Acórdão nº 2296/18.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.
A Associação de Jardins Escolas J..., IPSS e A...
, Requerentes no âmbito do presente processo cautelar, vêm interpor recurso da sentença proferida no TAC de Lisboa que, em antecipação do juízo sobre a causa principal, julgou improcedente o pedido deduzido na acção que tramitou sob o n.º 2298/18.9BELSB e em que se impugnou a deliberação tomada em 02/10/2018 pelo Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, na parte em que impôs como condição para a acreditação da Escola Superior de Educação J..., a nomeação imediata de um diretor para aquela Escola, de forma a garantir a sua autonomia pedagógica, científica e cultural perante a Associação de Jardins Escolas J..., IPSS.
Apresentaram as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: 1. A sentença recorrida não fez correta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, em especial do artigo 138.° do RJIES; 2. No caso concreto, se a opção da entidade requerida/demandada entre tomar uma decisão de não acreditação ou de acreditação sujeita à verificação de determinada condição pode, em face da lei, ser qualificada como um poder essencialmente discricionário, a decisão sobre as especificas condições a apor à acreditação - que é o que ora está em causa - é um poder essencialmente vinculado na medida em que as referidas condições têm que decorrer de imposições ou vinculações legais; 3. Ou seja, a entidade requerida, ora recorrida, não pode determinar a seu bel prazer e critério quais as condições a que a acreditação fica sujeita. O que pode fazer, é, ao abrigo dos princípios gerais da atuação administrativa, nomeadamente do princípio da adequação e da proporcionalidade, mas também, in casu e atendendo aos interesses envolvidos, ao princípio da prossecução do interesse público, optar por, ao invés de recusar liminarmente a acreditação, conceder a possibilidade de a entidade acreditada vir a satisfazer determinados requisitos/condições que lhe permitem a acreditação. Foi o que sucedeu no caso dos autos; 4. Decorrendo o estabelecimento de condições à decisão de acreditação essencialmente do mesmo poder de recusa de acreditação e baseando-se ambos nos critérios legais definidos para a acreditação, não pode deixar de entender-se, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, que o ato suspendendo/impugnando foi proferido ao abrigo de um poder essencialmente vinculado e que, consequentemente podia e pode ser impugnado com fundamento em vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito e não apenas com fundamento em vício de desvio de poder; 5. A Constituição remete para a lei (reserva de lei) os termos de concretização da autonomia das universidades. A esta exigência respondeu a Lei n.° 108/88, de 28 de setembro, que definiu e desenvolveu os vários níveis ou componentes da autonomia, e atualmente o regime jurídico das instituições de ensino superior, aprovado pela Lei n.° 62/2007, de 10 de setembro, acima referido; 6. A autonomia das universidades, constitucionalmente garantida projeta-se no artigo 11.° do RJIES e abrange as dimensões pedagógica, científica e cultural, conforme resulta do n.° 3 daquele artigo, que é concretizado no artigo 143.°, dedicado às «vertentes da autonomia» dos estabelecimentos de ensino superior privados; 7. A Lei impõe uma separação clara entre a entidade instituidora do estabelecimento universitário, que, qualquer que seja a forma considerada, tem de ser criada especificamente para este fim, salvo no que se refere a entidades de natureza cultural e social sem fins lucrativos que incluam o ensino superior entre os seus fins e o estabelecimento universitário propriamente dito; 8. Esta separação implica, desde logo, a afetação da entidade titular à prossecução daquele específico objetivo e desligando-a de quaisquer outros interesses que eventualmente sejam prosseguidos pela entidade instituidora.
9. Do próprio conteúdo do artigo 11.° da Lei n.° 62/2007 e da sua inclusão num título designado "Princípios e disposições comuns", não pode deixar de entender- se que o n.° 3 do preceito em causa estabelece-se um princípio geral, de natureza eminentemente genérica, segundo o qual os estabelecimentos de ensino superior privado gozam de autonomia (pedagógica, científica e cultural) face à respetiva entidade instituidora.
10. Não obstante tal princípio da separação face à entidade instituidora, ainda em sede de princípios gerais, o n.° 2 do artigo 12.° do RJIES não deixa de estabelecer que "No quadro da sua autonomia, e nos termos da lei, as instituições de ensino superior organizam-se livremente e da forma que considerem mais adequada à concretização da sua missão, bem como à especificidade do contexto em que se inserem"; 11. Tal princípio de liberdade de organização, é, posteriormente, objeto de concretização e densificação noutro segmento não já destinado à fixação de princípios gerais, mas à concreta regulação da Organização e gestão das instituições de ensino superior privadas, ou seja, no Título IV - Organização e gestão das instituições de ensino superior privadas; 12. Ora, justamente na primeira norma desse título, o artigo 138.° a que o relatório da CAE que serve de fundamento ao ato impugnado faz referência expressa, o legislador determinou que "A entidade instituidora organiza e gere os respetivos estabelecimentos de ensino, designadamente nos domínios da gestão económica e financeira" (n.° 1) e "Não podem ser titulares dos órgãos dos estabelecimentos de ensino os titulares de órgãos de fiscalização da entidade instituidora" (n.° 2); 13. Vemos, pois, que no n.° 1 o legislador concede à entidade instituidora liberdade de organização e gestão dos seus estabelecimentos de ensino, estabelecendo, contudo, no n.° 2 uma limitação expressa à liberdade de organização e gestão, determinando de forma muito clara que "Não podem ser titulares dos órgãos dos estabelecimentos de ensino os titulares de órgãos de fiscalização da entidade instituidora"; 14. Um pouco mais adiante, no artigo 141.°, n.° 1, o legislador, sob a epígrafe de Reserva de estatuto, estabelece expressamente que: "Dos estatutos de cada estabelecimento de ensino constam, obrigatoriamente, para além do previsto no artigo anterior, as regras a que obedecem as relações entre a entidade instituidora e o estabelecimento de ensino, bem como os demais aspectos fundamentais da organização e funcionamento deste, designadamente a forma de designação e a duração do mandato dos titulares dos seus órgãos.”.
15. Ora, ao contrário do entendimento sufragado na sentença recorrida, constata- se que neste preceito a lei remete a definição das matérias relativas à relação entre a entidade instituidora e o estabelecimento de ensino, designadamente a designação e duração do mandato dos titulares dos órgãos daquele, para os Estatutos a aprovar, sem introduzir qualquer limitação ao exercício dessa competência regulamentar, além da já contida no artigo 138.°, n.° 2 atrás citado; 16. Sendo inequívoco que o legislador entendeu que nessa sede - a da designação dos titulares dos órgãos - a salvaguarda do princípio da separação entre a entidade instituidora e a universidade ficaria suficientemente acautelada com a existência de órgãos de fiscalização autónomos; 17. Para além do elemento literal e dos elementos sistemáticos das normas citadas, e ao contrário do sustentado pela recorrente e pelo Tribunal a quo, apontam também no sentido defendido os antecedentes legislativos desta norma os quais permitem igualmente concluir, sem margem para qualquer dúvida, que o legislador quis restringir a incompatibilidade apenas, e só, aos titulares dos órgãos de fiscalização, por considerar que tal seria o bastante para garantir o princípio da autonomia do estabelecimento de ensino, face à respetiva entidade instituidora; 18. O artigo 138.°, n.° 2 do RJIES, sucedeu ao artigo 5.°, n.° 4 do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 16/94, de 22 de janeiro, cuja redação era exatamente a mesma: "Não podem ser titulares dos órgãos de estabelecimentos de ensino, os titulares de órgãos de fiscalização da entidade instituidora"; 19. Esta redação resultou, contudo, de uma alteração introduzida por ratificação (atualmente designada apreciação) parlamentar, através da Lei n.° 37/94, de 11 de novembro, ao referido Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, já que na sua redação inicial o artigo 5°, n.° 4 determinava: "Não podem ser titulares dos órgãos de estabelecimentos de ensino, os titulares de órgãos de direção ou fiscalização da entidade instituidora"; 20. A alteração introduzida pela Assembleia da República reflete, pois, uma intenção explícita e inequívoca do legislador de permitir que os titulares dos órgãos de direção da entidade instituidora possam ser titulares de órgãos dos estabelecimentos de ensino; 21. Também ao contrário do alegado pela agora recorrente e do sustentado na sentença sob recurso, os trabalhos parlamentares que antecederam a aprovação da Lei n.° 37/94, de 11 de novembro são bem elucidativos a esse respeito; 22. O legislador de 2007, que aprovou o atual RJIES, deixou intocada a norma que resultou da alteração introduzida por ratificação parlamentar ao Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo de 1994, reproduzindo-a integralmente, o que só pode significar a manutenção integral da sua opção legislativa; 23. Finalmente, a interpretação das normas dos artigos 11.°, n.° 3 e 138.°, n.° 2 da Lei n.° 62/2007, não pode deixar de ter em consideração a reserva de estatuto que decorre do respetivo artigo 141.°, do qual resulta que as regras relativas às relações entre a entidade instituidora e o estabelecimento de ensino, onde, naturalmente, se inclui a designação dos titulares dos órgãos deste, constituem matéria de reserva de estatuto, ou seja, estão conferidas em...
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