Acórdão nº 01514/19.4BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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RELATÓRIO 1.1.
A………………. deduziu, ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o presente recurso judicial contra o despacho do Director de Finanças de Leiria, de 6 de Dezembro de 2019, que fixou os seus rendimentos da categoria G de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com referência ao período de tributação de 2017, no valor de € 136.792,42.
1.2.
Por sentença de 13 de agosto de 2020, o recurso judicial foi julgado integralmente procedente.
1.3.
Inconformada, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira veio recorrer, formulando as seguintes conclusões: «A.
Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 13/08/2020, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que decidiu julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, anulou o acto de fixação da matéria coletável.
B.
A douta Sentença recorrida alicerça a sua fundamentação no facto de que a conta bancária n.º …………….., do Banco I………….., SA atingiu o montante de €241.533,62, dos quais €142.812,85 correspondiam a depósitos à ordem e €101.184,89 correspondiam a depósitos a prazo e que para pagar €135.000,00, a Recorrida utilizou o cheque no valor de €135.000,00, cujos fundos foram extraídos desta conta bancária.
C.
A interpretação que o tribunal faz do ónus probatório em sede de manifestações de fortuna, afasta quer a boa interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice, quer o entendimento jurisprudencial que de forma pacífica, considera que, verificados os pressupostos legais do recurso a métodos indiretos para a determinação da matéria tributável que suporta o ato posto em crise, passa então a recair sobre a Recorrida o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efectuada.
D.
Em causa está a justificação da manifestação de fortuna através de um nexo causal, isto é, uma relação direta da origem/fonte do rendimento em causa à manifestação de fortuna evidenciada.
E.
Entender-se em sentido contrário, aceitando que a origem está demonstrada por terem sido efetuados depósitos pelo cotitular da conta, para a realização da aquisição, é violar frontalmente no n.º 3 art.º 89.º-A da LGT, desvirtuando por completo a ratio legis em termos de ónus de prova ínsita no aludido preceito, sendo manifestamente contrário à doutrina e à jurisprudência.
F.
Em causa está a justificação da manifestação de fortuna através de um nexo causal, isto é, uma relação direta da origem/fonte do rendimento em causa à manifestação de fortuna evidenciada.
G.
Tendo a AT comprovado que: a) Existiu um acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a EUR 100.000,00, evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) Divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou despesa do sujeito passivo no mesmo período de tributação; e c) Que tal divergência não tenha justificação.
H.
Considerou a douta decisão que o facto de uma “parte significativa senão mesmo a totalidade foi dado por B…………….., o qual fez o depósito na referida conta, entre 12 de agosto de 2013 e 02 de março de 2015, no valor de € 212.889,81” é suficiente para concluir pela procedência da pretensão da Recorrida, considerando-se que os rendimentos declarados pela Recorrida em 2017 correspondem, efetivamente, à realidade.
I.
O que salvo o devido respeito, viola claramente as regras do ónus de prova nas manifestações de fortuna, com efeito, é incontornável que a mens legislatori repercutida no n.º 3 do Art.º 89-A da LGT, exige a prova da origem direta entre a afetação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
J.
E se fluxos financeiros daquela conta bancária foram canalizados para a aquisição em 2017, pelo tio e padrinho da Recorrida, esta foi a única beneficiária dos mesmos.
K.
Ficando por esclarecer que não se tratava de um rendimento tributável encoberto, porquanto não se justifica a origem do mesmo, que não se pode bastar com a existência de depósitos feitos por um dos titulares da conta, os quais são posteriormente utilizados para a realização de uma aquisição, que constitui uma demonstração de uma capacidade contributiva, cuja origem, fonte continua desconhecida.
L.
Se a prova da origem dos fundos canalizados para a manifestação de fortuna se pudesse fazer com a existência de contas conjuntas, ficando por esclarecer o início do fluxo financeiro, que não se confunde com o ato de depósito, ou transferência, estaria encontrada uma solução para escamotear a capacidade contributiva do titular da conta que ocuparia a posição de agente passivo, único beneficiário dos incrementos patrimoniais, mas que nunca teria que esclarecer de onde vieram os fundos utilizados, porquanto seria o outro titular que os teria canalizado para a conta da qual acaba por ser o único beneficiário.
M.
Ora, competia à Recorrida demonstrar e provar a fonte, a origem das quantias depositadas na conta bancária e que permitiu a aquisição do imóvel, que constitui a manifestação de fortuna, antes se impondo que demonstrasse os concretos rendimentos que originaram o acréscimo de património e que os mesmos foram afetos à despesa efectuada.
N.
A lei ao dizer que o sujeito passivo tem de provar que “é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciada” pretende que o sujeito passivo indique a “fonte”, o mesmo é dizer, a origem da manifestação de fortuna, como é que ela se materializou, facto que, não se basta com a indicação da sua origem, impondo-se a afirmação do circuito em causa para afastar a afirmação de que tais rendimentos estão sujeitos a tributação.
O.
O que salvo douto entendimento em contrário não acontece no caso sub judice, porquanto ao entender a douta decisão a quo que a Recorrida cumpriu o “seu ónus probatório, de harmonia com o estatuído no art.º 89.º-A n.º 3, da LGT, na medida em que demonstrou que nos anos anteriores ao ano em causa nos presentes autos, o qual corresponde ao ano de 2017, já dispunha de meios suficientes para a aquisição do imóvel e, bem assim que destinou esses meios à concreta aquisição desse imóvel”, não se pode concluir que ficou comprovada a origem daqueles rendimentos e que os mesmos não tinham que ser declarados.
P.
Considerando o Tribunal que a mera prova testemunhal do co-titular da conta (B…………….) que nos autos declarou que o dinheiro que depositou foi dado para que a Recorrida fizesse a aquisição (cfr. facto 70), é suficiente para justificar a origem, viola frontalmente e a interpretação que o regime das manifestações e ónus probatório do regime das manifestações de fortuna exige enquanto instrumento jurídico de luta contra a fraude e evasão fiscal.
Q.
O entendimento pugnado pelo Tribunal a quo do ónus probatório em sede de manifestações de fortuna, é efetuado ao arrepio da boa interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice.
R.
O regime das manifestações de fortuna ao materializarem um método substitutivo, impunha que a Recorrida demonstrasse a origem dos rendimentos que foram utilizados para a realização dos depósitos pelo co-titular da conta, que foram pela Recorrida canalizados para a aquisição efectuada, e que os mesmos não tinham que ser declarados ou que já tinham sido tributados.
S.
Como assinala a melhor doutrina, “a tributação dos rendimentos inferidos das manifestações de fortuna tem como fundamento o dever fundamental de pagar impostos e a necessidade, daí decorrente, de combater a evasão fiscal [que] visa evitar que certo tipo de rendimentos, actuais ou passados, que tenham escapado ao controlo legal, deixem de ser tributados” - nestes termos, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 273.
T.
Ora, e salvo o devido respeito, assentando o entendimento constante na douta sentença, na premissa de que a recorrida justificou totalmente a manifestação de fortuna, porque já dispunha de meios que lhe permitiram fazer a aquisição, não resulta que tenha sido feita a prova da origem dos meios financeiros mobilizados para a aquisição.
U.
Não pode de todo concluir-se que a Recorrida tenha feito a prova de que os meios financeiros mobilizados para a aquisição do imóvel provinha de rendimentos não sujeitos a declaração.
V.
Se assim não fosse, as manifestações de fortuna, enquanto factos indiciadores de fraude ou evasão fiscal perderiam grande parte da sua eficácia, pois, sempre que o contribuinte demonstrasse que no dia 31 do ano anterior à aquisição dispunha de capacidade de realização da despesa, oriunda de depósitos numa conta bancária conjunta, efetuados pelo outro co-titular e se a aquisição ocorresse no dia 01 do ano seguinte, estaria sem mais justificada a origem da aquisição.
W.
O que é absolutamente inadmissível, atendendo ao facto destes procedimentos serem instrumentos de combate à fraude e evasão fiscais, tanto mais que do probatório não resulta, nem poderia resultar, porque essa prova não foi efectuada, que os meios financeiros mobilizados para a aquisição não tiveram origem em rendimentos suscetíveis de tributação.
X.
Não bastava assim à recorrida alegar que dispunha, no ano da aquisição, de meios financeiros suficientes para a mesma e que demonstre a mobilização desses meios, sendo imperativo legal que demonstre qual a fonte da manifestação da despesa efectuada, provando que não teve esta despesa origem em rendimentos não sujeitos a tributação, e é manifesto que não foi efectuada a prova da origem do valor mobilizado para a aquisição do imóvel.
Y.
A exigência probatória do n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, deve ser interpretada no sentido de que a recorrida, para afastar a aplicabilidade da avaliação indireta do rendimento, cabia, não só demonstrar, como demonstrou, a mobilização dos recursos...
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