Acórdão nº 00341/19.3BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2020

Data02 Outubro 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: V., Lda.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 04.06.2020 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel pela qua foi indeferida a providência cautelar apresentada pela ora Recorrente contra o Município de (...) - e em que foram indicados como Contrainteressados J. e outros - para suspensão da eficácia do despacho de 28.03.2019 que determinou a desocupação, no prazo de 10 dias, das instalações sitas no Lugar de (...), pertença da Requerente, ora Recorrente, por falta de licença de utilização e do despacho de 29.03.2019 que determinou que, no prazo de 8 dias, a Requerente procedesse à remoção do estrume que se encontra a céu aberto proveniente de animais existente no mesmo local.

Invocou para tanto e em síntese que, ao contrário do decidido se verificam todos os requisitos para o decretamento da providência.

Tanto o Município recorrido como os Contrainteressados contra-alegaram defendendo o acerto da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido também de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª - Por carta datada de 28 de Março de 2019, o requerido, Município do (...), na pessoa do seu Ex.mo Vice Presidente da Câmara Municipal, agindo a coberto de poderes delegados da Ex.ma Senhora Presidente, ordenou à requerente, ora recorrente, que, por falta de alvará de autorização de utilização, desocupasse, no prazo de 10 dias, o edifício no qual tem albergadas milhares de cabeças de gado e demais equipamentos utilizados na exploração da sua atividade pecuária (doc. 11 do RI).

  1. - Por carta datada do dia seguinte, desta feita da autoria da Ex.ma Senhora Chefe de Divisão de Assuntos Jurídicos e de Fiscalização, agindo a coberto de subdelegação de competências, foi também ordenado à requerente que, no prazo de 8 dias, procedesse à remoção do estrume depositado no prédio a céu aberto e proveniente dos animais da dita exploração pecuária (doc. 12 do RI).

  2. - Foram ainda instaurados contra a recorrente dois processos de contraordenação, números 83/2917 e 84/2917, por violação do disposto, respetivamente, nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 98º do DL nº 555/99, de 16 de dezembro, por ter sido edificado o pavilhão sem prévio licenciamento municipal e por ocupação / utilização do mesmo, sem o respetivo alvará de autorização de utilização, que culminaram com a aplicação de outras tantas coimas, que a recorrente pagou (folhas 15 a 18, do proc. nº 83/2017 e folhas 16 a 19, do proc. nº 84/2017).

  3. - O tribunal recorrido, contrariamente ao propugnado pela recorrente, entendeu que, previamente àquelas duas decisões, referidas nas 1ª e 2ª conclusões, foi respeitado e concedido o direito de audiência prévia.

  4. - Mas, a verdade, é que nem o recorrido lhe concedeu o exercício daquele direito, nem a recorrente o exerceu voluntária ou espontaneamente, de forma direta ou indireta.

  5. - Não existe nos autos de processo administrativo qualquer notificação da recorrente pela qual lhe tenha sido levado ao conhecimento, de forma fundamentada, os projetos das decisões a proferir e de que dispunha do prazo legal de 10 dias para se pronunciar.

  6. - E, também contrariamente ao que vem defendido pelo tribunal recorrido, a recorrente não usou de tal direito nas três ocasiões a que se reportam as alíneas L, N e Q, do probatório.

  7. - Com efeito, o requerimento a que respeita a matéria referida na alínea L (doc. 6 da oposição) que surge na sequência das notificações que lhe foram efetuadas e que constam dos documentos 4 e 5 juntos com a oposição, visou, tão simplesmente, solicitar ao recorrido um prazo de 180 dias para licenciamento das obras.

  8. - Quanto ao requerimento a que se alude na alínea N (doc. 8 da oposição), trata-se, tão simplesmente, de um novo pedido de concessão do prazo de 180 dias, em face da decisão anteriormente proferida, de indeferimento de igual prazo, por ser inviável a pretensão de licenciamento das instalações (doc. 7).

  9. - Também destes documentos decorre que, nem um traduz qualquer comunicação de intenção de se proferir a decisão de encerramento das instalações, nem o outro revela pronúncia alguma a respeito disso.

  10. - No que respeita ao requerimento aludido na alínea Q do probatório, dele se extrai que o que a recorrente pretendeu foi que a recorrida reavaliasse o pedido de licenciamento ou lhe concedesse a utilização temporária das instalações, até que conseguisse alcançar a construção de um outro edifício, devidamente licenciado (doc. 11 da oposição).

  11. - Esse requerimento surgiu na sequência da primeira decisão de desocupação das instalações, no prazo de 5 dias, que havia sido proferida em 12.02.2019 (doc. 10 da oposição) e que o recorrido viria depois a substituir pela decisão final, de 28.03.2019 (doc. 12).

  12. - Ou seja, contrariamente ao que vem referido na douta sentença, o direito de audiência prévia foi absolutamente omitido, pois não só inexistiu qualquer projeto ou intenção de decisão de desocupação das instalações, como nunca sobre tal matéria a recorrente foi chamada a pronunciar-se, como, nunca expressa ou implicitamente, ainda que espontaneamente, a recorrente sobre isso se pronunciou.

  13. - Do mesmo modo, não foi de forma alguma respeitado e concedido à recorrente o direito de audiência prévia relativamente à decisão de remoção do estrume depositado no prédio.

  14. - De tal forma assim é que o único documento que do processo administrativo consta a respeito de tal matéria é a própria decisão.

  15. - Não acompanhamos também o entendimento, sufragado pelo tribunal, que a decisão de remoção do estrume é mera consequência da primeira e, muito menos, execução dela.

  16. Trata-se de duas decisões autónomas, que visam dar resposta a situações diferenciadas, uma motivada por questões de ordem urbanística e a outra por questões, quiçá de ordem ambiental e/ou de saúde pública.

  17. - A consideração, pelo tribunal recorrido, de que havia sido respeitado o direito de audiência prévia e de que a recorrente o exerceu, resulta pois da errada interpretação e valoração dos documentos constantes do processo administrativo, designadamente os juntos com a oposição sob os números 4 a 11.

  18. - O único direito de audiência prévia que à recorrente foi concedido exercer, foi o respeitante à decisão proferida no âmbito do processo de contraordenação nº 83/2017x, como claramente resulta do documento nº 3 junto com a oposição.

  19. – Refere o Meritíssimo Juiz a quo que, ainda que o direito de audiência prévia tivesse sido omitido, tal apenas configuraria uma mera irregularidade, uma vez que a recorrente não poderia, face à inevitabilidade da decisão, influenciá-la.

  20. - É certo que, nas situações taxativamente enumeradas no artigo 124º/1, do CPA, pode a audiência prévia ser dispensada, mas uma tal decisão é, também ela, um ato administrativo que carece de fundamentação, na decisão final (artigo 124º/2), o que não se verificou.

  21. - Por outro lado, se é certo poder admitir-se que o exercício da audiência prévia dificilmente influenciaria o sentido da decisão, já o mesmo não pode dizer-se do prazo de 10 dias que à recorrente foi para o efeito concedido.

  22. - Com efeito, a lei não estabelece qualquer prazo dentro do qual devem ser desocupadas instalações ou edifícios carecidos de autorização de utilização, conferido ao Presidente da Câmara o discricionário poder de o fixar (artigo 109º, nº 1, do RJEU).

  23. - Ora, acaso a recorrente tivesse sido auscultada previamente, não deixaria de evidenciar, não só a impossibilidade de desocupar as instalações, dela retirando, no prazo de 10 dias, vários milhares de animais e equipamentos, como os efeitos nefastos e fatais que uma tal decisão provocaria na sua atividade.

    1. - Queremos com isto dizer que, em imperando o bom senso e a ponderação e harmonização dos interesses em presença – de um lado o interesse público de cariz meramente urbanístico e, de outro, o interesse da recorrente, fundado no direito constitucional de atividade privada e económica – está a recorrente convicta que alcançaria, pelo menos, uma modificação do ato quanto ao prazo de desocupação das instalações.

  24. - Ponderado todo o percurso do procedimento administrativo que culminou com as decisões administrativas referidas, a (nossa) conclusão é a de que, salvo devido respeito, a violação da audiência prévia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT