Acórdão nº 1052/20.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA VASCONCELOS
Data da Resolução15 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I – Relatório: D….., cidadão de nacionalidade guineense-Bissau, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra o Ministério da Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) pedindo a anulação do despacho da Diretora Nacional do S.E.F. de 6 de Abril de 2020, que considerou o seu pedido de proteção internacional inadmissível e a condenação da Entidade Requerida a praticar novo ato administrativo, baseado em informação atual e fidedigna sobre a existência de garantias suficientes quanto ao acolhimento em Itália.

Por sentença de 17 de julho de 2020 foi a ação julgada totalmente improcedente e o R. absolvido do pedido.

O R., inconformado, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões: 59º. O ora Recorrente impugnou uma decisão da Sra. Directora Nacional do SEF de 6 de Abril de 2020, que considerou o seu pedido de protecção internacional inadmissível, e determinou a sua transferência para Itália.

60º. O Recorrente peticionou a condenação do SEF a a) Acatar os efeitos jurídicos decorrentes da anulação da decisão da Sra. Directora Nacional do SEF de 6 de Abril de 2020; b) Praticar novo acto administrativo baseado em informação actual e fidedigna sobre a existência de garantias suficientes do procedimento italiano de protecção internacional e perspectivas de condições acolhimento em respeito pela dignidade humana e a lei; c) Abrir procedimento para a satisfação da pretensão do A. requerente 61º. O tribunal a quo, decidiu por douta sentença a total improcedência dos pedidos do Recorrente porque 1º não se verificou o vício de violação de lei, por défice instrutório, porque “ao contrário do alegado pelo Requerente, não caberia ao S.E.F. indagar sobre as referidas condições [em Itália], uma vez que aquele não as alega especificamente, limitando-se a realizar uma alegação vaga e em termos gerais”; 2º e porque “o SEF não teria que analisar a existência de falhas sistémicas no acolhimento de refugiados em Itália, pelo que a decisão ora impugnada não padece do invocado vício de défice instrutório”; 62º. Contudo, o Recorrente explanou na sua Petição Inicial, de acordo com o seu nível de conhecimento, e que é limitado, as dificuldades e falhas do sistema italiano de atendimento de pedidos de protecção.

63º. Sendo estrangeiro, não falando nem italiano nem português, e só se expressando em língua fula, nas condições precárias em que se encontra, dificilmente poderia carrear para os autos melhor e ainda mais actualizada informação respeitante a possíveis tratos desumanos ou degradantes que poderia vir a sofrer em Itália no caso de ser reconduzido a esse país, para além daquela que levou à PI.

64º. Nem passaria pela cabeça de nenhum requerente médio, de modo espontâneo, poder referir tais conhecimentos privilegiados acerca do funcionamento interno de um departamento administrativo italiano.

65º. Pretender que seja o guineense carecido de protecção e estando em Portugal, obrigado a identificar falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano é no mínimo um exercício de cinismo jurídico.

66º. É público e notório que o Estado italiano não tem hoje capacidade para continuar a acolher requerentes de protecção internacional, pelo que o Recorrente ao ser transferido para Itália, insiste-se «será colocado numa situação de tratamentos inumanos e degradantes», a menos que haja informação diversa actualizada que não foi levada ao procedimento.

67º. Não existe um tratamento de igualdade em todos os países da UE assegurado aos requerentes de protecção internacional, seja no acolhimento, seja na estadia, seja no procedimento.

68º. A presunção de aceitação italiana na aplicação automática e imediatista do nº 2 do artigo 25º do Regulamento nº 604/2013, equivale a uma presunção legalmente figurada (“a falta de uma decisão no prazo…equivale à aceitação do pedido…”) pelo que essa presunção não se estende, nem necessária nem obrigatoriamente, muito menos automaticamente, a uma presunção de tratamento igual, não discriminatório e respeitoso dos Direitos Humanos em país terceiro, ao caso a Itália.

69º. A decisão automática tomada pelo SEF, validada pelo Tribunal a quo, porque também a entende como formal e regulamentarmente vinculada, está desde logo eivada do vício de insuficiente instrução.

70º. Também andou mal o Tribunal ad quo, porquanto a douta sentença recorrida colide com a apreciação dos pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante de todos os parágrafos que constam do nº 2 do artigo 3º do Regulamento.

71º. Dispõe o nº 2 do artigo 3º do Regulamento que “Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.” 72º. O tribunal a quo reconhece inclusivamente a existência dessa cláusula, pelo que a obrigatoriedade de apreciação das informações previamente coligidas para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos para a retomada a cargo nos termos do nº 5 do artigo 20º do Regulamento, é igualmente uma actividade instrutória que exige observância legal por parte do SEF.

73º. Mas menciona essa cláusula para concluir de modo diverso, imputando o ónus alegatório exclusiva e totalmente ao requerente ao concluir que “esta aferição, tem que ter necessariamente por base uma alegação do Requerente”.

74º. Contudo, de entre a observância legal vinculada à actividade administrativa que decorre das cláusulas do mencionado artigo 3º do Regulamento de Dublin, encontram-se as disposições dos artigos 16º e 17º do mesmo Regulamento, que podem ser descritas como cláusulas de salvaguarda humanitária que impõem a verificação e ponderação das...

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