Acórdão nº 343/11.8BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A C............., Lda.
, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 24/01/2017, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra o M............, EM, julgou a ação improcedente, relativa ao pedido de impugnação da deliberação do Conselho de Administração da Ré, que se opôs à renovação do contrato de utilização do espaço para a loja n.º 2.
* Formula a Autora, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1 - Verifica-se um erro grosseiro na matéria de facto dada como provada no ponto D) em oposição ao texto da clausula 2ª ponto 1 do "contrato de utilização do espaço" outorgado por A. e R, que constitui o doc. nº 3 junto com a PI do Processo nº 155/11.9BELLE que a fundamenta.
II - O texto do ponto D) da matéria de facto dada como provada, deve ser alterado, substituindo-se a palavra interessado que nele consta erradamente, pela palavra operador, tal como consta no ponto 1 da clausula 2ª do "contrato de utilização de espaço, outorgado por A e R, passando a ter a seguinte redacção: D) Na referida cedência foi estipulado o prazo de doze meses contados desde a entrega do identificado espaço, renovando-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denuncia a efectuar pelo operador por meio de carta registada com aviso de recepção a enviar com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo inicial ou de qualquer duma das suas renovações nos termos da clausula segunda ponto 1 (cfr. doc. nº 3 da PI do processo nº 155/11.9BELLE).
III - Face á matéria provada no ponto D) dos factos provados, rectificada para ficar conforme ao ponto 1 da clausula 2ª do contrato que a fundamenta, a Ré, como locadora estava impedida de denunciar o contrato em causa pois que tal faculdade apenas é conferida ao locatário (operador).
IV - Ao denunciar o contrato em violação do disposto na citada clausula 2ª ponto 1 do contrato de utilização de espaço, na sua deliberação alegadamente de 9-11-2010 a Ré cometeu o vicio de violação de lei que determina a anulação de tal deliberação.
V - A alegada deliberação de 9-11-2010 que terá denunciado o contrato de utilização do espaço em causa, nunca foi do conhecimento concreto da A, que por isso ignora os seus fundamentos ou até se existe.
VI - A carta enviada à A por um advogado referindo que a Ré havia deliberado opor-se à renovação do contrato não substitui a própria deliberação nem tão pouco a sua fundamentação.
VII - Foram violadas entre outras as disposições conjugadas dos arts. 133 nº 1 e 2 al. f) e 135 ambos do CPA na versão vigente à data dos factos.”.
Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, retificada a matéria de facto impugnada, proferindo-se acórdão que julgue a ação procedente, condenando-se a Ré no pedido.
* A Entidade Demandada, ora Recorrida, notificada apresentou contraalegações, no âmbito das quais formulou as seguintes conclusões: “A. Atento o conteúdo do recurso de apelação interposto pela Recorrente, e a matéria de facto concretamente objecto de impugnação por parte da mesma, faz-se notar, antes de mais, que, por via do mesmo, dá-se por definitivamente assente toda matéria de facto não impugnada pela Recorrente.
B. Por sua vez, o presente recurso de apelação interposto pela Recorrente tem como trave-mestra um alegado erro do douto Tribunal a quo que, segundo a mesma afirma, "deu como provado que o contrato celebrado por 12 meses se renova automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo denúncia a efectuar pelo interessado ...
", e que, nas palavras da Recorrente, "muda tudo, altera completamente o sentido da aludida cláusula 2.ª do contrato e tem consequências jurídicas completamente diferentes".
C. Com o devido respeito que a Recorrente nos merece, não é assim.
D. Com efeito, o n.º 1 da cláusula 2ª do contrato celebrado entre as partes, regula tanto a oposição à renovação, como a denúncia, permitindo-a a qualquer dos outorgantes, interessados na redacção da douta sentença.
E. Efectivamente, a primeira parte do citado dispositivo, claramente dispõe sobre a oposição à renovação, permitindo-a.
F. Por isso, estando previsto que o contrato em apreço se renova automaticamente a cada ano, a forma correcta de obstar a essa renovação não é a sua denúncia, mas sim a "oposição à renovação", uma vez que está em causa um prazo certo.
G. É isto que, efetivamente, resulta da interpretação do contrato de utilização em apreço, sendo certo que é este o mecanismo adequado e, de resto, expressamente previsto no artigo 1098.º do Código Civil (ex vi artigo 1110.º do CC) no que toca à renovação do contrato.
H. Assim, dispõe precisamente o n.º 4 do mencionado artigo que "Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido.
".
I. Por outro lado, não deverá causar sequer estranheza que no contrato de utilização em apreço se faça somente referência à possibilidade de denúncia do contrato, uma vez que a distinção que hodiernamente se faz entre a denúncia e a oposição à renovação, consoante estejamos perante um termo incerto ou um termo certo, respectivamente, apenas começou a ser aplicada com a entrada em vigor do NRAU.
J. Concretamente, a oposição à renovação que actualmente se conhece correspondia ao conceito de "denúncia" que era utilização no RAU (Decreto-Lei n.º 321-8/90, de 15 de Outubro), pelo que só com a entrada em vigor do NRAU, em 2006, é que se dá a cisão entre oposição à renovação para os contratos com prazo certo, e a denúncia para os contratos de duração indeterminada.
K. Não obstante, também quanto à "denúncia", não resulta da letra do contrato qualquer proibição de que também o Recorrido possa denunciar o contrato! L. Até porque não se diz que "só" a Recorrente é que pode denunciar o contrato, o que se diz é que a Recorrente pode fazê-lo, fixando-se para esse as condições de modo e tempo em que deve ocorrer! M. Em suma, louva-se a sensatez de raciocínio por parte do douto Tribunal a quo, dado que se, por absurdo, se entendesse estarmos perante uma impossibilidade de oposição à renovação por parte do Recorrido, tal significaria que o contrato só caducaria a 11 de dezembro de 2025, isto é, 18 (dezoito) anos após o seu início de vigência! N. Como bem se compreende, seria manifestamente absurdo e deveras gravoso para o Recorrido vincular-se à vigência de um contrato que - durante uns longos 18 anos - não pudesse fazer cessar, e ainda reservando somente essa faculdade para a Recorrente.
O. Adernais, esta concreta interpretação que a Recorrente defende para o n.º 1 da cláusula Segunda do contrato não é sequer razoável, e menos ainda aquela que resulta da aplicação do artigo 236.º, n.º 1 do CC, segundo o qual “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
P. Assim, não obstante a relevância que se reconhece ao sentido compreendido pela Recorrente do conteúdo do contrato celebrado, o mesmo não é o único elemento a ter em consideração quanto à interpretação a fazer das cláusulas contratuais em apreço - tal como o confirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-06-2012 para cujo excerto contido nas alegações se remete.
Q. Por conseguinte, não restam quaisquer dúvidas de que "uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos" sempre teria compreendido que o Recorrido naturalmente não pretendia privar-se da prerrogativa de cessação do contrato de utilização celebrado, sobretudo atendendo ao termo para o mesmo fixado de 18 (dezoito) anos, sobretudo estando em causa um espaço cujo principal propósito - e último, diga-se - é o de servir o interesse público e adaptar-se às soluções que melhor cumpram fins de interesse público.
R. Além disso, o comportamento por si levado a cabo - com a convicção de que actuava no exercício de um direito - elimina quaisquer hesitações quanto à declaração negocial do mesmo plasmada naquela cláusula V do contrato de utilização em apreço, não tendo sido prevista - corno não poderia deixar de ser - qualquer disposição que vede ao Recorrido a possibilidade de fazer cessar o contrato por meio de oposição à renovação.
S...
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