas, por si só, não é motivo para invalidar a decisão do SEF de proceder à transferência do requerente de asilo ou impor a instrução do procedimento – cf., p. ex., Acórdão de 10.1.2019, P.º n.º 1353/18.0BELSB (não publicado), de 21.2.2019, P.º 1740/18.3BELSB, e de 26-9-2019, P.ºs n.ºs 743/19.5BELSB e 559/19.9BELSB, de 13-2-2020, P.ºs 1733/19.3BELSB e 1441/19.5BELSB, e de 27-2-2020, 1718/19.0BELSB, todos do Tribunal Central Administrativo Sul, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-1-2020, P.º 2240/18.7BELSB.

    13. Na decisão do Supremo Tribunal Administrativo acima mencionada, sobre o défice instrutório, também num caso de retoma a cargo para Itália, escreveu-se o seguinte: «(…) Ora, resulta dos «considerandos 4 e 5» do Regulamento [EU] 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06.2013, que se pretendeu implementar um método claro e operacional para determinar o Estado-membro responsável pela análise dos pedidos de asilo, e que esse método se devera basear em critérios objectivos e equitativos, de...

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