Acórdão nº 568/20 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução21 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 568/2020

Processo n.º 292/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A., B. e C. vieram interpor recursos para este Tribunal, todos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. Neste Tribunal foi proferida a Decisão Sumária n.º 356/2020, que decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer da totalidade do objeto dos recursos interpostos, com a seguinte fundamentação:

«7. Tem sido entendimento, reiterado e uniforme, deste Tribunal Constitucional que constituem requisitos cumulativos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC].

Cumpre, assim, aquilatar se, in casu, tais requisitos se verificam relativamente aos três recursos interpostos.

Recurso interposto pelo recorrente A.

8. Recorde-se que, conforme supra relatado, as decisões recorridas no âmbito deste recurso correspondem aos arestos do Tribunal da Relação do Porto que tinham sido notificados ao recorrente à data da interposição do recurso de constitucionalidade, ou seja, os arestos datados de 10 de julho de 2019, 28 de outubro de 2019 e, por fim, 10 de dezembro de 2019.

Atendendo à delimitação do objeto material do presente recurso verifica-se, desde já, e independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende a respetiva admissibilidade, que os enunciados interpretativos apresentados pelo recorrente não encontram projeção na ratio decidendi dos arestos de 10 de julho de 2019 e 10 de dezembro de 2019 do Tribunal da Relação do Porto. Efetivamente, como vimos, o aresto exarado nesse tribunal em 10 de julho de 2019 assentou a sua razão de decidir, no que se reporta ao aqui recorrente, no entendimento de que o mesmo não tinha legitimidade para reclamar do despacho proferido em 18 de junho de 2019, que, por sua vez, indeferiu, num primeiro momento, o pedido de renovação da prova formulado no recurso do C., por considerar que não se encontravam verificados os respetivos pressupostos, e, de seguida, determinou a realização da audiência por si requerida e pelo C..

Por outro lado, o acórdão de 10 de dezembro de 2019 limitou-se a apreciar, quanto ao recorrente, um pedido de correção e arguição de nulidades relativo ao aresto de 28 de outubro de 2019, tendo concluído que, à exceção da invocada omissão de pronúncia relativa à questão de saber se as condutas do recorrente integravam um só crime de corrupção ativa na medida em que só uma finalidade presidiu às mesmas – omissão que supriu, indeferindo a argumentação apresentada –, não se verificavam as demais omissões e as nulidades que lhe eram imputadas.

Atentas as considerações expendidas, o recurso interposto pelo recorrente A. na ótica dos arestos de 10 de julho e 10 de dezembro de 2019 do Tribunal da Relação do Porto não é admissível na medida em que não se mostra verificado o pressuposto da aplicação do objeto do recurso como ratio decidendi das decisões recorridas.

8.1 Analisando, por ora, a admissibilidade do recurso à luz do aresto do Tribunal da Relação do Porto de 28 de outubro de 2019, dir-se-á, quanto à primeira questão de constitucionalidade elencada – referente à interpretação extraída da conjugação dos «187.º nos1 e 4 alínea b) do CPP no sentido de que os agentes do crime de corrupção ativa desportiva podem ser alvos de escuta quando o agente do crime de corrupção passiva não o foi, por se entender que este é intermediário no crime de corrupção passiva» –, que a mesma não se apresenta com a necessária natureza normativa.

Como é sabido, o Tribunal Constitucional, no âmbito dos seus poderes cognitivos de fiscalização concreta, apenas se encontra habilitado a julgar questões de constitucionalidade relativas a normas ou interpretações normativas estando-lhe vedada a apreciação de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da enunciação de uma verdadeira questão normativa. Deste modo, sob pena de inidoneidade, impende sobre o recorrente o ónus de delimitar como objeto material do recurso de constitucionalidade o critério normativo que presidiu ao juízo decisório do caso concreto, ou seja, uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade encontre um mínimo de conexão, autonomizando-a claramente da pura atividade subsuntiva, intrinsecamente relacionada com as particularidades específicas do caso concreto.

In casu, o enunciado da questão colocada espelha que o que lhe subjaz não é já a pretensão de sindicância de um critério normativo que tenha sido mobilizado pelo tribunal a quo como razão de decidir, mas antes do puro ato de julgamento efetuado no acórdão sob recurso. De facto, o recorrente não coloca uma questão de constitucionalidade reportada a norma ou dimensão normativa, antes problematiza a qualificação jurídica que foi dada pelo tribunal a quo como intermediário do crime de corrupção passiva, crime de catálogo que justifica, de acordo com o artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do CPP, o recurso à interceção e gravação de conversações telefónicas. Dito de outra forma, o recorrente não sindica o critério normativo que fundou a decisão do Tribunal da Relação do Porto aqui recorrida, mas a decisão em si, que considerou que nos autos ficou demonstrado que o despacho que determinou a interceção e gravação de conversações telefónicas relativamente ao recorrente assentou no indício de que o mesmo utilizava o seu número de telefone para transmitir «mensagens (relevantes) destinadas a suspeitos da eventual prática de “crimes de catálogo”», e que foi na qualidade de intermediário do crime de corrupção passiva, e não como agente do crime de corrupção ativa, que foi escutado.

Do exposto, revela-se ainda que o entendimento que está na base do enunciado interpretativo aqui apresentado não encontra projeção na ratio decidendi da decisão recorrida que, quanto a este ponto, se suportou na circunstância de que o recorrente havia sido escutado na qualidade de intermediário do crime de corrupção passiva e não como agente do crime de corrupção ativa. Referiu, a este propósito, por remissão para o que se decidira em 1.ª instância, que «[i]ndiciavam os autos que os arguidos D., E. e A. eram intermediários entre o C. e jogadores de outros clubes de futebol, entre eles o jogador e arguido F., para, fraudulentamente, através de aceitação de vantagens ou promessas de vantagens, alterarem os resultados da competição desportiva. Embora não podendo ser agentes do crime de corrupção passiva, eram intermediários entre agentes desportivos, alguns dos quais suspeitos de corrupção passiva na atividade desportiva, como acontece com o arguido F.». Mais notou que «o arguido escutado A., embora não podendo ser agente do crime de corrupção passiva, era intermediário entre o C. e os jogadores de outros clubes de futebol, entre outros, o jogador/arguido F., para fraudulentamente alterarem os resultados da competição desportiva», sendo que «funcionaria todo o esquema corruptivo em pirâmide estando no seu topo o C.; num primeiro nível de representação direta daquele Clube, os arguidos A. e B.; num segundo patamar, os arguidos D. e E. e, na base da pirâmide, os jogadores de futebol/agentes desportivos F. e outros (clubes de futebol G. e H.)». De seguida, o tribunal a quo sublinhou que «[n]a fase processual de inquérito em que foram ordenadas as interceções telefónicas eram os arguidos A., D. e E. intermediários em relação ao crime de corrupção passiva, representando o interesse do C. e fazendo-o chegar, a dois tempos, a F. e outros jogadores do clube de futebol G. e eventualmente a jogadores do clube de futebol H.».

A respeito do pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão normativa que configura objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida é pertinente recordar que o mesmo constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, despoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.

Assim, uma vez que com o presente impulso processual o recorrente pretende que o...

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