Acórdão nº 02997/19.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução16 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I- Relatório H., Lda., devidamente identificado nos autos, veio junto do TAF do Porto intentar recurso da decisão da fixação da coima de 17 de setembro de 2019 proferida nos autos de contraordenação n.º 1-261-2019, do Município de (...), que lhe aplicou a coima de 1.650€, pela prática da contraordenações prevista e punível pelos artigos 4.º, n.º 2 e 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 - RJUE, tendo o referido Tribunal julgado procedente o referido recurso de contraordenação, mais tendo absolvido a Recorrente da infração de que vinha acusada.

O Ministério Público veio em 15 de junho de 2020 apresentar Recurso da referida decisão, cujas conclusões delimitam o objeto do recurso, nas quais se referiu: “1 – O MP na acusação em que apresentou os autos contraordenacionais ao juiz, referiu nada ter a opor que a decisão fosse produzida por mero despacho nos termos do artº 64º, nºs 1 e 2, do RJUE, bem como indicou como prova documental nomeadamente o referido processo contraordenacional e como prova testemunhal uma agente fiscalizadora da Divisão Municipal de Comunicações Prévias e Inspeções da Câmara Municipal de (...) (CMP) que, atento o teor do referido Processo contraordenacional, efetuou a inspeção ao local onde decorria a obra da arguida a 28.01.2019; 2 - De acordo com o referido Processo (administrativo) contraordenacional os Serviços da CMP: a) entendem que as alterações ao projeto aprovado e licenciado foram verificadas nas inspeções ao local ocorridas nos dias 11.12.2018, 16.01.2019, 28.01.2019 e 14.02.2019; e b) informaram que o edifício era estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira (conforme fotografias obtidas no local a 16.01.2019); 3- Na douta sentença recorrida, considerou-se como não provada a seguinte factualidade: «a) Que o prédio referido em 8) fosse estruturalmente constituído por paredes exteriores em alvenaria de granito e no interior por vigas de madeira; b) Que os pilares suportam as vigas em betão armado, que por sua vez sustentam o peso das lajes em madeira e em betão armado executadas, ou seja, têm função estrutural; c) Que na parede de alvenaria foi colocada uma cantoneira metálica que suporta o peso da laje de madeira; d) A situação económica da arguida.»; 4 - Como motivação para a decisão constante do item anterior referiu-se na douta sentença recorrida que: «A convicção que permitiu dar como provados e não provados os factos acima descritos assentou na análise do teor do processo administrativo constante dos autos, de acordo com o indicado em cada um dos números e alíneas. Os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo sobre os mesmos. Com efeito, das fotografias em inspeções efetuadas em 2019 (já no decurso das obras) – cf. auto de notícia/facto provado n.º 1 -, não se podem retirar as características físicas do edifício anteriormente à realização das obras, além de que inexiste documento válido certificador de tais características nos autos.»; 5 - Dos quatro factos considerados não provados na douta sentença recorrida apenas o facto «situação económica da arguida» havia sido considerado não provado na decisão condenatória proferida pela entidade administrativa objeto de impugnação judicial; 6 - Atento o disposto no artº 64º, nº 2, do RGCO, para a decisão ter lugar mediante despacho, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo ser necessária a conjugação dos fatores aí elencados, exigindo-se assim cumulativamente que: o juiz considere desnecessária a realização da audiência de julgamento e que o arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho; 7 – É entendimento aceite para o juiz não considerar necessária a audiência de julgamento» que a decisão final não dependa da produção de prova, designadamente quando o objeto do recurso é uma questão de direito, quando o objeto for de facto mas dos autos constam já todos os elementos necessários para que seja proferida a decisão ou quando for de julgar procedente alguma exceção, dilatória ou perentória; 8 – Assim, mostra-se necessário para a decisão do recurso da entidade administrativa se poder efetuar através de despacho que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova em sede de audiência de julgamento, pelo que apenas quando sejam considerados adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa do processo contraordenacional não existam outras provas a produzir é que se deverá decidir através de despacho; 9 - Se a Mmª Juiz «a quo» considerava que os factos recolhidos pela entidade administrativa não iam ser por si aceites, como o não foram na douta sentença por, atentas as regras de apreciação da prova, os não considerar provados, não poderia decidir por despacho como decidiu; 10 - Teria, assim, que se proceder a audiência de julgamento a fim de inquirir as testemunhas indicadas e até solicitar à entidade administrativa documentos não integrantes do processo contraordenacional mas neste aludidos e/ou considerados; 11- Aliás, em processo contraordenacional, como em processo penal, vigoram os princípios da oficialidade e da investigação da verdade material, nos termos dos quais compete ao julgador indagar e esclarecer mesmo para além do material que lhe é trazido pelas partes com vista a alcançar uma decisão justa (v. artº 340º, nºs 1 e 2, do CPP e artº 72º do RGCO).

12 - Por isso, a decisão recorrida afrontou ainda o princípio de confiança de que a Mmª Juiz apenas decidiria por despacho, se considerasse adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa ou de que cumpriria o exigido pelos princípios da oficialidade e da investigação da verdade material; 13 – Foi assim preterida a realização da audiência de julgamento, por, dadas as circunstâncias, se mostrar ou se ter tornado obrigatória, verificando-se, assim, omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade; 14 – Nesta conformidade, verifica-se a existência de nulidade processual, enquadrável na al. d), do n.º 2, do arº 120º do CPP, que ora, atempadamente, se suscita (v. artºs 105º, nº1, e 410.º, nº 3, do CPP e 73.º, n.º 1, al. e) do RGCO).

15 – Sucede também que a douta sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artº 379º, nº1, al. a) do CPP, pois: a) No que respeita à indicação das provas, expende-se na douta sentença, por um lado, que os factos não provados resultam de inexistência e/ou insuficiência de prova no processo administrativo(contraordenacional) atenta a análise (da totalidade) do seu teor, mas reduzindo, em suma, os elementos probatórios de (cópia de) o processo contraordenacional às (cópias a «preto e branco» das) fotografias que aí constam; b Na fundamentação da douta sentença recorrida a Mmª Juiz «a quo» limitou-se a considerar não provadas as características do edifício antes das obra por essas caraterísticas não resultarem (da cópia) das fotografias que foram obtidas aquando das inspeções e por inexistir documento válido certificador das mesmas, pelo que olvida e omite o que havia sido constatado pelos técnicos se que dirigiram ao edifício e ficou plasmado em informação técnica ou similar ; c) Do teor (da cópia) dessas fotografias ou doutros elementos probatórios não se extrai que os serviços técnicos não tivessem constatado o que por escrito foi referido que verificaram; d) Não se alcança como apenas (da cópia) de tais fotografias (digitalizadas), a Mmª Juiz do Tribunal «a quo» logrou obter a conclusão que obteve relativamente aos três primeiros itens da factualidade não provada quando é certo que a arguida veio sequentemente a requerer o licenciamento de obra de alteração da compartimentação interior, estrutura resistente e o uso de habitação mais comércio/serviços só para habitação e que a prova em tribunal das caraterísticas físicas do edifício antes ou durante as obra, não necessita no âmbito do presente processo contraordenacional, de ser efetuada por prova documental, nada impedindo, em todo o caso, a MMª Juiz do tribunal «a quo» de relevar outros meios de prova, como a prova testemunhal e até pericial, para além de mais prova documental (como a referida nos autos de contraordenação mas não constante do mesmo); e) A indicação das provas na formação da convicção do Tribunal «a quo», relativamente aos factos dados como não provados não resultou da análise crítica da conjugação da apreciação de todos os documentos juntos aos autos, mas de tais fotografias (ou melhor, de apenas cópias das fotografias), sem especificar sequer a ou as que relevaram para cada um dos factos não provados; f) Não se sabe, por tal não resulta da douta sentença recorrida, qual o critério ou razões que levaram o Tribunal «a quo» apenas a dar relevância que foi dada a tais cópias de fotografias para considerar não provada os três primeiros itens da factualidade não provada, em detrimento do mais constante nesses autos contraordenacionais; f) Verifica-se, assim, que o Tribunal «a quo» não indicou de forma plena ou completa as provas que serviram para formar a sua convicção (pois, em suma, reduziu a cópia do processo contraordenacional a cópia das fotografias do mesmo constantes), existindo ainda falta do exame crítico das provas; 16 – Em todo o caso, a falta de indagação dos factos, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo sempre constituirá o vício plasmado no artº 410º, nº2, al. a), do CPP; 17 – Foi, assim, violado o disposto nos art.º 64º, nº2 , 1ª parte, do RGCO , 340º e 374º, nº2, do CPP e 205º da CRP; 18 - Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que designe data para a realização do julgamento, com todas as devidas e legais consequências.

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