Acórdão nº 0525/12.5BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;# I.

A………….. e B………….., com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, em 29 de dezembro de 2018, que julgou improcedente impugnação judicial, apresentada contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao ano de 2010, no montante de € 17.657,03.

Os recorrentes (rtes) formalizaram alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: « 1. O presente recurso incide sobre os pressupostos de Direito quanto à dedução à colecta do donativo em espécie, efectuado pelos recorrentes, uma vez que, entendem os mesmos que houve erro na interpretação da lei - Decreto-Lei n° 215/89, de 1 de Julho - Estatuto dos Benefícios Fiscais e respectivas alterações, nos seus artigos 61° e 63°, bem como violação do artigo 9° do Código Civil.

  1. O recorrente devidamente autorizado pela recorrente mulher doou à Santa Casa da Misericórdia de ………, através de escritura pública de compra e venda e doação do prédio urbano, metade indivisa do prédio urbano composto por terreno situado dentro do aglomerado urbano onde não é permitido construir e sem afectação agrícola, situado na freguesia e concelho de Arganil, inscrito na respectiva matriz, no seu todo, sob o artigo ………., no valor atribuído de CENTO E DEZ MIL EUROS que a donatária aceitou.

  2. Em 14.11.2011 os ora Impugnantes entregaram junto da Administração Tributária Declaração de IRS referente aos rendimentos de 2010, com o Anexos H entre outros, declarando no campo 7, referente às deduções à colecta, um donativo em espécie à Santa Casa da Misericórdia de …………..

  3. Todavia, a Administração Fiscal não considerou o donativo em espécie efectuado pelos recorrentes para efeitos de dedução à sua colecta, tendo os mesmos apresentado reclamação graciosa da referida liquidação, que por sua vez foi indeferida.

  4. E na mesma senda, a douta sentença recorrida nega o direito aos recorrentes de deduzir à colecta de IRS dos seus rendimentos de 2010 o aludido donativo, constituído por metade de um prédio urbano, no valor declarado de 110.000€ (cento e dez mil euros), que aqueles realizaram a favor da Santa Casa da Misericórdia de ………… 6. O mesmo veredicto reconhece que a Santa Casa da Misericórdia de ……., embora sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social “não deixa de ser uma instituição religiosa ou, no limite, uma pessoa colectiva de fins lucrativos pertencente a uma confissão religiosa, mormente católica, possuindo personalidade jurídica canónica e estando sujeita ao Direito canónico, mormente, entre outros, ao regime especial previsto no Decreto Geral para as Misericórdias de 23.04.2009, promulgado pela Conferência Episcopal Portuguesa.” 7. O referido artigo 63° diz respeito e regula o regime de deduções que possam emergir dos donativos.

  5. Para se aplicar este dispositivo do artigo 63° do EBF, tem de se analisar previamente todo o conteúdo do artigo 61° do mesmo diploma legal, que contém o conceito legal de donativo a submeter ao regime de benefício fiscal e que claramente esclarece que os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie 9. A sentença recorrida, entende, que o donativo em causa, que é em espécie, efectuado pelos recorrentes, não pode beneficiá-los em termos de poder ser deduzido à sua colecta, porquanto, segundo defende, este donativo não está abrangido pelo regime dos benefícios previstos no n° 2 do referido artigo 63°.

  6. É um princípio basilar do nosso ordenamento jurídico que todos os impostos têm de estar tipificados na lei, bem como os benefícios que, também estão previstos, neste caso, em lei especial - EBF.

  7. A lei prevê que a alienação a título gratuito a favor da Santa Casa da Misericórdia de ……….., entidade também prevista no referido n° 2 do artigo 63°, de acordo até com o reconhecimento na douta sentença (cfr. Pág. 16 e 17), possa constituir um benefício e consequentemente ser tal doação dedutível à colecta dos recorrentes.

  8. O aludido artigo 63° deste Estatuto dedica dois números aos donativos para prever a dedução dos mesmos, sendo que o n° 1 estabelece em que termos os donativos em dinheiro são dedutíveis e o n° 2 não caracteriza os donativos quanto à sua natureza, isto é, se em espécie ou em dinheiro, para estabelecer a percentagem, considerada dedutível à colecta.

  9. Na previsão do n° 2, do artigo 63° do EBF, o benefício é reconhecido em função da entidade a quem o donativo é concedido, não sendo relevante se é feito em espécie ou dinheiro, até porque nos termos do artigo do artigo 61°, a noção de donativo abrange o que é realizado em dinheiro ou espécie.

  10. Se o legislador quisesse ter distinguido o benefício referido no n° 2, do artigo 63° do EBF, como sendo apenas de natureza pecuniária, teria de alguma forma feito constar tal distinção.

  11. O legislador quis ser muito mais abrangente na natureza dos donativos a favor destas entidades.

  12. O artigo 10° do EBF dispõe que “As normas que estabeleçam benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

  13. Além de interpretação extensiva, é absolutamente necessário fazer-se uma interpretação sistemática da lei neste caso, do Estatuto dos Benefícios Ficais.

  14. Mas o tribunal a quo não fez essa interpretação sistemática, em relação a esse Estatuto na parte aplicável à situação concreta, apesar de invocar na sentença recorrida a regra geral vertida no artigo 9° do Código Civil.

  15. O Tribunal a quo ao não observar o artigo 9° do Código Civil, nega o direito que assiste aos recorrentes de ver dedutível à sua colecta o donativo efectuado, em virtude do erro na interpretação da norma jurídica.

  16. A noção legal de donativo que constitui entregas em dinheiro ou espécie, apenas se confina ou limita a entrega de uma natureza ou de outra, quando especialmente prevista.

  17. Quando é referido “donativo” sem se mencionar qual o tipo, o conceito está a abranger as entregas de ambas as naturezas previstas no artigo 61° do EBF. Se não, o legislador não teria feito uma definição prévia neste artigo que antecede as previsões legais do artigo 63° do mesmo diploma.

  18. Se assim não fosse, se o regime estatuído no n° 2 do artigo 63° apenas se limitasse aos donativos de uma natureza, fosse ela qual fosse, o legislador tê-la-ia distinguido como o faz no n° 1.

  19. Não vislumbra pela interpretação literal do texto, que o legislador se esteja a referir nesse n° 2 a donativos exclusivamente da mesma natureza dos previstos no n° 1.

  20. Uma vez que o n° 2 desse artigo só refere a palavra donativos, não especificando o seu tipo, alarga claramente a possibilidade de dedução a todos os donativos quer em dinheiro, quer em espécie, desde que realizados a favor das entidades ali previstas.

  21. O legislador quis valorizar os actos dispositivos a favor de entidades que desenvolvem um fim social absolutamente necessário às pessoas e à comunidade, quer seja em dinheiro, quer seja em património ou qualquer outro bem.

  22. Até pela valorização que o legislador dá a estes actos, atribuindo o benefício fiscal ali previsto, não faria qualquer sentido que os recorrentes tivessem de proceder à venda de metade do prédio à Santa Casa da Misericórdia de ………. e depois entregassem à mesma instituição como donativo o preço dessa venda, para poderem beneficiar da dedução, como a douta sentença chega a mencionar (Cfr. Pág. 16 e 17 da sentença recorrida).

  23. Essa hipótese seria simular um negócio para na realidade efectuar um outro, e o preço da venda andaria a circular para voltar à sua origem, o que nos parece não fazer qualquer sentido nem ter qualquer tutela legal.

  24. As partes outorgaram uma escritura pública na qual foram claras a manifestar a sua vontade, ou seja, no caso dos vendedores/doadores, seria vender metade de um prédio e doar a outra metade, e no caso da compradora/donatária, seria adquirir a metade do prédio e receber em doação a outra metade do prédio objeto do negócio jurídico.

  25. Não se compreenderia, nem se pode aceitar, que os recorrentes façam um donativo a uma instituição, com o cariz, atribuições e finalidades que tem uma IPSS como as Santas Casas da Misericórdia do país, e os autores de tais donativos não beneficiassem fiscalmente apenas porque o seu donativo não é feito em dinheiro.

  26. Pela natureza destas instituições e pelos fins que cumprem, e muitas vezes com a dificuldade enorme com que se deparam para cumprir esses fins pela falta de apoios e de meios, estamos convictos que o legislador não iria valorizar os donativos em dinheiro em detrimento dos donativos em espécie.

  27. Se a intenção do legislador fosse apenas valorizar os donativos em dinheiro na previsão legal do n° 2 do artigo 63°, e em relação a todas as pessoas singulares ou colectivas, cair-se-ia no estatuído no n° 1, criando apenas mais uma alínea para a especificidade prevista no n° 2.

  28. Não foi de forma distraída que o legislador criou um n° 2 para esse artigo.

  29. O tribunal a quo invoca o facto de não estar estatuído o valor a considerar do donativo em espécie para efeitos de dedução à colecta, para concluir que o legislador não quis contemplar esta situação com o benefício que os recorrentes entendem que lhes deve ser reconhecido.

  30. Esta invocação não faz sentido, porquanto, a própria administração fiscal atribuiu um valor para a outra metade do prédio não doada para efeitos de Mais-Valias.

  31. A administração Fiscal não deve utilizar o critério do valor declarado pelos vendedores e compradora, para tributar o contribuinte alienante em Mais-Valias em sede de IRS (já que este foi manifestamente superior ao valor patrimonial do prédio em questão, atribuído pela AT), e depois não aceitar utilizar o mesmo critério, para fixação do valor da metade doada, para efeitos de benefício fiscal.

  32. A lógica de que não existe um valor pelo qual a Administração Fiscal se oriente para aplicar o...

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