Acórdão nº 948/09.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | RICARDO FERREIRA LEITE |
Data da Resolução | 15 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório M….., Recorrente/Autor nos presentes autos, em que são Réus/Recorridos ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, SA, e o DIRETOR DO AEROPORTO DE LISBOA, todos melhor identificados e com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da decisão do TAC de Lisboa, datada de 10.02.2020, que decidiu julgar improcedente a ação interposta, absolvendo os Réus/Recorridos dos pedidos de “impugnação do ato do Diretor do Aeroporto comunicada à entidade empregadora do autor, a sociedade SPdH — Serviços Portugueses de Handling, SA, pelo ofício n.º ….. 241, de 07.01.2009, de que o demandante tomou conhecimento a 19.01.2009, pelo qual, acolhendo parecer da Polícia de Segurança Pública, foi cancelado o acesso do autor às áreas restritas do Aeroporto de Lisboa e retido, sem renovação, o seu Cartão ANA n.º …..”.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões: 1. “O presente recurso vem interposto da mui douta sentença do tribunal a quo que julgou improcedente o pedido de anulação do ato administrativo praticado pela R., que determinou a cessação ou cassação do cartão do de acesso permanente a áreas restritas do Aeroporto de Lisboa, consubstanciado na missiva enviada pelo Director do Aeroporto de Lisboa ao Director de Unidade de Handling da SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A. e, ainda, que a R. seja condenada no pagamento de uma indemnização por todos os danos advenientes da execução do ato cuja anulação se requer.
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Contrariamente ao decidido pela mui douta sentença recorrida de fls..., o ato administrado impugnado é manifestamente ilegal e gravemente lesivo do direito subjetivo do A., por violação conjugada do disposto nos artigos 18º, nº1, 32º, nº2, 53º, 58º, 59º, 268º, nº3, da C.R.P., 100º a 103º, 124º, 133º, nº2, alínea d), do CPA e número 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC(anterior INAC); 3. Assim, ao julgar como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu, desde logo, na violação do disposto nos artigos 18º, nº1, 32º, nº2, 53º, 58º, 59º, todos da C.R.P. .
, ignorando por completo que o ato administrativo impugnado ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do Autor de presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença condenatória (artigo 32º, nº2, C.R.P.), bem como o direito do Autor ao trabalho (artigos 53º, 58º e 59 da Constituição da República Portuguesa).
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O recorrente, enquanto funcionário do serviço de operações aeroportuárias do aeroporto tem direito a cartão de acesso permanente para todas as áreas (restritas ou não) do aeroporto (vide ponto 3.8.2.1.1. da Deliberação nº 680/2000, do Instituto Nacional de Aviação Civil, publicada no D.R., II Série, nº 134, de 9 de Junho de 2000) – cfr. documento nº 3 junto à p.i. de fls... .
27 5. Assim, extinguindo o direito do recorrente de utilização de um cartão que permite o acesso permanente a áreas restritas do aeroporto, a recorrida impediu o recorrente de trabalhar (cfr. o artigo 53.º da C.R.P.).
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O facto de a recorrida ser a entidade responsável por cumprir e fazer cumprir a todos os operadores com quem trabalha nos diferentes aeroportos o extenso e rigorosíssimo acervo de normas de segurança aplicáveis, assegurando assim, na máxima medida possível, a segurança das aeronaves e dos passageiros (cfr. o artigo 5.º da mui douta contestação de fls...), jamais pode justificar um atropelo dos procedimentos legalmente exigidos para a prática de um ato administrativo e, concomitantemente, a violação de direitos subjetivos dos Administrados, como sucede com o direito do recorrente.
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Ao não julgar verificada a ilegalidade do ato administrativo sub iudice, a mui douta sentença recorrida incorreu na violação do disposto no nº 3.6 da Deliberação 680/2000, da ANAC (anterior INAC), na medida por não se encontrar verificado nenhum dos seus pressupostos, na medida em que o recorrente: -Continuou a ser trabalhador da SPdH, com as funções de Operador de Assistência em Escala (OAE); - Não foi transferido; - Nem praticou qualquer facto que contradissesse os pressupostos de ilegibilidade que presidiram à sua atribuição.
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A constituição do recorrente como arguido em processo crime é insuscetível de se subsumir na previsão do artigo 3.º, n.º 15 do Regulamento (CE) n.º 300/2008, que faz depender o acesso às zonas restritas de segurança aeroportuárias de uma prévia verificação de “a nte ce de nt es ” (“antecedentes” não podem confundir-se com “indícios” ou “suspeitas” de determinado facto, sendo certo que a norma é muito clara ao fazer referência expressa ao registo criminal).
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Assim, os artigos 3.º, n.º 15, do Regulamento (CE) n.º 300/2008) e o ponto 3.6 da Deliberação n.º 680/2000 seriam inconstitucionais, por violação dos artigos 18.º e 32.º, n.º2 da C.R.P., se interpretados no sentido de que a mera circunstância de o autor ter sido constituído arguido (que se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão), constitui um ato que contradiz os pressupostos de elegibilidade que determinaram a atribuição inicial de um cartão de acesso ao recorrente.
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O ato administrativo é, ainda, inválido, porquanto foi proferido sem que tenha sido conferido ao recorrente o direito de audiência e de participação antes da tomada de decisão, conforme impõem os artigos 12.º e 121.º do atual C.P.A. e, ainda, o n.º 5 do artigo 267.º da C.R.P., nos termos do qual é imposto à Administração o dever de assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.
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O recorrente não foi notificado do procedimento administrativo sub iudice, não lhe tendo sido permitido participar na formação da vontade da Administração (cfr. o n.º 5 do artigo 267.º da C.R.P. - cfr. os factos 1.9 e 1.10 dados como provados pela mui douta sentença de fls... .
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A recorrida não se dignou sequer a notificar o recorrente da tomada da decisão impugnada, conforme impunha o n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P..
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Contrariamente ao decidido pela mui douta sentença recorrida, é falso que o caso dos autos configure uma das situações em que é permitida a preterição da audiência dos interessados, designadamente por a decisão revestir caráter urgente, sendo certo que a recorrida não se dignou, nem a dar conhecimento ao recorrente, nem a apresentar qualquer justificação da alegada urgência.
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Ora, ao julgar como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu na violação dos artigos 12.º e 100.º, n.º1, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo e 267.º, n.º1 da C.R.P..
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Assim, os artigos 12.º e 100.º, n.º1, alínea a) do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 267.º, n.º1, da C.R.P., se interpretados no sentido de que, num caso em que a entidade administrativa se limita a aderir, acriticamente e sem fundamentação, ao parecer emitido pela P.S.P., o ato administrativo poderia revestir automaticamente caráter urgente apenas em função da recomendação daquele órgão de polícia criminal e, em consequência, desobrigar a Administração de proporcionar a participação prévia dos interessados.
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A decisão administrativa praticada pela recorrida obviou, por completo, o dever de fundamentação dos atos administrativo, pelo que, julgando como julgou, a muita douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 151.º, n.º 1, alínea d) e 152.º, alíneas a) e e) e 153.º, todos do C.P.A. e, ainda, o n.º 3 do artigo 268.º da C.R.P...
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O parecer emitido pela P.S.P., nos termos do qual a R. fundamenta a tomada da decisão impugnada assume caráter obrigatório não vinculativo, pelo que, ao decidir como decidiu, a Administração atuou dentro da margem da livre discricionariedade, optando por aderir, de forma acrítica e infundamentada, ao parecer emitido por aquele órgão.
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Nos termos em que foi praticado e dado a conhecer (ainda que não ao recorrente!) o ato administrativo impugnado impossibilitou a cabal compreensão e o conhecimento da concreta motivação que determinou a prática do mesmo.
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Julgando como julgou, o mui douto tribunal recorrido incorreu, ainda, na violação do artigo 8.º da Lei da Protecção Dados Pessoais em vigor à data dos factos (lei n.º 67/98, de 26 de outubro), na medida em que considerou que o regime estabelecido pela lei determinava, nomeadamente, que as suspeitas relativas ao recorrente não pudessem ser divulgadas à sua entidade empregadora, o que não constitui fundamento da falta de fundamentação, porquanto, querendo, poderia sempre a recorrida ter solicitado ao recorrente o seu consentimento para a divulgação de tais dados à sua entidade empregadora (caberia ao recorrente, titular dos aludidos direitos, optar entre a supremacia do seu direito à reversa da vida privada e à intimidade e o seu direito à fundamentação do ato administrativo).
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Tratando-se de uma decisão discricionária da Administração e, em consequência, sendo limitado o seu controlo judicial, mais exigente se apresentava o dever de fundamentação, ao qual a recorrida não deu cumprimento.
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Assim, os artigos 151.º, n.º1, alínea d), 152.º, n.º1, alíneas a) e e) e 153.º, todos do C.P.A., seriam inconstitucionais, por violação do artigo 268.º, n.º3, da C.R.P., se interpretados no sentido de que, na fundamentação do ato administrativo, a Administração poderá limitar-se a fazer uma remissão para o conteúdo de parecer emitido pela P.S.P., para mais quando o interessado não tem conhecimento do mesmo.
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Assim, e em suma, decidindo como decidiu, a mui douta sentença recorrida fez uma incorreta aplicação do direito, devendo, em consequência, ser o presente recurso julgado totalmente procedente, por provado, e revogada a mui douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra, que declare a anulabilidade do ato administrativo” ” * O recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos: “A. Tendo em conta os especiais valores de precaução e prevenção de ameaças nos espaços aeroportuários, vigora, na regulamentação aplicável, uma ideia de...
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