Acórdão nº 1809/17.1T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO F… e M… instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra J… e mulher Ma…, pedindo que os réus sejam condenados: a) a reconhecerem aos autores o direito de retenção do prédio rústico denominado “Herdade da D…”; b) a reembolsar e indemnizar os autores nas quantias peticionadas nos artigos 25, 67, 79, 97, 100, 104 e 108 da petição inicial no montante de € 93.508,80; c) bem como em juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que em 16.12.1998, a sociedade M…, Lda. e os réus celebraram um contrato de arrendamento que teve por objeto o dito prédio rústico, tendo os autores, sócios daquela sociedade intervindo nesse contrato como fiadores da sociedade, a qual foi declarada dissolvida administrativamente em 19.11.2015, estando os autores a preparar a reversão desse ato administrativo.

Mais alegaram que os réus enriqueceram à custa do empobrecimento da sociedade “M…”, a qual além de ter pago rendas superiores ao que era devido, sem que os réus nunca tenham passado qualquer recibo, efetuou ainda benfeitorias na propriedade arrendada em montante superior a € 200,000,00. Além disso o réu impôs à “M…” o pagamento de 2/3 das faturas da eletricidade, sob pena de cortar esta, quando as partes haviam acordado que a “M…” pagaria apenas metade do consumo de eletricidade.

Como a M… instalou um contador de energia no armazém para saber o que efetivamente consumia, o réu, para obstar a que mais tarde aquela viesse reclamar contra o que estava a pagar a mais, cortou a luz em 03.01.2011, obrigando a sociedade a adquirir um gerador trifásico que custou € 9.000,00, o qual trabalha a diesel, o que causou à “M…” prejuízos que estimam em € 39.029,91, correspondente à diferença que aquela sociedade suportou a mais daquilo que deveria pagar, caso tivesse consumido a eletricidade fornecida pela EDP e pago metade do consumo acordado.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção.

Por exceção arguiram a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir e a falta de interesse em agir dos autores, e impugnaram a generalidade da factualidade alegada e os valores peticionados.

Em reconvenção pedem os réus que os autores, na qualidade de fiadores do contrato de arrendamento, sejam condenados: a) a cessar a ocupação ilícita do prédio denominado “Herdade da D…” e a restituí-lo de imediato aos RR. Reconvintes, livre de pessoas e bens; b) a pagar aos réus/reconvintes a quantia de € 26.781,99, equivalente ao total do valor das rendas do período entre 1 de janeiro de 2007 e 3 de fevereiro de 2015; c) a pagar aos réus/reconvintes a quantia de € 135.926,00, a título de indemnização pela não cessação da ocupação e falta de entrega da herdade, à razão de € 133,00 diários, relativa ao período entre 3 de fevereiro de 2015 e 21 de novembro de 2017; d) a pagar aos réus/reconvintes a quantia diária de € 133,00, a título de indemnização pela não cessação da ocupação e falta de entrega da herdade, pelo período que vier a decorrer entre 21 de novembro de 2017 e a data em que vier a ocorrer a entrega efetiva da herdade, a liquidar em execução de sentença; e) os juros de mora vincendos, à taxa supletiva legal em vigor para as obrigações civis, sobre as quantias acima indicadas.

  1. como litigantes de má-fé em multa e indemnização aos réus, a liquidar.

    Houve resposta, concluindo os autores como na petição inicial e pela sua absolvição do pedido reconvencional Admitida a reconvenção, foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, o qual relegou para a sentença o conhecimento das exceções invocadas, sob ponderação de «que se mostra necessário a produção de prova prévia relativa aos factos correspondentes às mesmas», com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto julgo a presente acção improcedente por não provada e procedente por provado o pedido reconvencional e em consequência: a) absolvo os Réus J…, e mulher M… dos pedidos formulados pelos Réus F… e MA….

  2. condeno os Autores F… e M… a restituírem de imediato aos Réus J…, e mulher MA…, livre de pessoas e bens o prédio denominado "Herdade da D…", com a área de 192,850ha sito na freguesia de S. Sebastião da Giesteira, Évora, inscrito na respectiva matriz sob o artº. … da Secção "G", descrito na C. R. Predial de Évora sob a ficha ….

  3. Mais condeno os Autores a pagarem aos Réus as rendas em dívida e não pagas entre 1 de Janeiro de 2007 e 3 de Fevereiro de 2015 no valor de € 26.781,99 (vinte e seis mil setecentos e oitenta e um euros e noventa e nove cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da contestação e até integral pagamento.

  4. condeno ainda os Autores a pagarem aos Réus a quantia de € 135.926,00 (cento e trinta e cinco mil euros e novecentos e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização pela não cessação da ocupação e falta de entrega da herdade, à razão de € 133,00 diários, relativa ao período entre 3 de Fevereiro de 2015 e 21 de Novembro de 2017, acrescida de juros de mora desde a data da notificação da contestação e até integral pagamento.

  5. vão ainda os Autores condenados a pagar aos Réus a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença, à razão diária de € 133,00 (cento e trinta e três euros) enquanto se mantiver, após 21 de Novembro de 2017 a ocupação e a não entrega da herdade aos Réus.

  6. custas pelos Autores.

    *As partes não litigaram de má-fé.

    » Inconformados, os autores apelaram da sentença, tendo finalizado as alegações com as seguintes conclusões (transcrição): «1 - A presente sentença terá que ser liminarmente revogada 2 - Os AA são parte legítima na presente acção.

    3 - O depoimento da testemunha M…, é credível, e não se aceita a suspeição do Mº Juiz “a quo” 4 - Bem como é credível o depoimento da testemunha A…, que relatou os prejuízos da empresa M…, por falta de passagem dos respetivos recibos das rendas e energia.

    5 - Os pontos dados como não provados com os nº s 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, e 10, terão que ser dados como provados.

    6 - A condenação dos AA no pagamento das rendas em atraso e na indemnização já constituía caso julgado, pelo que a douta sentença, violou o caso julgado.

    7 - Os AA haviam quanto a esta matéria, invocado a litispendência em sede de resposta a reconvenção.

    8 - A douta sentença, que não tem nada por onde se aproveite, violou o disposto nos art. 164 nº 2 do C. Sociedades Comerciais, art. 103 RGIT e art.23 nº 3 do CIRC, art. 20 nº 1 e 4 e 205 nº 1 da CRP e art. 30 nº 1 e 3, 154, 607 nº 2, 3 e 4, 615 nº 1 al. b), c), d) e e) e ainda 628 do CPC.

    Nos termos exposto e nos mais que doutamente V. Exas suprirão, deve a douta sentença ser revogada na sua totalidade e substituída por outra que condene os RR no pagamento da quantia reclamada, ou se assim não se entender sempre a douta sentença, devera ser revogada e substituída por outra que corrija a quantidade de erros contantes na sentença recorrida.» Os réus não contra-alegaram Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber: - se os autores, sócios de uma sociedade extinta, têm legitimidade para instaurar a presente ação destinada a reconhecer o alegado direito da sociedade, por sucessão na posição desta; - se deve ser alterada a matéria de facto; - se devem os réus ser condenados no pagamento das quantias peticionados pelos autores; - se se verifica a exceção do caso julgado quanto ao pedido reconvencional.

    Como questão prévia, haverá ainda que tomar posição sobre a alegada exceção de litispendência no que tange à reconvenção.

    III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA A 1ª instância considerou provados os seguintes factos: 1 - Em 16 de Dezembro de 1998 foi celebrado por escrito um contrato de arrendamento rural entre os ora Réus como 1ºs subscritores e a M…, Lda., como 2º subscritor.

    2 - Os Autores figuram nesse mesmo contrato como fiadores 3ºs subscritores.

    3 - Da cláusula 1ª de tal contrato que "... O 1º subscritor é dono e legítimo proprietário do prédio rústico denominado "Herdade da D…", com a área de 192,850ha sito na freguesia de S. Sebastião da Giesteira, Évora, inscrito na respetiva matriz sob o artº. … da Secção "G", descrito na C. R. Predial de Évora sob a ficha … ...".

    4 - Da cláusula 10ª deste contrato consta que "... Os terceiros contraentes constituem-se fiadores da inquilina para todas as obrigações emergentes do presente contrato e das suas dez renovações, afastando o limite estipulado no artº. 655º do C.C. e renunciando ambos expressamente ao benefício da excussão prévia ...".

    5 - Este contrato foi celebrado, pelo prazo de sete anos (alterado para dez, reconhecido pelos Réus o facto da arrendatária não se tratar de "agricultor autónomo)", com início em 30 de setembro de 1998, sendo automaticamente renovável por períodos de um ano, até ser denunciado por alguma das partes.

    6 - A renda anual estipulada foi de 2.000.000$00, sendo à data de setembro de 2006 no valor de € 12.220,00.

    7 - Da cláusula 4ª daquele contrato consta ainda que "... No prazo de 12 meses a 2ª subscritora obriga-se a edificar uma casa de habitação com 4 divisões, cozinha, 2 instalações sanitárias e arrecadação, conforme planta anexa, tudo com área aproximada de 120m2 de área de construção e 75m2 de cave, um furo artesiano e um curral para porcos ...".

    8 - A M… ficou também obrigada a pagar as contas de eletricidade da herdade, cujos consumos sejam da responsabilidade da inquilina.

    9 - A M… sempre pagou a energia do seguinte modo:

  7. A energia vinha por cabo subterrâneo do contador de consumos dos Réus...

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