Acórdão nº 03317/19.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório Clube (...), com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Município de (...), tendente, em síntese, à suspensão da eficácia do despacho de 22/11/2019 da Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos da Câmara Municipal do Porto, que emitiu o Alvará de licenciamento de obras de alteração no prédio sito na Praça (...), e na Rua do (...), n.ºs 3 e 5, permitindo a demolição de uma parede-mestra que separa dois edifícios antigos, inconformado com a decisão proferida no TAF do Porto que em 14 de julho de 2020 indeferiu o requerimento cautelar, não adotando as providências requeridas, veio em 31 de julho de 2020 recorrer da decisão proferida, concluindo: “

  1. A decisão do tribunal a quo, cujos fundamentos sinteticamente vêm de se expor, encerra em erro de julgamento, por um lado, sobre a matéria de facto considerada assente, e, por outro, de direito, violando o disposto nos artigos 129.º, 112º e 120.º, todos do CPTA.

Relativamente à matéria de facto, b) o Tribunal a quo não considerou determinados factos e desconsiderou outros, todos com especial relevo para uma justa decisão final, b.1) destaca-se o facto de as obras terem sido executadas em momento anterior ao ato de licenciamento e respetiva emissão de alvará, ademais quando o Requerente, aqui Recorrente, como proprietário, não foi sequer notificado daquele licenciamento, ao contrário do subentendido no facto n.º 7 dado como assente; b.2) pois que, foi alegado no artigo 12.º do requerimento inicial [que não foi impugnado nem refutado nas oposições do Requerido e Contrainteressados] que no decurso do mês de Agosto de 2019, constatou que a Contrainteressada empresa (…) demoliu a parede que separa o prédio (….) e decorre do documento n.º 1 que as obras foram licenciadas e tituladas pelo respetivo alvará posteriormente, isto é, apenas em 22/Novembro/2019, b.3) assim sendo manifesto que as obras objeto do ato suspendendo já se encontravam executadas antes de 22/11/2019, isto é, antes do seu licenciamento e da emissão do respetivo alvará, devendo, neste sentido, ser o sobredito n.º 7 da matéria de facto dado como assente pelo Tribunal a quo alterado, o que se requer.

No que ao erro de julgamento de direito concerne, c) não há dúvidas que, conforme foi peticionado e interpretado pelo Requerido e Contrainteressados, o ato cujos efeitos se pretende suspender consubstancia-se no licenciamento das obras em apreço, titulado pelo respetivo alvará, ambos de 22/11/2019 e apenas do conhecimento do Requerente, aqui Recorrente, após solicitação deste para o efeito [cfr. documento n.º 1 junto com requerimento inicial, bem como artigos 53.º, 57.º, 59.º, 60.º, 73.º e ainda pedido, todos daquele articulado inicial].

d) Requereu-se, com a presente providência e em primeira linha, a suspensão dos efeitos daquele licenciamento de obra, titulado pelo respetivo alvará, sendo que, uma vez que as obras já se encontravam executadas, sempre seria aplicável ao caso sub judice o artigo 129.º do CPTA, designadamente a abstenção de comportamentos/atos derivados e em consequência do sobredito licenciamento de obras [de que se destacou a autorização de utilização e emissão do respetivo alvará], e) e, subsidiariamente, agora com fundamento no artigo 112.º, n.º 2, al. i), do CPTA, precisamente tal: abstenção de comportamentos/atos derivados e em consequência do sobredito licenciamento de obras [de que se destacou a autorização de utilização e emissão do respetivo alvará].

No que toca à suspensão do licenciamento de obras, titulado pelo respetivo alvará, f) importa esclarecer que, com o devido respeito, o Tribunal a quo, ao considerar que o ato em causa – de licenciamento de obras e respetiva emissão do alvará – teria esgotado os seus efeitos com a sua própria prolação e ainda que o artigo 129.º do CPTA não se aplicaria in casu, interpretou e subsumiu de uma forma inadequada os factos e o direito aplicável, porquanto, conforme se deixou referido, as obras foram realizadas de forma ilegal, antes do licenciamento e emissão da respetiva e obrigatória licença de obras [facto que sempre deveria ter ficado assente], f.1) sendo que, se o entendimento daquele estivesse correto, tal redundaria na absoluta impossibilidade do Recorrente solicitar em juízo de forma atempada o meio cautelar necessário para obstar à concretização das mesmas, violando desse modo, inclusive, entre outros, o princípio da tutela jurisdicional efetiva [compensando assim a ilegalidade… de facto, para fugir ao controlo dos Tribunais, bastaria iniciar, executar e finalizar as obras antes do licenciamento e/ou da sua impugnação contenciosa]; f.2) Não é, pois, a suspensão das obras – já executadas – que se pretende com a providência cautelar requerida, outrossim a suspensão da eficácia do ato administrativo que as autorizou, f.3) E o artigo 129.º do CPTA visa acautelar precisamente as situações em que o ato já está executado, mas em que a suspensão dos seus efeitos é ainda útil, como é aqui o caso, uma vez que aquele ato não esgotou todos os seus efeitos com a sua própria prolação [desde logo, a autorização de utilização do espaço, pois, conquanto se tratem de atos distintos, aquela utilização jamais poderia ser emitida se o primeiro – licenciamento de obras e respetivo alvará – não o houvesse sido].

f.4) O artigo 62.º do RJUE no seu n.º 1, clarifica que a autorização de utilização depende da conformidade da obra com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, pelo que fica evidente que um ato é decorrência e consequência do outro – atos conexos –, na medida em que se o ato de licenciamento é ilegal, não pode ser emitida a autorização para utilização do espaço objeto daquele licenciamento.

g) Por sua vez, ao contrário do entendimento propalado na sentença ora em crise, não era exigível ao Recorrente que imputasse concretas causas de ilegalidade ao futuro ato de autorização de utilização e respetivo alvará [que, ao que se sabe, nem sequer existe], porquanto não se tratava de impugnar este ato, mas sim de suspender um ato prévio, que dele depende e se conexa, assim bastando imputar vícios a este e lograr demonstrar a probabilidade de a pretensão formulada na ação principal vir a ser julgada procedente (fumus boni iuris), o que, com o devido respeito, se crê que fez.

h) Desde logo, porque a contrainteressada era parte ilegítima (como requerente) no procedimento de licenciamento de obras, uma vez que é arrendatária, não tendo o proprietário dos prédios em causa e senhorio dado qualquer autorização para a realização daquelas, autorização essa que, por um lado, era exigível por força do disposto no contrato de arrendamento, e, por outro, mesmo que se entendesse o n.º 5 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento incluiria essa autorização, a mesma sempre estaria condicionada a um juízo prévio e exclusivo da proprietário [aqui Recorrente, e jamais do Requerido ou de terceiro] sobre se tais obras afetam a linha arquitetónica e a estrutura do prédio.

h.1) E, note-se, tal invocação que, conforme tese do Município e contrainteressados, e que aqui como mera hipótese se coloca, excecionaria uma alegada autorização, consubstancia-se, pois num direito intrínseco somente à Requerente, como proprietária do locado, h.2) imiscuindo-se aquele Município ilegitimamente na esfera [eminentemente privada] da Requerente, substituindo-a numa verificação de direito exclusivo desta, conferido, aliás, por um contrato de arrendamento de natureza totalmente particular e privada, ademais, decidindo como decidiu, permitiu a união de dois prédios distintos, com artigos prediais e matriciais diferentes e entradas diferentes, mesmo sabendo que o Recorrente se opunha veementemente à realização de tais obras. Sem prescindir, i) O Recorrente, na qualidade de proprietário e, como tal, titular do direito subjetivo e interesse legalmente protegido no procedimento de licenciamento que culminou com a emissão da licença de obras, deveria ter sido ouvido antes de tomada a decisão final no procedimento, o que não aconteceu, ferindo, uma vez mais, o procedimento de invalidade por violação ao artigo 121.º do CPA. Ainda sem prescindir, j) O ato suspendendo incorreu em erro nos pressupostos de facto e omissão na análise por parte da Recorrida, uma vez que a parede demolida é essencial para a estrutura do edifício e para a sua segurança e estabilidade e a sua destruição afeta gravemente a configuração e autonomia dos dois espaços [cfr. Relatório Técnico junto aos autos pelo Recorrente com o requerimento inicial, sob o documento n.º 12, e ainda n.º 4 da matéria de facto dada como assente], onde se atesta que a execução das obras em apreço coloca em causa a própria segurança do edifício, uma vez que afeta a sua segurança estrutural].

Com efeito, k) todos os vícios imputados ao ato suspendendo determinam a mais do que provável invalidade de todo o procedimento, pelo que não poderia o tribunal a quo ter deixado de considerar que está integralmente verificado o requisito do “fumus boni iuris”.

Por sua vez, mas em total sentido convergente, l) O Recorrente alegou e provou os factos tendentes a preencher o segundo critério que determina o decretamento da providência requerida e elencados no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, isto é a existência de “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (periculum in mora).

l.1) É que, não obstante a obra se encontrar já concluída, o risco de produção de prejuízos de difícil reparação era e continua ainda a ser bem real e atual, continuando a advir consequências económicas graves para o Recorrente pelo facto de este se encontrar impedido de retirar o rendimento máximo das salas do clube que se encontram por cima da...

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