Acórdão nº 0461/13.8BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………. Ldª, no seguimento de impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que teve por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, do período de tributação de 2007, no valor de € 22.757,85, inconformada interpôs recurso da seguinte decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria) datada de 6 de Março de 2019: “
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Manter a liquidação adicional de IRC n.º 2011 8310004114, no valor de € 11.932,00, a liquidação de juros compensatórios n.º 2011 1881785, o valor de € 1.485,45, a liquidação de juros compensatórios por recebimento indevido, no valor de € 951,50, e o estorno da liquidação de IRC anterior no valor de € 8.388,90, perfazendo assim o valor total a pagar de € 22.757,85; e, b) Condenar a Impugnante em custas [art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT, art. 6.º, n.º 1, e 7.º, n.ºs 1 e 4, do RCP e Tabela I-A, em anexo].
”.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: A) - A douta sentença recorrida entendeu que a atuação da AT não merece censura e manteve na ordem jurídica o ato de liquidação de IRC de 2007, tento entendido que os custos colocados em crise pela AT em sede de inspeção tributária não podem ser aceites como custos fiscais.
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– Embora a douta sentença recorrida reconheça razão à impugnante/ recorrente, na medida em que confirma que a fundamentação apresentada pela AT para a correção não é idónea para não aceitação do custo contabilizado, motiva a decisão recorrida com fundamentação diversa daquela que foi apresentada pela AT no relatório de inspeção tributária.
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– Ou seja, a douta sentença recorrida em vez de extrair a consequência inerente à errónea fundamentação do ato apresentada pela AT, que seria a anulação do ato tributário, procurou “sanar” a correção fiscal aduzindo argumentos de facto e legais que pudessem justificar a legalidade da atuação da AT, designadamente no que tange à fundamentação.
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– Entende, porém, a recorrente que ao assim proceder, a douta sentença recorrida, desde logo, violou o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 111º da CRP.
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– De facto, foi com base na fundamentação do ato tal como apresentada pela AT que a impugnante, ora recorrente, tomou a opção de não se conformar com a mesma e impugná-la, e, é, consequentemente, com base na mesma fundamentação que incumbia ao julgador apreciar a ilegalidade da atuação da AT.
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– Acresce que, a correção da AT aqui em causa tem por base legal os art.ºs 23º e 42º do CIRC (redação à data dos factos), os quais deixam margem à AT na apreciação do que sejam as provas dos factos comprovativos da ocorrência do custo e da sua indispensabilidade, exigindo da AT uma apreciação casuística e, consequentemente, um especial dever de fundamentação quanto à correção efetuada.
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– Entende a ora recorrente que no caso concreto o M. mo. Juiz “a quo” não poderia sanar o ato tributário mal fundamentado, procurando os fundamentos de facto e de direito totalmente omitidos pela AT sem pôr em causa o princípio da separação de poderes, ou seja, sem se substituir à AT.
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– De facto, era sobre a AT que recaía o dever de fundamentação da correção fiscal, cabendo-lhe a realização, no procedimento tributário, de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.
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– Ao não ter cumprido do ponto de vista material o dever de fundamentação a AT violou a lei, com consequência na (i)legalidade do ato de liquidação impugnado.
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– Uma vez que o dever de fundamentação de ato é uma imposição legal da AT, ao permitir-se a sanação do vício em fase judicial ocorre o esvaziamento do dever constitucional de fundamentação previamente à prática dos atos tributários por parte da AT.
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– Ou seja, estar-se-ia a permitir o cumprimento de deveres do órgão executivo pelo órgão jurisdicional, que procederia à fundamentação e correção do ato tributário, em clara violação do princípio da separação dos poderes.
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– Assim, entende a recorrente que ao fundamentar o ato tributário em termos que não o havia sido pela AT, a douta sentença recorrida violou o princípio da separação de poderes e ultrapassou o dever de pronúncia, ao apreciar para além do peticionado.
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– Ainda que assim não se entenda, entende a recorrente que a douta sentença recorrida padece de errónea apreciação e aplicação das disposições legais face à matéria dada como provada.
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– Com efeito, o facto provado no ponto 19. (mudança de instalações), extraído do depoimento das testemunhas, é o acontecimento que determinou o conhecimento por parte da impugnante, ora recorrente, de que a percentagem de desperdício até aí contabilizada como desperdício ou quebras normais da atividade não correspondia ao desperdício efetivamente verificado com a contagem física realizada no final de 2007, e daí, terem sido contabilizadas quebras anormais.
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– Por outro lado, face ao facto provado no ponto 17., ficou provado que todo o desperdício resultante da atividade foi vendido ao longo dos anos, e, assim sendo, apenas se poderia concluir que ao ter constatado que no final do ano 2007 o desperdício era superior à contagem física teria que ter sido contabilizada a quebra anormal, como custo.
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– Ficou ainda provado que a contabilização de desperdícios da atividade de transformação das chapas de vidro plano é um custo do processo produtivo, logo, enquadrando-se no custo fiscalmente admitido nos termos dos artigos 23º e 42º do CIRC.
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– A douta sentença recorrida faz também uma errónea integração dos factos provados ao disposto no art.º 18º, n.ºs 1 e 2 do CIRC, porque, embora os desperdícios das chapas de vidro sejam um custo inerente e normas da atividade produtiva, o montante de desperdício contabilizado no final de 2007 era manifestamente desconhecido e que apenas foi possível conhecer pela contagem e mudança de mercadoria de instalações.
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– Daí que, não tenha sido violado o princípio da especialização dos exercícios.
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– Relativamente ao custo contabilizado com as mercadorias/inventários de molduras e acessórios, atendendo aos factos provados em 17. (mudança de instalações) e 22. (fim da produção de molduras e acessórios) deveria ter sido considerado como válido o reconhecimento da inutilidade destas mercadorias para a obtenção de rendimentos, e aceite a contabilização efetuada pela impugnante como quebras extraordinárias, por perda definitiva para a atividade desenvolvida.
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– Donde, não se afigura como correta a interpretação da douta sentença recorrida quando entende que a desvalorização das molduras e acessórios deveria ter sido reconhecida como provisão (conta 67 do POC).
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– Por último, e como acima referido, quer a fundamentação apresentada na douta sentença para justificar a correção dos desperdícios das chapas de vidro, quer a fundamentação apresentada para justificar a manutenção da correção quanto às molduras e acessórios apenas foi apresentada à recorrente na sentença, não tendo sido dada oportunidade à impugnante/recorrente de se defender contra estes fundamentos.
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– Pelo que, a douta sentença recorrida violou o princípio do contraditório, por não ter dado à parte a oportunidade de se pronunciar acerca da “correção” da fundamentação da AT com a substituição de fundamentos de facto e de direito invocados no relatório de inspeção.
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– Assim, entende a recorrente que a douta sentença recorrida violou o princípio da separação de poderes e incorreu em excesso de pronúncia, violou o princípio do contraditório e padece de errónea apreciação e aplicação das disposições legais face à matéria dada como provada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser dado provimento ao recurso anulando a douta sentença recorrida e, consequentemente, anulada a liquidação impugnada.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso tendo concluído: Em face do exposto afigura-se-nos que a sentença recorrida fez uma correta apreciação e aplicação do direito à matéria de facto apurada e assente e não padece dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente.
“A sentença recorrida não se substituiu à Administração Tributária na fundamentação do ato tributário, pois ainda que o tribunal “a quo” tenha tido um entendimento diverso sobre a necessidade de comunicação de determinados atos por parte do sujeito passivo, confirmou o juízo da AT sobre a falta de comprovação e esclarecimento da contabilização da discrepância de valores no inventário como “quebra anormal” das existências.
A Recorrente não fez prova de quaisquer elementos que configurem “quebras anormais de existências”, no valor de € 76.682,65 euros, e que foram registadas na conta “6932 – perdas em existências: quebras”, por contrapartida à conta “3861- regularização de existências: matérias-primas, subsidiárias e de consumo”, motivo pelo qual se mostra justificada a recusa da AT na aceitação do referido valor como custo da atividade, nos termos do artigo 23º do CIRC.
Assim sendo, impõe-se a confirmação da sentença e a improcedência do recurso.”.
Cumpre decidir.
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: 1.
A coberto da ordem de serviço n.º OI201100156, de 21 de Janeiro de 2011, dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de um procedimento de inspecção externa relativo ao IRC, do ano de 2007.
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No dia 11 de Julho de 2011, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, elaboraram o relatório final de inspecção tributária, relativo ao procedimento identificado no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(…) (…) II. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva (…) II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL A acção foi direccionada a uma pessoa...
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