Acórdão nº 02887/13.8BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2887/13.2BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 Inconformada com a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2003 com fundamento em caducidade do direito à liquidação, veio a Fazenda Pública interpor recurso para este Supremo Tribunal.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

  1. O presente recurso tem por questão central saber se os encargos financeiros suportados pela A……….., no exercício em causa, na sequência de uma operação de fusão inversa poderiam ou não ser considerados fiscalmente na determinação do lucro tributável daqueles exercícios.

  2. De facto, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, que, nesta matéria, a douta sentença enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que efectuou um errado enquadramento da matéria em questão, na parte em que julgou a impugnação procedente.

  3. Com efeito, e quanto ao ponto da matéria aqui controvertida, a Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto defendeu, por um lado, na sua douta sentença, que “para se obter o desiderato da neutralidade fiscal das operações de fusão de sociedades comerciais, o legislador optou pelo critério ceteris paribus, isto é, de tudo se passar como se a fusão não tivesse ocorrido (prevenindo desse modo também eventuais abusos na operação” (cfr. p. 37 da referida sentença), e que, por outro lado, d) “a admissibilidade da despesa ou gasto deve ser aferida no momento em que foi contraída, isto é, independentemente do momento em que a “obrigação” se vence para efeitos de especialização dos exercícios e do correspectivo apuramento do lucro tributável” (cfr. p. 38).

  4. Argumentando, ainda, que “[a] fusão por incorporação na A………… não poderá, sob pena de subversão dos princípios de neutralidade fiscal das operações de concentração societária, mudar a admissibilidade da relevância como custos dos referidos encargos.(…) Com efeito, e como se explicitou anteriormente, com a operação de fusão a esfera jurídica das sociedades fundidas altera-se, passando a ter contornos distintos mas as relações jurídicas que estas detêm, enquanto feixe de deveres e direitos, permanece inalterado. (...) Desse modo, a sociedade incorporante deverá poder deduzir aos seus proveitos, os custos em que efectivamente incorre e na estrita medida em que estes eram admissíveis antes da fusão ter ocorrido, tudo se passando como se não houvera a fusão”.

  5. E conclui o seu raciocínio, referindo que “[c]onsiderar que, como o objecto da operação se encontra esgotado, os encargos daí decorrentes não são actualmente imprescindíveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto, devendo ser desconsiderados, é o mesmo que considerar que, se uma sociedade alterar o seu ramo de actividade, todos os custos anteriormente incorridos deixam de ser fiscalmente relevantes por não se integrarem no último escopo social”.

  6. Assim, determinou o Tribunal a quo que a operação de fusão (inversa) em causa não viola o disposto no art. 23.º do Código de IRC (CIRC), julgando, em conformidade, a impugnação aqui em questão procedente, com a consequente anulação da fixação da matéria tributável à Impugnante (relativa ao exercício de 2007).

  7. Ora, entende a Fazenda Pública que tal decisão enferma de erro de julgamento, na parte respeitante às correcções à matéria colectável atinentes ao exercício de 2007, por errada consideração ou análise da matéria em questão.

  8. Pese embora o acerto da argumentação, em termos abstractos, o facto é que a mesma falha o alvo no que concerne ao presente processo de impugnação.

  9. Com efeito, não estamos, nos presentes autos, perante uma fusão comum ou directa, como entende a Mma. Juíza na douta apreciação que fez, mas ante uma fusão inversa, o que acarreta uma alteração dos pressupostos e dos efeitos.

  10. Na realidade, no âmbito da presente impugnação, estão em causa os encargos de financiamento contraídos para a aquisição das acções representativas do capital social duma sociedade que incorporou, por fusão, aqueloutra que a detinha e que entretanto se extinguiu, passando os seus accionistas a ser os novos accionistas da sociedade incorporante (beneficiária).

  11. Este tipo específico de fusão, denominada de fusão inversa, é uma operação financeira através da qual os accionistas transferem os encargos incorridos e suportados com a aquisição duma sociedade para ela própria, em vez de serem eles, enquanto titulares das acções representativas do capital social dessa sociedade, e portanto, seus proprietários, a assumir tais encargos.

  12. No entendimento da Impugnante, após a fusão inversa, estes mencionados encargos devem ser considerados para efeitos do apuramento do lucro tributável na esfera da sociedade incorporante (beneficiária); ao invés, a AT advoga, e bem, que tais encargos não podem figurar como componentes negativas do lucro tributável da sociedade beneficiária da fusão, em virtude de não serem indispensáveis para a obtenção de rendimentos tributáveis na esfera desta, nem tão-pouco para a manutenção da sua fonte produtora, que é condição necessária e essencial para efeitos da sua aceitação em sede fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC.

  13. Na verdade, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, as despesas e encargos suportados pela sociedade somente são aceites como custos fiscais na medida em que se mostrem necessários e indispensáveis para a obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação na sua esfera, o) E demonstrando-se que, por inerência, apenas os elementos patrimoniais que reúnem as condições para se qualificarem como elementos do Activo na contabilidade e se encontrem afectos à exploração, são aptos de gerarem rendimentos susceptíveis de tributação na sua esfera, p) Resultará, inevitavelmente, da conjugação das duas condições anteriormente descritas, que as despesas e encargos suportados pela sociedade só poderão aceitar-se para efeitos fiscais quando se comprove a sua ligação a algum desses elementos qualificados como Ativo na contabilidade e afectos à exploração, uma vez que, conforme referido, apenas esses elementos são susceptíveis de gerar proveitos tributados na sua esfera jurídico-tributária.

  14. Ora, no caso em presença, verificamos que os encargos financeiros que antes da realização da fusão inversa eram suportados pela sociedade fundida para aquisição de elementos do seu Activo (as acções representativas do capital social da sociedade beneficiária), não apresentam, após a realização dessa operação, agora na esfera da sociedade beneficiária, a ligação a quaisquer elementos afectos à exploração com a natureza de Activo.

  15. Conclui-se, assim, que tais encargos financeiros não podem ter contribuído – é manifestamente impossível poderem ter contribuído! – para a obtenção de quaisquer proveitos tributáveis na sociedade beneficiária da fusão, não sendo, por isso, elegíveis como componentes negativas do lucro tributável apurado na sua esfera.

  16. De facto, enquanto o interesse da sociedade se concentra no desempenho dos elementos patrimoniais do Activo de que esta é titular, geradores de proveitos e custos na sua esfera económica e fiscal, já o interesse dos sócios/accionistas reside na Situação Líquida (Capital Próprio) da própria sociedade, após cada “performance”, que lhes trará, a eles sócios/accionistas, a remuneração (lucros distribuídos) pelo capital investido (Capital Social), sendo esse interesse tanto maior quanto maior for o valor desse capital de que cada um é titular.

  17. Em face do exposto, não se nos afigura que o interesse da sociedade se confunda com o interesse dos seus sócios/accionistas, porquanto, se a esfera da sociedade é jurídica, económica e fiscalmente autónoma da esfera dos seus sócios/accionistas, os respectivos interesses subjacentes também se hão-de autonomizar, diferenciando-se claramente dos interesses daqueloutros.

  18. Ora, as correcções impugnadas, concretizam-se na esfera da sociedade, pelo que importa aferir, na perspectiva fiscal, quais os elementos susceptíveis de gerarem rendimentos económicos (proveitos/ganhos/réditos) sujeitos a tributação na esfera da sociedade, uma vez que apenas os custos associados a esses rendimentos poderão ser admitidos fiscalmente, nos termos do art. 23.º do CIRC.

  19. Assim, sobrevindo uma operação de fusão de duas sociedades, uma delas extingue-se (sociedade fundida) e é incorporada na outra (sociedade beneficiária), pelo que, de acordo com os princípios conformadores da operação em presença, em resultado da mencionada incorporação, o Activo e o Passivo da sociedade fundida passam para o respectivo Activo e Passivo da sociedade beneficiária, porém, isso não acontece quanto às acções representativas do capital social da sociedade beneficiária que sejam detidas pela sociedade fundida/extinta.

  20. Nesta situação particular, denominada de fusão inversa, essas acções não são coligidas no Activo da sociedade beneficiária porque representam o Capital Social dela própria, devendo, pois, em conformidade com a sua natureza, figurar como elemento do Capital Próprio e não como elemento do Activo.

  21. Efectivamente, tais acções, que antes da fusão pertenciam à sociedade fundida/extinta, são “distribuídas” aos seus anteriores accionistas, os quais, por superveniência da fusão, passam agora a ser os novos accionistas da sociedade beneficiária.

  22. Por via da fusão inversa, as acções que antes pertenciam à sociedade fundida (extinta) e que, por isso, integravam o seu Activo, “deslocam-se” para a titularidade dos seus accionistas (porque os accionistas da sociedade fundida/extinta são agora os accionistas da...

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