Acórdão nº 09262/16.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………….., S.A., pessoa colectiva n.º…….., com sede na ……. – ………, 6200-…. Covilhã, na qualidade de parte vencida no processo de impugnação de Decisão Arbitral n.º 9262/16.0BCLSB e nele melhor identificada (doravante “Recorrente”), vem, ao abrigo das Leis n.ºs 1-A/2020, de 19 de Março, 4-A/2020, de 6 de Abril, e 16/2020, de 29 de Maio, e nos termos dos artigos 144.º e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), interpor recurso de revista, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (doravante “Douto Tribunal a quo”) a 21 de Maio de 2020 e notificado à Recorrente a 25 de Maio de 2020, que julgou improcedente o pedido de impugnação de decisão arbitral apresentado a 29 de Dezembro de 2015, a processar como agravo em processo civil nos termos do disposto no artigo 140.º do CPTA, para o Supremo Tribunal Administrativo (doravante “Douto Tribunal ad quem”), em conformidade com o disposto nos artigos 141.º e seguintes do CPTA.

Alegou, tendo concluído: A) A questão decidenda do presente recurso consiste em determinar se um advogado que, em representação do Governo português, teve intervenção como Agente no Tribunal de Justiça da União Europeia em processos de matéria fiscal nos dois anos anteriores à sua nomeação como Árbitro num processo de arbitragem tributária se encontra impedido de exercer essas funções, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, tendo o Douto Tribunal a quo considerado não existir qualquer impedimento nessa circunstância; B) É entendimento da Recorrente que o Ex.mo Senhor Dr. B………. se encontra impedido de exercer as funções de Árbitro no processo de arbitragem tributária n.º 377/2014-T, na medida em que, até ao fim do ano de 2013, manteve com a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças um contrato de avença para prestação de serviços de apoio técnico em matéria tributária, tendo, no âmbito desse contrato e na sua condição de advogado, representado, na qualidade de Agente, o Governo português em processos de pré-contencioso e de contencioso de natureza tributária junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, motivo pelo qual a Decisão Arbitral em causa nos presentes autos foi proferida por um tribunal cuja constituição se encontra ferida de ilegalidade por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT; C) As relações profissionais expressamente elencadas no artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, mantidas nos dois anos anteriores à indicação como Árbitro com a Administração Tributária, com o sujeito passivo ou, em geral, com qualquer entidade que tenha interesse no litígio submetido à apreciação do Tribunal Arbitral, impedem o exercício das funções de Árbitro; D) Como assinalado pela Ex.ma Senhora Juíza Desembargadora CRISTINA FLORA em sede de voto de vencido lavrado no Acórdão Recorrido, «a intervenção do Sr. Dr. B……………. em representação do Governo nos processos junto do TJ não lhe conferiu o estatuto de agente da AT, nem como mandatário da Autoridade Tributária, nem como agente desta», com base no que entendeu que «o Exmo. árbitro Dr.B…………., interveniente na decisão arbitral não está abrangido por qualquer impedimento do exercício da função»; E) O regime de impedimentos é um pilar fundamental da arbitragem tributária, garantindo que no processo arbitral tributário os Árbitros exercem as respectivas funções em condições de imparcialidade, independência e isenção, não tendo a posição afirmada no Acórdão Recorrido tido em devida consideração a estrutura orgânica e atribuições do Governo português, do Ministério das Finanças e dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, os quais prosseguem os interesses do Estado em matérias relacionadas com a administração dos impostos e direitos aduaneiros; F) Ao contrário do que sustenta o Acórdão Recorrido, o Governo português, através do respectivo Ministério das Finanças, é o titular do interesse na manutenção na ordem jurídica dos actos tributários contestados em sede de arbitragem tributária, o qual é afectado pelas pronúncias arbitrais em matéria tributária; G) Por esse motivo, como também afirmado pela Senhora Juíza Desembargadora CRISTINA FLORA no seu voto de vencido, «a pessoa em causa nos autos, ao ter representado o Estado Português em matérias fiscais junto do TJ defendeu os interesses do Estado-administração e, portanto, materialmente defendeu interesses da Administração Tributária, atuando na qualidade de “agente da administração tributária»; H) Contrariamente ao afirmado no Acórdão Recorrido, a Decisão Arbitral em crise foi proferida por um Tribunal Arbitral cuja constituição se encontra ferida de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, devendo em consequência ser anulada ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, por se tratar de uma pronúncia arbitral indevida; I) Esta conclusão é a única que permite compatibilizar o regime do artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, com os princípios da igualdade de armas processuais, da independência e imparcialidade dos tribunais e respectivos Árbitros, da separação de poderes e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 203.º e 268.º, n.º 4, da CRP; J) O direito fundamental a um tribunal independente e imparcial decorre directa e imediatamente do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, sendo que os tribunais arbitrais tributários que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa exercem funções de natureza jurisdicional; K) Por isso, os tribunais arbitrais tributários e os Árbitros que os compõem têm de actuar em conformidade com os princípios da igualdade de armas processuais, da independência e imparcialidade, da separação de poderes e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 13.º, 20.º, n.º 4, 203.º e 268.º, n.º 4, da CRP; L) Em face do exposto, o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em concretização da garantia de tutela jurisdicional efectiva e da imposição constitucional de imparcialidade e independência dos tribunais arbitrais e dos Árbitros que os compõem, impede que exerça funções de Árbitro o advogado que, em representação do Governo português, tenha tido intervenção como Agente no Tribunal de Justiça da União Europeia em processos de matéria fiscal nos dois anos anteriores à sua nomeação como Árbitro num processo de arbitragem tributária; M) Caso assim se não entenda, o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, é inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, da independência e imparcialidade dos tribunais arbitrais e dos respectivos Árbitros, decorrentes dos artigos 20.º, n.º 4, 203.º e 268.º, n.º 4, da CRP, na interpretação normativa de que permite o exercício das funções de Árbitro em processo de arbitragem tributária a quem tiver representado o Governo, como mandatário, junto do Tribunal de Justiça, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado com o Ministério das Finanças, nos dois anos anteriores à respectiva nomeação; N) Por outro lado, tendo em consideração o princípio da igualdade de armas e o facto de o legislador ter vedado a possibilidade de assumir funções como Árbitro o «mandatário […] ou consultor do sujeito passivo que seja parte no processo, tal como esta é definida no Código das Sociedades Comerciais», será também inadmissível alguém desempenhar as funções de Árbitro tributário caso tenha tido nos dois anos anteriores intervenção como Agente no Tribunal de Justiça da União Europeia em processos de matéria fiscal, sob pena de o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, ser inconstitucional, na interpretação normativa de que permite semelhante tratamento diferenciado das partes processuais; O) A este respeito, importa também ter presente que o referido artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, deve ter a mesma interpretação e aplicação quer o litígio em causa envolva a discussão de Direito da União Europeia, quer envolva meramente a discussão de direito nacional, não sendo admissível uma interpretação do artigo 8.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que conduza a um crivo mais exigente no que respeita aos impedimentos dos Árbitros quando está em causa no litígio matéria de Direito da União Europeia e a um crivo menos exigente quando esteja em causa meramente matéria de direito nacional, o que convoca muito claramente uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia em matéria de independência e imparcialidade dos tribunais tendo além do mais essa jurisprudência já incidido especificamente sobre os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD; P) O princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos conferidos aos interessados pelo direito da...

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