Acórdão nº 619/20.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O.........., nacional da República da Guiné-Bissau, requerente no pedido de protecção internacional nº 290/20, veio intentar contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a presente impugnação dirigida ao acto que decidiu o seu pedido de protecção internacional como infundado, bem como ser infundado o pedido de protecção subsidiária, nos termos do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, al. e) e 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, a qual foi julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 06 de Maio de 2020.

Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, o Autor, ora Recorrente, interpôs o presente recurso, formulando na sua Alegação as conclusões que, de seguida, se transcrevem: “ 1º O fundado temor de perseguição do ora recorrente de proteção internacional foi em relação ao país da sua nacionalidade.

  1. No caso concreto, deve confirmar-se a existência de fundamentos susceptíveis de conferir objectividade ao receio de perseguição alegado.

  2. O pedido ancora-se em factos concretos e objectivos que são subsumíveis a qualquer dos pressupostos em que a Lei de Asilo faz depender a concessão do mesmo, designadamente em factos que justifiquem o fundado receio de perseguição e perigo para a vida e integridade física.

  3. O recorrente alegou factos concretos de natureza credível, para lhe poder ser aplicável o disposto no artigo 3.º da Lei de Asilo , verificando-se o necessário nexo de causalidade para lhe ser concedido o benefício da dúvida.

  4. O recorrente alegou que é conhecido por ser do PAIGC, partido que guiou a independência da Guiné-Bissau em 1974, e por ter problemas políticos no quadro da elevada instabilidade que se vive no país após as últimas eleições presidenciais de 29 de Dezembro de 2019 (2ª Volta das presidenciais).

  5. Na verdade, apesar do candidato U.......... ter sido declarado vencedor, os resultados eleitorais foram impugnados, por fraude eleitoral, pelo candidato D.........., apoiado pelo PAIGC.

  6. A Guiné-Bissau vive em situação de caos político, económico e social, prestes a entrar em guerra civil.

  7. A Guiné Bissau é um pais que há décadas assiste a vários golpes de estado e guerras civis, com milhares de mortos e feridos e é considerado por peritos e analistas internacionais um “Estado falhado”, com uma corrupção endémica e onde são violados os direitos humanos dos seus cidadãos e a sua vida e integridade física é colocada em causa.

  8. Há um risco transversal de conflito armado na Guiné- Bisssau, que leva a que o recorrente possa ter a sua vida em risco ou sofrer ofensa grave face às suas posições pró- PAIGC, partido que não apoiou o actual presidente da Guiné Bissau e o contesta por usurpação do poder.

  9. Entende-se que o recorrente apresentou factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar do direito de protecção internacional nos termos do artigo 3º da Lei de Asilo pelo que o presente pedido deve considerar-se fundado nos termos da mesma.

  10. Caso não se atenda às razões invocadas anteriormente, o requerente deve pelo menos beneficiar de Autorização de Residência por Protecção Subsidiária nos termos do artigo 7º da Lei de Asilo por estar em risco de sofrer ofensa grave.

  11. Por sua vez, nos termos do artigo 24º e 25º da Constituição o direito à vida e à integridade física são invioláveis.

  12. Ora, a decisão do SEF e a sentença de que ora se recorre violaram estas normas constitucionais.

  13. Foram assim violadas estas normas constitucionais, que ora se invocam, devendo o presente tribunal declarar a inconstitucionalidade do artigo 19º da Lei de Asilo quando quando interpretado no sentido de permitir que um pedido de protecção internacional seja considerado infundado quando está em perigo a vida e integridade física de um cidadão envolvido politicamente de um Estado “falhado”, em perigo de guerra civil, nos termos expostos, em violação dos artigos 24 e 25º da CRP.” Termina peticionando: “ …que o pedido de protecção internacional se deve ter por fundado nos termos da Lei de Asilo, designadamente subsumível ao artigo 3.º da Lei citada ou, pelo menos subsumível ao estatuto de protecção subsidiária nos termos do artigo 7º da mesma Lei.

Termos em que deve a sentença do tribunal a quo ser revogada Termos, ainda, em que deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 19º da Lei de Asilo, nos termos expostos.” *A Entidade Demandada / Recorrida regularmente notificada não apresentou Contra-Alegações.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

* Com dispensa de vistos, por se tratar de processo urgente, mas com entrega aos Srs. Juízes Adjuntos do projecto de acórdão, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

* II. Fundamentação II. 1. De facto: O Tribunal a quo considerou a seguinte matéria de facto, não impugnada, que se reproduz, destacando-se apenas a alínea D) que estava incluída na alínea C) do probatório: A) Em 14/02/2020, o Autor apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado Português, no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, que deu origem ao processo n……..

B) Em 21/02/2020, foi realizada uma entrevista com o Autor, na qual foi ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de proteção internacional, conforme auto de declarações, que dou aqui por integralmente reproduzido.

C) Em 24/02/2020, a ED. proferiu a seguinte decisão: Processo de Proteção Internacional N.® 290/20 De acordo com o disposto nas alíneas e) do n.® 1, do artigo 19®, e no n.® 4 do art. 24º, ambos da Lei n.® 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei n® 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.® 418/GAR/20 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviçoss de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como O.........., nacional de Guiné Bissau, infundado.

D) A informação a que alude a Decisão precedente é a seguinte: «Imagem no original» P. Esses homens a que se refere, que o queriam atacar, quem são? R. Não sei. Era de noite e estavam mascarados. Não consegui descortinar.

  1. Porque é que eles foram atrás de si? R. Porque briguei com aquele homem.

  2. Porque acha que foram atrás de si por causa do tal indivíduo? P. Porque no dia em que eu ganhei a luta àquele homem, ele disse-me: "Você vai pagar por isto".

  3. Mas o que o leva a pensar que foi por isso? R. Porque depois de ficarem com o meu telemóvel, acrescentaram: "Não queremos o telemóvel. Queremos-te a ti".

  4. Relativamente a essa briga no rescalda das eleições, foi só consigo que aconteceu lutar? R. Não. Há lá na Guiné muitas brigas entre as pessoas por causa das eleições. Até mãe e filho brigam por causa de política.

  5. Alguma vez foi membro de alguma organização política, militar, técnica, religiosa, social no seu pa|s? R. Religiosa, sim. Sou evangélico, sempre fui à igreja.

  6. Alguma vez teve algum problema no seu país por ser cristão evangélico? R. Nunca.

  7. E foi militar? Fez a tropa? R. Não.

  8. E foi alguma vez membro de alguma organização política? i R. Gosto de discutir política, e mostro que sou do PAIGC. Mas nunca aderi, assim, a nenhum movimqnto político.

  9. Em que trabalha? R. Vendo roupas on-line, num grupo criado para as pessoas divulgarem os seus negócios e os prodfitos que querem vender.

  10. Como se chama esse grupo? R. Bissau Mercado Virtual.

  11. Quando diz que lutou e ganhou com um homem na rua, o que quer dizer com isso? R. Brigámos. Eu venci a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT