Acórdão nº 47/20.0TXCBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução30 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. No âmbito do processo n.º 47/20.0TXCBR-B do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra – Juiz 3, por despacho judicial de 30.04.2020 foi decidido julgar perdoada a pena aplicada, no processo n.º 519/14.6GDMFR, a A.

, perdão, esse, concedido sob condição resolutiva do beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente.

  1. Inconformado com a decisão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – O perdão previsto no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, só pode ser aplicado a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor, excluindo os condenados que não tenham ainda ingressado fisicamente no estabelecimento prisional; 2.ª – O artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, de 6 de abril, suspendeu todos os prazos para a prática de atos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19; 3.ª – Pelo que enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, está suspensa toda a tramitação processual tendente à emissão e execução de mandados de captura na sequência de condenação transitada em julgado; 4.ª – Desta forma se evitará que, durante esse mesmo período, ingressem no estabelecimento prisional novos reclusos, e assim se logrará garantir que não seja ocupado o espaço prisional deixado livre pela libertação dos reclusos abrangidos pelo perdão; 5.ª – Restringir a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 9/2020 aos condenados que se encontram já recluídos à data da entrada em vigor daquela mesma lei, excluindo os condenados ainda não recluídos, não viola o princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa; 4.ª – Ao perdoar a pena aplicada ao arguido A.

    no âmbito do processo n.º 519/14.6GDMFR, não estando este preso à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, o tribunal proferiu decisão ilegal, por violação do disposto no art. 2º, n.º 1, desse mesmo diploma legal.

    Nestes termos, e pelos mais que V. Exas, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, far-se-á JUSTIÇA.

  2. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

  3. Ao recurso respondeu o arguido/condenado, concluindo: 1.ª - A Lei n.º 9/2020, de 10 de abril criou um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

    1. – A referida Lei deve aplicar-se a todos os condenados por sentença transitada em julgado, sem prejuízo da sua exclusão em razão da natureza do crime praticado conforme previsto na Lei em causa.

    2. – Razões de saúde pública impõe a sua aplicação a todos os condenados, prevenindo a disseminação da COVID 19 pelo meio prisional.

    3. – O princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa impõe que a Lei n.º 9/2020, de 10 de abril se aplique tanto a condenados a pena de prisão por sentença transitada em julgado que ainda não se encontrem a cumprir a pena em estabelecimento prisional, mas com mandados de detenção a cumprir, como também a reclusos, condenados a pena de prisão por sentença transitada em julgado e que se encontrem a cumprir a pena em estabelecimento prisional.

    4. – A competência para aplicação da referida Lei cabe aos Tribunais de Execução de Penas territorialmente competentes.

    5. – A unidade do sistema jurídico impõe uma leitura do texto da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril com o sentido aqui defendido, pois só assim se compreenderá a ratio de todo o processo legislativo, desde a proposta, às alterações propostas, até à redação final da referida Lei.

    6. – Em conformidade, deve ser de manter a decisão do Tribunal a quo, não se dando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

    FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA! 5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual, acompanhando os fundamentos do recurso, se pronunciou no sentido de o mesmo merecer provimento.

  4. Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º do CPP, o recorrido não reagiu.

  5. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, no caso em apreço importa decidir se o despacho recorrido, ao aplicar o perdão à pena de prisão subsidiária, resultante da conversão da pena de multa em que o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 9/2020, de 10.04.2020, violou o artigo 2.º do mesmo diploma.

  6. A decisão recorrida Ficou a constar do despacho em crise [transcrição]: A.

    foi condenado, por decisão proferida em 21/04/2016, no âmbito do processo nº 519/14.6GDMFR, já transitada em julgado, na pena de 120 dias de multa, por um crime de abuso de confiança.

    Por decisão proferida em 06/02/2019, transitada em julgado em 03/05/2019, foi a dita pena convertida em 80 dias de prisão subsidiária.

    O condenado ainda não iniciou o cumprimento da aludida pena.

    Do exame do respetivo CRC resulta que o condenado não tem qualquer outra pena de prisão para cumprir.

    Em 11 de Abril de 2020, entrou em vigor a L 9/2020, de 10 de Abril, que no art. 2º estatui que “1 - São perdoadas as penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração igual ou inferior a dois anos./ 2 – São também perdoados os períodos remanescentes das penas de prisão de reclusos condenados por decisão transitada em julgado, de duração superior à referida no número anterior, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, e o recluso tiver cumprido, pelo menos, metade da pena./3 – O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única./4 - Em caso de condenação do mesmo recluso em penas sucessivas sem que haja cúmulo jurídico, o perdão incide apenas sobre o remanescente do somatório dessas penas, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos./5 - Relativamente a...

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