Acórdão nº 331/20.3BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente o Recurso deduzido por L.....

e S.....

, contra a decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indiretos, do Diretor de Finanças de Leiria, que determinou em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares [IRS], a fixação do rendimento tributável corrigido dos Recorrentes, relativamente ao ano de 2015.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões: «A) De acordo com o artigo 89.°, n.° 5 alínea, b), da LGT, Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efetuada; “ B) Ou seja, a tributação ocorre independentemente do momento em que foram auferidos os rendimentos, mas sim quando o incremento é manifestado.

C) No caso concreto, e até 2015, durante o período do empréstimo realizado entre o Recorrido e a sociedade H....., S.A. inexistia qualquer acrescimento de património na esfera do sujeito passivo, na medida em que pendia a obrigação contratual de devolver as quantias mutuadas.

D) Assim só após esse período, e tendo em conta que o mutuário não reclamou o pagamento, seja judicial ou extrajudicialmente e inexistindo qualquer elemento probatório, que fizesse crer que o empréstimo seria restituído, é no momento (fim do empréstimo) que se verifica o acrescimento patrimonial e a consequente manifestação da capacidade contributiva, porquanto durante o prazo de restituição do empréstimo, ainda pendiam os termos do contrato, não sendo possível subsumir a não intenção de o não cumprir.

E) Errou a douta decisão ao concluir que o acréscimo ocorreu com as prestações suplementares anos de 2013 e 2014 e não com o fim do período contratual de devolução das quantias em questão, em 2015.

F) Por fim e com surpresa conclui a douta decisão em contradição com os fundamentos, cujo relatório inspetivo e respetivo conteúdo é dado como provado, que a posição jurídico-patrimonial do Recorrente no ano de 2015 não sofreu alteração em virtude de se ter verificado o cômputo do prazo de 2 anos estabelecido no contrato de mútuo.

G) Ora, com a devida vénia e respeito pelo douto Tribunal '' a quo “ não é verdade que a posição se mantenha igual no ano de 2015.

H) É que a não cobrança do lado do credor, e o não pagamento da dívida do lado do devedor, gera um ganho/incremento patrimonial.

I) Qualquer SP que deixe de pagar, ou nunca tenha pago um crédito (obviamente que os pagamentos simbólicos na pendencia da ação inspetiva são irrelevantes) e não exista qualquer tentativa seja do lado do credor em cobrar ou do devedor em pagar, com o período final em que deveria ter ocorrido o pagamento, suscita no mínimo dúvidas acerca dos contornos dos negócios jurídicos e dos fluxos realizados, assim como das reais motivações dos negócios.

J) Tendo em conta o doutamente decidido, que dá cobertura ao supra exposto, estaria aberto o precedente para se “retirar” montantes de empresas, livres de impostos, bastando para o efeito contratualizar um mútuo, e quem sabe um dia, mesmo após o incumprimento, este venha a ser pago, quiçá numa outra vida...e até lá o devedor vai “gozando” na vida terrena, um acréscimo patrimonial livre de qualquer tributação.

K) Vejamos que o instituto das Manifestações de Fortuna é uma ferramenta essencial no combate à fraude e evasão fiscal, pelo que o segmento decisório, no que concerne ao momento em que ocorreu o incremento patrimonial, coloca em causa a capacidade contributiva com correspondência constitucional no artigo 13.°, n.° 1 e artigo 103.°, n.° 1, da CRP, por outro lado, a admissibilidade de legal de um documento particular a tutelar um empréstimo sem qualquer racionalidade económica e sem o preenchimento dos requisitos legais constantes do artigo 1143.° do Código Civil, que dispõe expressamente " Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário. (negrito e sublinhado nosso), e que vem dar cobertura a um acervo de transferências bancárias que não foram sujeitas a qualquer tributação, põe em causa, as receitas financeiras do Estado com correspondência no artigo 103.°, n.° 1 da CRP e a consequente justa repartição dos encargos públicos.

L) Por fim, caberia o ónus da prova ao Recorrido, nos termos do artigo 89.-A, n.° 3 da LGT, o que não ocorreu, seja no âmbito do procedimento inspectivo ou nos presentes autos.

Pelo que, face ao supra exposto, nestes termos e nos demais de direito que doutamente serão supridos se requerer a anulação da decisão proferida pelo tribunal,” a quo " como é de DIREITO E JUSTIÇA.» Os recorridos, devidamente notificados para o efeito, apresentaram as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes: «A. No presente caso a AT pretende tributar um mútuo que não foi reembolsado na data acordada, com claro abuso (de direito) do instituto da manifestação de fortuna, tendo qualificado tal situação como acréscimo patrimonial na esfera jurídica do contribuinte.

B. A considerar-se a tributação aqui em apreciação seria permitir ao Estado o exercício voraz e insaciável enquanto cobrador de "impostos” que pudessem incidir sobre empréstimos financeiros que o(s) contribuinte(s) ou os seus herdeiros sempre teriam um dia de os devolver durante a sua vida terrena.

C. Estabelece a alínea f) do n.° 1 do art.° 87.° da LGT que a avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

D. Verificadas as situações previstas na alínea f) do n.° 1 do artigo 87.°, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada (cfm n.° 3 do art.° 89.°-A da LGT).

E. Ora, a sentença aqui sob recurso deu como provado que o acréscimo patrimonial no valor de € 382.250,00 teve ORIGEM num contrato de mútuo celebrado entre a sociedade, H..... - Equipamentos de Processo SA, e o recorrido, L....., no dia 15-01-2013, F. Através da mobilização de 10 quantias em cheques/transferência no período de 15-01-2013 e 20-08-2014.

G. Assim sendo, fica prejudicado o interesse da AT em ver apreciada a questão de saber se o acréscimo patrimonial de verificou na esfera jurídica do recorrido, L....., nos exercícios de 2013 e 2014 ou no exercício de 2015.

H. Acresce ainda que, não pode a AT retirar consequências jurídicas de decisões de gestão tomada no âmbito da liberdade contratual decorrente do princípio da autonomia privada, quer quanto ao atraso do reembolso das quantias mutuadas (n.° 2 do art.° 804.° do Código Civil), quer quanto às diligências que a H....., SA, deveria ter tomado, no seguimento da mora do devedor, na ótica da AT.

I. Aliás, seria um absurdo considerar como causa de acréscimo patrimonial do mutuário a inércia da entidade mutuante porque cabe apenas ao credor no quadro das suas opções de gestão decidir o melhor momento para encetar as diligências de cobrança.

J. Ademais, a entidade credora nunca desistiu de receber a quantia mutuada, uma vez que, manteve sempre reconhecido o crédito na sua contabilidade numa conta SNC de Outros Devedores e Credores - Conta 2……. - L......

K. Por outro lado, decorre de todos os elementos que constam no processo administrativo que o crédito nunca foi considerado “irrecuperável” pelos auditores responsáveis pela certificação legal das contas da H....., SA.

L. Do exposto, resulta que o douto Tribunal “a quo” fez uma exata apreciação dos factos e correta aplicação do direito, máxime das normas legais aplicáveis, não se verificando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, razão pela qual a douta sentença não merece censura.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão do tribunal “a quo” ser mantida.

Como sempre, farão Vossas Excelências, serena e objetiva JUSTIÇA.

» **** O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.

****Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

**** As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao concluir que o acréscimo patrimonial ocorreu com as prestações suplementares de 2013 e 2014, o que alegadamente coloca em causa a capacidade contributivae viola o disposto no art. 13.º, n.º 1, e art. 103.º, n.º 1 da CRP. Por outro lado, invoca-se a admissibilidade de um documento particular viola o disposto no artigo 1143.º do CC, e que caberia ao Recorrido o ónus da prova nos termos do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT.

II. FUNDAMENTAÇÃO A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: “1. Os Recorrentes foram sujeitos a um procedimento de inspeção, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, no âmbito do qual foi sancionado em 09.03.2020 o relatório de inspeção tributária que apresenta o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)” 2. Em 11.03.2020, foi proferido despacho pelo Director...

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