Acórdão nº 5772/19.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | L |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO.
“X – Engenharia e Construção, L.da” instaurou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra Y – Associação de Desenvolvimento Local do ...
e “W – Instalações Sanitárias, L.da”, alegando, em síntese: -a celebração de um contrato de empreitada com a 1ª R. em 29/10/2011, conforme doc. 2 que aqui se dá integralmente por reproduzido; -a celebração em 23/9/2011 com a Caixa ... de um contrato de garantia bancária autónoma e à primeira solicitação, pelo valor de 132.750,00, como cumprimento das obrigações da A. no âmbito daquele contrato de empreitada, conforme doc. 3 que aqui se dá integralmente por reproduzido; -o acionamento em 22/3/2019 da dita garantia pelo valor de € 57.400,00 que a Caixa ... pagou e exigiu da A. que pior sua vez pagou à Caixa ...; -a a alegação da 1ª R. de que tal foi para se ressarcir dos custos que esta teve para substituir e reparar os materiais e equipamento instalados/integrados no sistema de AVAC da obra a que se refere o contrato de empreitada; -foi a 2º R. que fez a obra de AVAC em regime de subempreitada, e a A. não teve qualquer intervenção; -em 31 de outubro de 2016 a 1ª R. interpelou a A. quanto a defeitos no AVAC; -a A. remeteu tal situação à 2ª R. que conclui que a alegação da 1ª R. não se devia à instalação ou execução do AVAC; -a A. remeteu essa conclusão à 1ª R.; -a 1ª R. nunca comunicou à A. valores de eventual reparação dos alegados defeitos.
Conclui pelo acionamento abusivo da garantia (quer pela ausência dos defeitos, quer pela falta de comunicação de valores de reparação), o que leva ao incumprimento por parte da 1ª R. e dá lugar a uma indemnização a favor da A. no valor pago à Caixa ... acrescido de juros de mora.
No que concerne à 2ª R., e caso não se considere abusiva a atuação da 1ª R., então face ao alegado contrato de subempreitada entende que deve ser ressarcida pela 2ª R. no mesmo valor, que corresponde ao dano patrimonial sofrido, invocando para o efeito o exercício de direito de regresso uma vez que a 2ª R. é responsável pelo regular funcionamento dos materiais e equipamento de AVAC –artºs. 1226º do C.C. e 39º do C.P.C..
O pedido consiste então no pagamento de € 57.400,00, acrescido de juros à taxa comercial no valor à data de € 2.289,71, valores que a 1ª R. deve ser condenada a pagar-lhe, ou, se assim não se entender e subsidiariamente, a 2ª R..
As R.R. contestaram, excecionando, além do mais, a incompetência material deste Tribunal.
A A. pronunciou-se quanto à invocada exceção.
*Foi dispensada a realização de audiência prévia.
Foi fixado o valor da ação.
Foi proferida decisão que declarou a incompetência em razão da matéria do Juízo Central Cível de Guimarães, absolvendo, consequentemente, as R.R. da instância (arts. 96º, al. a), 97º, n.º 1, e 99º, n.º 1, do CPC). Mais foram imputadas as custas à A..
*Inconformada, veio a Autora interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- 1. A Autora discorda da decisão do douto Tribunal a quo, que considerou que os Tribunais Comuns/Judiciais não são materialmente competentes para apreciar e decidir a presente ação.
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O litígio em discussão na presente ação não emerge de um contrato antecedido de um procedimento pré-contratual tramitado nos termos do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho.
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Ou seja, não se discute o contrato de empreitada celebrado entre a Apelante e a 1.ª Ré (este sim, sujeito às regras da contratação pública), estando o litígio única e exclusivamente relacionado com o incumprimento do contrato de garantia bancária, um contrato cuja celebração e execução estão sujeitas a regras de direito civil, privado e bancário.
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Consequentemente, o pedido principal formulado pela Apelante é de condenação da 1.ª Ré “a pagar” (…) “uma indemnização no valor de € 57.400,00, correspondente ao valor pago pela Apelante à Caixa ... por força do acionamento abusivo da Garantia Bancária”.
Assim, 5. A relação jurídica que aqui releva, para determinação da competência material dos tribunais, é a relação resultante do contrato de garantia bancária, contrato atípico e inominado de onde emerge uma relação jurídica entre a Apelante, a 1.ª Ré e a Caixa ..., sujeita a regras próprias, de natureza civil e bancária.
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Tendo já o Tribunal de Conflitos decidido no sentido da legitimidade material dos Tribunais Comuns para julgar um litígio emergente de um contrato de garantia bancária celebrado em consequência e em cumprimento de um contrato de empreitada de obra pública, em Acórdão proferido no processon.º029/12, de 05.11.2013, disponível em www.dgsi.pt.
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Aposição do Tribunal de Conflitos é clara: estando em causa o acionamento da garantia prestada – garantia autónoma à primeira solicitação -, a questão não se pode subsumir no artigo 4.º, n.º 1, al. e) ou f) do ETAF, cabendo a resolução do litígio aos Tribunais Comuns.
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O mesmo entendimento se tem relativamente ao pedido subsidiário da presente ação.
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O pedido subsidiário dirigido à 2.ª Ré funda-se na existência de um direito de regresso da Apelante, legalmente consagrado no artigo 1226.º do CC, que se constituiu na sua esfera por força da lei e em consequência da celebração com a 2.ª Ré de um contrato de subempreitada.
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Também quanto a esta questão, a jurisprudência do Tribunal de Conflitos vai no sentido de considerar competentes para julgar os Tribunais Comuns/Judiciais (cfr. douto Acórdão do Tribunal de Conflitos proferido no processo 067/17, de 07.06.2018, disponível em www.dgsi.pt).
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Não enquadrando nenhuma das questões em qualquer uma das alíneas do artigo 4.º do ETAF.
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Assim, e salvo o devido respeito, mal andou o douto Tribunal a quo ao decidir pela incompetência material do Juízo Central Cível de Guimarães para apreciar o litígio, tendo com tal decisão violado o artigo 64º do CPC.
Termina pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, se julgar competente em razão da matéria o Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Guimarães, Juiz 2.
*A Ré Y – ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO LOCAL DO ..., IPSS apresentou contra-alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- 1 – A douta sentença proferida pelo tribunal recorrido, que considerou materialmente incompetentes os tribunais judiciais para a apreciação do presente litígio, e que, em consequência, absolveu as RR. da instância, não merece reparo.
2 – A competência material dos tribunais é definida pelo objeto da ação, tal como esta vem intentada pelo respetivo autor, correspondendo esse objeto ao pedido que decorra, logica e racionalmente, da causa de pedir.
3 – A invocação de matéria de facto, por parte do autor, que coloca o tribunal na posição de julgar de um cumprimento ou incumprimento de um contrato administrativo determina, através do recurso às normas processuais aplicáveis, a competência material da jurisdição administrativa para a apreciação do litígio.
4 – Aquilo que a Apelante pretender ver discutido nestes autos sob recurso não é mais, nem coisa diferente, do que a apreciação judicial do seu cumprimento, ou incumprimento, de um contrato de empreitada de obra pública celebrado com a 1ª Ré.
5 – Os contratos de empreitada de obra pública são contratos públicos e contratos administrativos (disposições conjugadas do nº 5 do artigo 1º, do artigo 280º e do artigo 343º do Código dos Contratos Públicos).
6 – A garantia bancária prestada pela Apelante à 1ª Ré, nos termos e modalidades respetivas, não correspondeu a um negócio jurídico celerado a partir da vontade das partes, assente no princípio da liberdade negocial, tendo correspondido, isso sim, ao estrito cumprimento de uma obrigação...
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