Acórdão nº 5760/18.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

  1. A Autora M…, S.P.A., sociedade de Direito Italiano, com o n.º fiscal IT-… com sede em S.S. Flaminia, Km. …-Spoleto (Perugia), Itália, instaurou a presente ação declarativa comum contra a SOCIEDADE AGRÍCOLA DO VALE …. S.A.

    , com sede em Lagar do …, …, Santiago do Cacém, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 153.946,54, acrescidos de juros de mora à taxa comercial contabilizados desde da data da citação até efetivo e integral pagamento.

    Alegou, em síntese, que no exercício das respetivas atividades comerciais celebrou com a Ré um contrato de compra e venda de azeite, no âmbito do qual esta se obrigou a fornecer-lhe azeite virgem extra, num total de 270 toneladas, que não cumpriu, entregando apenas 54 toneladas.

    Em consequência desse incumprimento, a Autora, por forma a poder cumprir, por sua vez, as obrigações já assumidas, teve de adquirir azeite a outros produtores e, nessa altura, não teve outra solução que não fosse pagar um preço de comercialização superior ao inicialmente contratado com a Ré, o que lhe causou os prejuízos que identificou e que pretende ver ressarcidos.

    Citada, a Ré contestou, defendendo-se por exceção e impugnação, contrapondo que, na campanha de 2014/2015, a produção de azeite sofreu um decréscimo de mais de 50% em relação ao ano anterior, devido às alterações climatéricas que se fizeram sentir, pelo que a venda de 216 toneladas à Autora implicaria que incumprisse completamente com todos os seus clientes. Disso deu conhecimento à Autora e propôs entregar metade da quantidade, o que ela não aceitou.

    Mais alegou que o contrato deve considerar-se resolvido nos termos do art.º 437.º do C. Civil e que ocorreu impossibilidade de cumprimento da prestação por causa que não lhe é imputável.

    Terminou pedindo a improcedência da ação.

    Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e definido os temas da prova, após que foi realizado o julgamento e prolatada a competente sentença, que julgou improcedente a ação e absolveu a Ré do pedido.

    Inconformada com esta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, encerrando as suas alegações com complexas e extensas conclusões, ao arrepio da exigência de síntese mencionada no art.º 639. º/1 do C. P. Civil, pelo que não se reproduzem, mas que se sintetizam nas seguintes:i) Matéria de facto1.

    Face à prova produzida nos autos, o tribunal “a quo” deveria ter considerado como provados os seguintes factos, requerendo-se assim o respetivo aditamento à matéria de facto provada: “A atividade de produção e comercialização de azeite encontra-se por natureza sujeita a diversas circunstâncias, incluindo a possibilidade de alterações climatéricas e a ocorrência de pragas e doenças, as quais podem ter influência nas colheitas”.

  2. A acrescer, face à prova produzida nos autos, o tribunal “a quo” deveria ter também considerado como provados os seguintes factos, requerendo-se assim o respetivo aditamento à matéria de facto provada: “A Ré, com base numa estimativa efetuada por si, vendia em sede de pré-campanha, aproximadamente metade da produção de azeite que estimava produzir.

    A outra metade era vendida na própria campanha”.

  3. Mais, face à prova produzida nos autos, o tribunal “a quo” deveria ter também considerado como provados os seguintes factos, requerendo-se assim o respetivo aditamento à matéria de facto provada: “A Ré tinha à sua disposição para entrega azeite da mesma qualidade e em quantidade bastante superior àquela que foi acordada vender à Autora.” 4.

    O tribunal “a quo” deveria ter também considerado como provados os seguintes factos, requerendo-se assim o respetivo aditamento à matéria de facto provada: “Não se conhecem casos de outros fornecedores de azeite, enfrentando as mesmas circunstâncias referentes ao período da colheita em causa, terem requerido alterações aos contratos ou deixado de entregar as quantidades acordadas”.

  4. Deverá ser eliminado o seguinte ponto que atualmente consta da matéria provada: “20 - Devido a alterações climatéricas a produção de azeite na Europa, com especial incidência em Portugal, Espanha e Itália, na campanha 2014/2015 sofreu alterações tendo decrescido em relação às campanhas anteriores”.

  5. Sem prejuízo do supra exposto, caso o tribunal “a quo” opte apenas por uma retificação do ponto em causa (em vez da eliminação aqui requerida), o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética e por estrito dever de patrocínio, a redação do referido artigo deverá então ser alterada nos seguintes termos: “20- A produção de azeite na Europa, com especial incidência em Portugal e Espanha, na campanha 2014/2015 sofreu alterações tendo decrescido em relação à campanha anterior de 2013/2014, a qual tinha apresentado o valor mais alto dos últimos 50 anos.

  6. A acrescer, simultaneamente, deve ser acrescentando o seguinte ponto à matéria de facto: “Relativamente à produção média das últimas cinco campanhas, a quebra de produção foi apenas de 13%.”ii) Matéria de Direito8.

    Nos pontos 1 a 19 o tribunal “a quo” considerou como provados os factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional (Art. 798.º do Código Civil), designadamente: i) O facto objetivamente ilícito consistente na inexecução da obrigação de entrega acordada; ii) A culpa do agente na produção do facto, a qual aliás se presume nos termos do Art. 799.º do CC; iii) A existência de danos para o credor; iv) O nexo de causalidade entre o facto e os danos.

  7. Contudo, o tribunal “a quo” decidiu aplicar o instituto da “Alteração Anormal das Circunstâncias” (Art. 437.º do CC) considerando não ser exigível à Recorrida o cumprimento da obrigação em causa, e absolvendo-a do pedido, sem que estivessem reunidos os respetivos pressupostos de aplicação.

  8. O instituto da Alteração Anormal das Circunstâncias tem um cariz excecional, sendo a última saída para a afirmação da justiça, quando a boa-fé imperiosamente o exija.

  9. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, para que a lei confira o direito potestativo de resolver ou de modificar equitativamente um contrato, invocando alteração anormal das circunstâncias é necessário que se prove: (i) que as circunstâncias objetivas em que ambas fundaram a decisão de contratar (ii) se alteraram anormalmente após a realização do contrato, (iii) que essa alteração, objetiva e anormal, não está coberta pelos riscos próprios do contrato, e que (iv), a exigência do cumprimento dessa prestação contrarie gravemente o princípio da boa fé.

  10. É sobre o interessado, in casu, sobre a Recorrida, que recai o ónus da prova dos pressupostos, o que não aconteceu.

  11. No presente caso, a alegada “alteração” está coberta pela álea de riscos do próprio contrato e não é “anormal”.

  12. Com efeito, ficou demonstrado no processo que o ramo da produção de azeitonas e de azeite está por natureza sujeito a uma série de circunstâncias que podem ter influência na atividade dos operadores. Tais circunstâncias incluem condições e alterações climáticas adversas, designadamente, mudanças de temperatura, alterações de níveis de pluviosidade, bem como, a possibilidade de ocorrência de pragas e doenças nas culturas.

  13. A Recorrida, enquanto sociedade comercial com experiência e conhecimento especializado relativamente a todas as circunstâncias e condicionantes que por natureza estão subjacentes ao ramo do negócio em que opera, não pode invocar o desconhecimento da possibilidade de tais circunstâncias afetarem a sua produção.

  14. A Recorrida, tendo perfeita noção da esfera de risco inerente ao seu negócio, aceitou-o, e a acrescer, com base numa estimativa feita por si, que acabou por se revelar errada, tomou a opção de incorrer em compromissos contratuais que ainda não tinha a certeza se era capaz de cumprir.

  15. Perante a conformação expressa e clara da Recorrida relativamente ao risco inerente ao seu próprio negócio, quaisquer “alterações climáticas”, pragas ou doenças que se tenham verificado nas culturas da Recorrida, fazendo parte desse mesmo risco, não podem constituir justificação para o não cumprimento ou para uma modificação do contrato, nos termos e para efeitos do art. 437.º do CC.

  16. Por outro lado, a aplicação do Art. 437.º do CC pressupõe a ocorrência de uma alteração anormal nas circunstâncias objetivas em que as partes fundaram a decisão de contratar, sendo irrelevantes as circunstâncias subjetivas de cada uma das partes.

  17. In casu, ficou demonstrado que não foi a alegada alteração de circunstâncias causada pelas mudanças climáticas, pragas ou doenças que impossibilitou a Recorrida de cumprir o contrato celebrado com a Recorrente.

  18. Com efeito, ficou claramente demonstrado que a Recorrida tinha efetivamente à sua disposição azeite do tipo que se comprometeu contratualmente a entregar à Recorrente, inclusivamente numa quantidade muitíssimo superior à que foi acordada.

  19. Na verdade, foi uma opção comercial tomada pela própria recorrida, com vista a gerir relações com terceiros e a obstar às suas próprias perdas/danos/prejuízos com outros clientes, que fez com que aquela voluntariamente não cumprisse o contrato celebrado com a Recorrente.

  20. As obrigações alegadamente assumidas pela Recorrida perante outros clientes não são oponíveis à Recorrente, nem podem servir de causa justificativa para o não cumprimento das obrigações assumidas para com esta.

  21. Caso tais circunstâncias, de natureza subjetiva, relevassem para o contrato celebrado entre a Recorrente a Recorrida, então as partes teriam optado por inserir uma cláusula contratual que refletisse esse mesmo condicionalismo. Contudo, tal não sucedeu.

  22. Na verdade, estas são circunstâncias subjetivas respeitantes à pessoa da Recorrida e não circunstâncias objetivas. Nessa medida, não podem servir de fundamento à aplicação do instituto previsto no Art.º 437.º do CC.

  23. Por outro lado, foi a conduta da própria recorrida que contribuiu para a ocorrência da presente situação, designadamente...

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