Acórdão nº 1030/20.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

M..., nacional de Gâmbia, vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho datado de 15/04/2020, da Directora Nacional Adjunta do SEF, que julgou inadmissível o pedido de protecção internacional por ele apresentado e determinou a sua transferência para Itália.

Formulou as seguintes conclusões: “1.

Na ação, foi requerida a anulação do despacho recorrido que julgou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado pelo Autor, determinando a sua transferência para Itália, por insuficiência da sua instrução.

  1. Argumentou-se que mercê da situação pandémica que existiu em Itália, e mercê das deficiências sistémicas nas medidas de acolhimento dos requerentes de asilo ou de proteção internacional, no contexto de pressão migratória que sucede em Itália, o silencio desta ao oficio dos autos, pedido de retoma não pode ser tomado como aceitação tacita da mesma, mas antes sendo de crer que o mesmo, mercê das circunstancias especiais, possa ter sido desconsiderado, por menos urgente.

Assim, mantendo-se o pedido da ação, vem requerer-se a reponderação da decisão no mesmo, e a consequente revogação da sentença recorrida, e substituição da mesma por uma outra que julgue a ação procedente, assim se fazendo Justiça”.

O Ministério Recorrido não apresentou contra-alegações.

*O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto foi notificado para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA.

*Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 608º, nº2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140º, n.º 3, do CPTA.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento que lhe é imputado, por o silêncio das autoridades italianas quanto ao pedido de retomada a cargo que lhe foi dirigido, não poder ser tido como aceitação tácita desse pedido e ainda por o P.A. sofrer de deficit instrutório.

* Dos factos.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1 – No dia 07-02-2020 veio o Autor a apresentar um pedido de proteção internacional (PPI) ao Estado Português, formalizado junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros Fronteiras, sob o n.º 244/20/PT.

2 - Em sede de análise preliminar do pedido verificou-se, através do sistema Eurodac (sistema de comparação de impressões digitais criado pelo Regulamento (EU) 603/2013), que o requerente, ora Autor, havia apresentado anteriormente um pedido de proteção internacional em Itália, em 19.2.2018.

3 – No dia 28.02.2020, foi realizada a entrevista pessoal do A., prevista no artigo 5.º do Regulamento de Dublin, na qual referiu, nomeadamente, o seguinte: - esteve em Itália durante três anos, donde saiu em finais de 2019; - não deu o seu consentimento para, se necessário, ser solicitado a outro Estado Membro a indicação dos motivos invocados no pedido e respectiva decisão, de acordo com o n.º 3 do artigo 34º do Regulamento; - saiu do seu país de origem em 2016, sozinho e sem documentos; «Imagem no original» 4 - Na mesma data foi o requerente notificado do sentido provável da decisão de inadmissibilidade e consequente transferência para Itália, tendo-lhe sido concedido um prazo de 5 dias para se pronunciar, cf. pág. 28 do processo administrativo.

5 - Decorrido o prazo definido, não veio o requerente a apresentar alegações.

6 – No dia 25/03/2020, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou um pedido de retomada a cargo às autoridades italianas, nos termos do artigo 18.º, nº 1, alínea b), do Regulamento de Dublin, conforme determina o n.º 1 do artigo 37.º da Lei de Asilo, cf. pág. 30 do processo administrativo.

7 - As autoridades italianas não responderam no mencionado prazo.

9 - Por decisão da Diretora Nacional Adjunta do SEF, proferida em 15.4.2020, em cumprimento do disposto no artigo 37º, nº 2 da Lei de Asilo, foi o pedido considerado inadmissível, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 19.º-A e determinada a transferência do requerente para a Itália, com base na Informação n.º 614/GAR/2020, de 15.4.2020, cf. pág. 37 e segts do processo administrativo.

10 – A referida decisão foi notificada ao A. no dia 25/05/2020, cf. pág. 43 do processo administrativo.

Direito Da nulidade da sentença.

O Recorrente começa por dizer que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão suscitada na P.I., em que defende que o MAI não poderia ter dado por adquirida a aceitação tácita, por parte da Itália, do pedido de retoma a cargo, dado tal pedido ter sido formulado em plena crise pandémica, em que os prazos administrativos estavam suspensos, nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e do Despacho n.º 3863-B/2020, de 27/03/2020, o qual estabelece regras de gestão do atendimento e dos agendamentos dos cidadãos estrangeiros com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no âmbito do “COVID 19”.

Verifica-se que a sentença recorrida não se pronunciou sobre tal questão.

Também não conheceu da alegada violação do princípio da não repulsão que o Recorrente invocou por não poder ser transferido para a Gâmbia, seu país de origem.

Por omissão do conhecimento de tais questões declara-se a nulidade da sentença recorrida – art.º 95.º, n.º 1 do CPTA e art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.

Há, assim, que conhecer das referidas questões, bem assim como do restante objecto do recurso – art.º 149.º do CPTA.

Da suspensão do prazo previsto no art.º 25, n.ºs 1 e 2 do Regulamento de Dublin III.

Estatui o art.º 25, n.ºs 1 e 2 do Regulamento de Dublin III que, se o E.M. a quem for apresentado um pedido de retoma com fundamento em dados obtidos no sistema Eurodac, não responder no prazo de duas semanas, tal pedido tem-se por aceite, devendo tal E.M. retomar a pessoa em causa a cargo.

Para se produzir a suspensão dos efeitos de tal norma tinha de ter sido emitida outra norma que o determinasse e que obrigasse os E.M. envolvidos.

Desconhece-se a existência de qualquer norma que tenha introduzido tal suspensão. O Recorrente também não a indica. Vejam-se, sobre a questão, as orientações que constam da comunicação da Comissão (2020/C126/02), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C126/12, de 17/04/2020.

As normas de direito interno que o Recorrente invoca não vinculam Estados terceiros.

Pelo que se declara tal vício improcedente.

Do princípio da não repulsão.

Estabelece o n.º 2 do art.º 47.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que “ninguém será devolvido, afastado, extraditado ou expulso para um país onde seja submetido a torturas ou a tratamentos cruéis ou degradantes.” Estatui o número 1 do Artigo 33º da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 que “nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas”.

Determina o art.º 78.º, n.º 1, do TFUE, que “a União desenvolve uma política comum em matéria de...

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