Acórdão nº 1127/20.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA MARTINS
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO I..., melhor identificado nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, pedindo a anulação do despacho da Directora Nacional Adjunta do SEF, que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e determinou a sua transferência para Espanha; bem como a condenação da Entidade Demandada a reconstituir o procedimento, instruindo-o com informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo espanhol e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Espanha, de molde a aferir se, no caso concreto, se verifica qualquer um dos motivos enunciados no artigo 3.°, n.° 2, 2.° parágrafo do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e se é o Estado Português o responsável pela análise do pedido de protecção internacional do Autor.

Por sentença de 06.08.2020, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido.

Inconformado com tal decisão, o Autor recorreu da mesma.

* Nas suas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: A) Se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertencer a outro Estado-Membro, incumbe ao SEF dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável, conforme determinam os art.ºs 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06 e 22.º, n.ºs 1 e 7 do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho; B) O art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho, determina uma verdadeira obrigação legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento; C) Por conseguinte, uma vez apresentado um pedido de protecção, o respectivo Estado-Membro terá primeiramente que aferir, nos termos determinados no art.º 3.º, n.º 1 e no Capítulo III do Regulamento n. º 604/2013, de 26 de junho, qual é o Estado responsável pela apreciação de tal pedido e, sendo identificado como responsável pela apreciação do pedido um outro Estado-Membro, há, então, que avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência, nos termos do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento n.º 604/2013, de 26 de junho; D) Ponderando todas as informações conhecidas sobre o pais considerado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, de maneira a aferir se existem, no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, nomeadamente, a existência de um risco real, directo ou indirecto, de o requerente ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.° da CEDH e 4.° da CDFUE e não apenas os factos notórios.

E) Verificação que não deve sequer ficar dependente da circunstância de serem tais factos notórios ou não, ou da alegação pelo interessado, atentos o princípio do inquisitório previsto no art. 58.º do CPA e o dever de averiguação de todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa, imposto pela normas constantes dos n.º 1 e 2 do art. 115.º do mesmo diploma legal.

F) Entende-se que no que respeita ao Regulamento n.º 604/2013, de 26-06, a discricionariedade contemplada no art.º 3.º, n.º 1, acaba por ser afastada pela obrigação constante do n.º 2 daquele preceito legal, que determina um verdadeiro dever legal dos Estados-Membros apreciarem acerca da eventual ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, antes de procederem à transferência daqueles para outro Estado-Membro em obediência aos critérios indicados no Capitulo III do Regulamento.

G) Nesse sentido, víde o Acórdão do TCAS de 22-08-2019, proferido no Proc. n.º 1982/18.1BELSB.

H) A decisão da Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em apreço nos autos padece de défice de instrução, por violação dos artigos 58.º e 115.°, n.ºs 1 e 2 do CPA e do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26 de junho, sendo por isso anulável nos termos do artigo 163.°, n.º 1 do CPA.

I) A sentença recorrida, ao manter a decisão administrativa, viola igualmente as citadas normas legais.

* O Recorrido, devidamente notificado, não contra-alegou.

* O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência do presente recurso.

* O Recorrente apresentou resposta ao parecer do DMMP, pugnando pela procedência do recurso.

* Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA e 37º nº 5 e 84º da Lei 27/2008, de 30/6, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.

* II - OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação dos artigos 58.º e 115°, n.ºs 1 e 2 do CPA e do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26 de junho.

* III – FUNDAMENTAÇÃO De Facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, que não vêm impugnados, pelo que se mantêm: 1) O Autor, nacional do Senegal, apresentou um pedido de protecção internacional em Portugal em 12/12/2019 – cfr. fls. 1, 2 e 14 do PA junto aos autos; 2) Em 06/03/2019, o Autor entrou em Espanha, vindo de barco, de Marrocos, tendo nesse momento as autoridades espanholas recolhido as suas impressões digitais, que foram inseridas na base de dados EURODAC – cfr. fls. 3, 30 e 38 do PA junto aos autos; 3) Com data de 24/01/2020, o SEF formulou um pedido de “Tomada a Cargo” do ora Autor a Espanha, ao abrigo do art. 13º, nº 1, do Regulamento (UE) nº 604/2013 do Conselho, de 26 de Junho – cfr. fls. 24-31 do PA junto aos autos; 4) Em 11/02/2020, as autoridades espanholas comunicaram ao SEF que a Espanha aceita a responsabilidade pelo pedido de protecção internacional do Autor – cfr. fls. 32 do PA junto aos autos; 5) Em 14/02/2020, foi realizada uma entrevista com o ora Autor, na sequência da qual o SEF elaborou um “Relatório”, nos termos do instrumento de fls. 33-42 do PA junto aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) (…)” – cfr. fls. 33-42 do PA junto aos autos; 6) Em 28/02/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a informação nº 0447/GAR/2020, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: “(…) [imagem que aqui se dá por reproduzida] - cfr. fls. 44-47 do PA junto aos autos; 7) Em 28/02/2020, foi proferida pela Directora Nacional Adjunta do SEF, em suplência, por ausência da Directora Nacional, a “Decisão” que ora se reproduz: [imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 48 do PA junto aos autos; 8) Em 09/06/2020 foi comunicada ao Autor a decisão identificada no ponto antecedente, em língua Wolof – cfr. fls. 53 do PA junto aos autos.

* De Direito O Recorrente vem pôr em crise a sentença recorrida, invocando que não foi averiguada oficiosamente a existência de um tratamento desumano e/ou degradante, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento EU 604/2013 e que existe uma total omissão em relação à apreciação da situação actual dos refugiados e dos requerentes de protecção internacional, em Espanha, existindo, por isso, um défice de instrução, nos termos dos artigos 58.º e 115.°, n.ºs 1 e 2 do CPA e do art.º 3.º, n.º 2, § 2.º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, de 26 de junho.

Por facilidade na explanação, transcrevemos aqui parte da fundamentação de direito da sentença recorrida: “A Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio (Lei de Asilo), estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária.

(…) E o artigo 19º-A, nº 1, al. a), estabelece que o pedido é considerado inadmissível quando se verifique que “Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV”. Estabelece, por seu turno, o nº 2 da norma em apreço que nas situações em que o pedido é considerado inadmissível, “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”.

Ora, tal procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional vem regulado nos artigos 36º a 40º, do Capítulo IV, da Lei de Asilo, estabelecendo o artigo 36º que “Quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial”.

Nesta conformidade, dispõe o artigo 37º, nº 1, do...

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