Acórdão nº 01992/09.0BELSB 0111/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A……………….. interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, em 4 de Outubro de 2017, negou provimento ao recurso da sentença proferida no TAF de Almada, a qual julgou improcedente a acção administrativa especial que o Autor e aqui Recorrente intentara contra o Estado Português, o Secretário-Geral da Saúde, o Ministério da Saúde e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, pedindo, no essencial, a declaração de nulidade da deliberação do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, de 17 de Junho de 2009, que o colocou em situação de mobilidade especial, e a condenação do Estado e do Ministério da Saúde no pagamento das retribuições que, por efeito daquela decisão deixara de receber, desde 9 de Julho de 2008 até integral execução do julgado, e, ainda, de uma indemnização por danos morais.

2 – Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2018, foi a presente revista admitida para analisar: i) se cumpria ao Acórdão recorrido conhecer oficiosamente das inconstitucionalidades invocadas na apelação e qual a consequência da recusa desse conhecimento; ii) “se um trabalhador da função pública do então regime de nomeação, comprovadamente doente, que entrou automática e forçadamente na situação de licença sem vencimento de longa duração por não ter requerido a sua submissão à junta médica da CGA, quando cessa a situação de doença e requer o regresso ao serviço tem ou não direito ao lugar que ocupava”; e iii) se, face ao circunstancialismo provado, a preterição da audiência prévia se degradou em formalidade não essencial, isto é, em mera irregularidade incapaz de determinar a anulação do acto impugnado.

3 – O Autor, e aqui Recorrente, apresentou alegações que concluiu da seguinte forma: «[…] A) Quanto à admissibilidade do recurso 1.ª Saber se as «questões de constitucionalidade que não colocou à apreciação da Tribunal a quo», ou seja, que o Recorrente apenas suscitou no recurso de apelação para o TCA Sul, deveriam ou não ser conhecidas por este Tribunal de Apelação é matéria de relevância jurídica fundamental, quer pela sua relevância jurídica quer social, tanto mais que a decisão do TCA Sul ora sob recurso colide com a jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo, designadamente a supra identificada. Pois, 2.ª Tanto mais que a questão de «saber até que fase processual pode ser suscitada uma questão de inconstitucionalidade no processo administrativo (acção administrativa especial)» já motivou a admissão de dois recursos de revista, no entanto, num caso sem que tivesse sido emitida pronúncia sobre a matéria e, noutro, ainda não esteja publicado o Acórdão que haja decidido a questão. Mas, 3.ª Tal questão tem manifesta relevância social, pois, em muitos arestos o TCA Sul tem vindo a expressar o mesmo entendimento de que as invocações de inconstitucionalidades após a decisão do tribunal de 1ª instância constituem 'questões novas' de que o Tribunal de Apelação não tem de conhecer, no que, assim, tal questão não se restringe ao presente caso, tendo, pelo contrário, notórias virtualidades expansivas.

Acresce que, 4.ª No tocante à segunda questão, supra enunciada, de saber se um trabalhador da função pública do então regime de nomeação, comprovadamente doente, que entrou automática e forçadamente na situação de licença sem vencimento de longa duração por não ter requerido a sua submissão à junta médica da CGA, quando cessa a situação de doença e requer o regresso ao serviço tem ou não direito ao lugar que ocupava, porque se está perante uma matéria de especial melindre em virtude da situação que foi criada ao Recorrente de recusa do seu regresso ao serviço no lugar de origem na função pública quando cessou a sua incapacidade temporária por doença, acarretando a perda dos vencimentos que inerem ao exercício de funções com a consequente colocação do Recorrente num verdadeiro limbo jurídico em virtude do qual está impedido de trabalhar e de ser considerado desempregado, a qual carece ser «reexaminada pelo Supremo como órgão de cúpula do sistema».

Na verdade, 5.ª O douto Acórdão recorrido entendeu que o regime de efeitos previstos no n.º 7 do art.º 472 do então em vigor DL n.º 100/99 não se aplica aos funcionários que, após 18 meses de baixa por doença não manifestem a sua vontade e, por consequência, entrem automaticamente em situação de licença sem vencimento de longa duração por força do n.º 3 do mesmo dispositivo legal, remetendo para os efeitos ou consequências do regime estabelecido no n.º 1 e 2 do art.º 802 e no art.º 822 do mesmo diploma. Porém, 6.ª Esta interpretação da lei, maxime dos efeitos da medida prevista no n.º 3 do art.º 472 do DL n.º 100/99, consubstancia a natureza penalizadora desta medida, que, assim, é totalmente restritiva e ablativa dos direitos fundamentais ao trabalho e ao salário que lhe inere bem como à segurança social na vertente da protecção na doença [art.ºs 582, 592 e 632 da CRP].

  1. E revela que, em tal interpretação, o Tribunal a quo, de todo, não teve em conta o Princípio da Restrição Mínima dos Direitos Fundamentais ou, de outro modo dito, o carácter restritivo das restrições que emana do n.º 2 do art.º 18.º da CRP, o qual, em conjugação com o princípio da interpretação conforme, impunha que no caso em apreço se optasse pela interpretação que permitisse salvaguardar os direitos fundamentais aqui em causa e, assim, se aplicasse ao caso, ainda que por analogia, o disposto no n.º 7 do mesmo art.º 47.º.

  2. Assim, o entendimento adaptado pelo acórdão recorrido apresenta-se como flagrantemente erróneo e manifestamente insustentável pelo que a intervenção deste Supremo Tribunal enquanto «órgão de cúpula do sistema» é claramente necessária em ordem a uma melhor aplicação do direito.

  3. No que respeita à terceira questão, concernente em saber se a circunstância de o Recorrente não ter sido notificado para se pronunciar sobre o sentido provável de vir a ser declarada a nulidade da deliberação de 09.07.2008 do CHLC, EPE, se gerou a anulabilidade do acto ou, como se sustenta no Acórdão recorrido, se degradou em mera irregularidade, é também matéria em que se revela claramente necessária a pronúncia deste Colendo Supremo Tribunal em ordem a uma melhor aplicação do direito. Pois, 10.ª No vertente caso estamos perante uma situação em que «a preterição da audiência ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental material do interessado no procedimento em que essa audiência devia ser considerada uma necessidade inelutável da protecção desse direito», visto que a deliberação declarada nula visava a sua colocação em situação de mobilidade especial, garantindo-lhe assim um mínimo de subsistência, pelo que a sua declaração de nulidade ofendeu notoriamente esse direito fundamental ao mínimo de subsistência. Por outro lado, 11.ª Se lhe tivesse dada a oportunidade de se pronunciar em audiência prévia, essa e outras questões, poderiam nela ser suscitadas, designadamente poderia ter aproveitado para requerer que, se o órgão máximo do seu empregador (CHLC, EPE) se declarasse incompetente para decidir o seu pedido de regresso ao serviço, encaminhasse tal pedido para o órgão competente nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 34.º do CPA.

  4. O que demonstra o flagrante erro de julgamento do Tribunal a quo, pois a preterida audiência prévia do Recorrente era não só útil e necessária como poderia ter levado a que Entidade Decidente decidisse no sentido oposto ou diferente e, designadamente, encaminhasse o pedido de regresso ao serviço do Recorrente para o órgão que reputasse de competente.

  5. O que, não tendo ocorrido por falta da audiência prévia do interessado, a preterição desta formalidade essencial deixou desprotegidos os seus direitos fundamentais ao mínimo de subsistência (enquanto corolário do princípio constitucional da dignidade humana consignado no art.º 1.º da CRP) e ao trabalho (art.º 58.º, n.º 1 da CRP).

  6. Pelo que, mais uma vez, a intervenção deste Colendo Supremo Tribunal enquanto «órgão de cúpula do sistema» é claramente necessária em ordem a uma melhor aplicação do direito.

    1. Quanto às questões de fundo 15.ª O Acórdão recorrido, ao negar o exame e conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas no recurso jurisdicional da decisão da 1ª instância, incorreu em clamoroso de erro de interpretação e aplicação do direito ao caso. Na verdade, 16.ª Em face da doutrina e jurisprudência supracitadas (que aqui se têm por reproduzidas por razões de concisão), dúvidas não há que as questões de constitucionalidade suscitadas no recurso de apelação para o TCA Sul são, face ao art.º 204.º da CRP, matéria do conhecimento oficioso do Tribunal a quo pelo que não podia - como foi - ser recusado o seu conhecimento com a invocação de se tratar de "questão nova", pois, como diz o Tribunal Constitucional, "a natureza oficiosa do conhecimento da questão de inconstitucionalidade prevalece sempre em face do argumento da «questão nova»".

    Aliás, 17.ª O bloco normativo ou de legalidade invocado no Acórdão recorrido em abono de tal tese, designadamente «o disposto nos art.ºs. 665.º e 662.º CPC (ex 715.º n.ºs 1/2 e 712.º n.º 3 CPC). matéria hoje expressamente consignada no art.º 149.º n.º 1 CPTA que deve ser aproximada do regime do citado 665.º n.º 1 CPC (ex art.º 715.º n.º 1 CPC), no art.º 149.º n.º 2 CPTA que tem o lugar paralelo no art.º 662.º n.º 3 CPC (ex 712.º n.º 3 CPC) e no art.º 149.º n.º 3 CPTA tal como estatuído no art.º 665.º n.º 2 CPC (ex 715.º n.º 2 CPC)», na interpretação e configuração que neste lhe foi dado, sofre de manifesta inconstitucionalidade material por colisão com o art.º 204.º da CRP na medida em que o Tribunal a quo ao dizer que, citando, «verifica-se que ao longo dos 184 artigos da petição inicial o ora Recorrente não produziu quaisquer alegações sobre a ora suscitada função penalizadora do regime dos...

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