Acórdão nº 449/20 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 449/2020

Processo n.º 656/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) foi condenado, em primeira instância (em conjunto com outros arguidos), no âmbito do processo n.º 38/16.6PFEVR, do Juízo Central Cível e Criminal de Évora, por acórdão de 27/09/2019, na pena única de 8 anos de prisão, em cúmulo jurídico de penas parcelares aplicadas pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

1.1. Desta decisão recorreu o mesmo arguido para o Tribunal da Relação de Évora, impugnando a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada. Nesse quadro processual questionou, ainda, a qualificação jurídico-criminal dos factos e pugnou pela redução da pena aplicada.

1.1.1. Pelo Tribunal da Relação de Évora foi proferido acórdão, datado de 28/04/2020, negando provimento ao recurso, mantendo, pois, a condenação na pena única de oito anos e os factos e a subsunção jurídico-penal destes realizada pela primeira instância.

1.1.2. O Recorrente arguiu a nulidade desta decisão, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, arguição que viu indeferida por acórdão do mesmo tribunal de 26/05/2020.

1.1.3. Pretendeu, então, o referido arguido recorrer deste acórdão de 26/05/2020 (o que negou a existência de nulidades) para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Este recurso foi objeto de um despacho de não admissão, por parte do Senhor Desembargador relator, com fundamento no disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP), considerando a pena única de 8 anos de prisão aplicada em 1.ª instância e a confirmação do julgamento desta pelo Tribunal da Relação.

1.1.4. O Recorrente reclamou da decisão referida no item anterior, nos termos do artigo 405.º do CPP. Da reclamação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

49.º

E não se diga, que a Decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, não é suscetível de recurso, por o arguido ter sido condenado numa pena única de 8 anos de prisão.

50.º

Pois o acórdão é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de inconstitucionalidade, por ir contra o princípio fundamental da recorribilidade em pelo menos um grau das decisões judiciais limitadoras da liberdade contido no artigo 32.º da CRP – inconstitucionalidade que desde já se alega e requer para os devidos efeitos legais.

51.º

Por outro lado, mesmo que fosse identificada uma norma travão, tratar-se-ia, in casu, de norma inconstitucional, porque infratora do princípio fundamental da recorribilidade em um grau.

[…]

55.º

O problema, a arguida nulidade, de omissão de pronúncia, foi na verdade, arguido perante o tribunal de Segunda Instância o Tribunal da Relação de Évora, que sobre ele se debruçou pela primeira e única vez.

56.º

Logo tem de haver lugar a recurso, pelo menos a um grau de recurso.

57.º

Mas se for entendido que, pelo contrário, se trata apenas da mesma questão sob a regulamentação diferente, então o recurso justifica-se pela intolerabilidade em abstrato do erro palmar de direito.

58.º

Em processo penal como é o caso dos autos, que é o direito mais diretamente ligado às liberdades e garantias constitucionais, um erro deste tipo corresponde afinal à contra aplicação direta de uma norma fundamental.

59.º

Assim, em confronto direto com o artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.5. Pela Senhora Conselheira Vice-Presidente do STJ, foi proferido despacho, datado de 27/07/2020, no sentido do indeferimento da reclamação. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

6. No caso em apreço foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de 26 de maio de 2020 que indeferiu a arguição de nulidades do acórdão da Relação, anteriormente proferido que manteve a decisão da 1.ª instância que condenara o ora reclamante na pena única de 8 anos de prisão

O acórdão, que se pronunciou sobre as nulidades de 26 de maio, não tem autonomia em relação à decisão sobre o mérito e apenas se compreende como incidental desta.

Mas, sendo assim, em matéria de recorribilidade não poderá ter pressupostos diferentes da decisão que complementa pelo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.

Com efeito, o acórdão que conheceu do mérito confirmou a decisão da 1.ª instância que condenara o arguido em pena de prisão não superior a 8 anos.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP).

7. Por seu turno, mesmo que se considerasse que o acórdão de 26 de maio teria autonomia em relação ao acórdão condenatório, também o recurso não seria admissível.

A alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo”.

O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.

No caso concreto, o acórdão de 26 de maio de 2020 de que o reclamante pretende recorrer, ao indeferir a arguição de nulidades do acórdão condenatório não conheceu do objeto do processo, porque não decidiu sobre a culpabilidade e a pena, mas antes de uma questão lateral relacionada com a competência própria da Relação, precisamente por o acórdão condenatório, não ser suscetível de recurso.

8. Por outro lado, embora o reclamante não aborde expressamente o fundamento (só refere que o Tribunal da Relação apreciou pela primeira e única vez as nulidades arguidas), a decisão de que de pretende recorrer não foi proferida pela Relação em primeira instância com o sentido em que o pressuposto está estabelecido no artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, já que a questão invocada pelo reclamante foi proferida em instância de recurso, apreciando no âmbito e por ocasião do recurso a arguição de nulidade por omissão de pronúncia do acórdão anteriormente proferido.

9. Na argumentação do reclamante o único direito que considera restringido seria o direito ao recurso.

O artigo 32.º n.º 1, da CRP, apesar de garantir o direito ao recurso em processo criminal, não o impõe em todos os casos.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, “(…) o princípio constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o direito de recorrerem de quaisquer atos judiciais que, no decurso do processo, tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros dos seus direitos fundamentais” — Acórdão do T.C. n.º 209/90, de 19-06-90, BMJ, 398, p.152.

O acórdão de que pretende recorrer ao indeferir a arguição de nulidade, não é condenatório, nem afeta o direito à liberdade ou outros direitos fundamentais do reclamante.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes:

“[…]

Todas as questões Constitucionais, objeto do presente Recurso de Constitucionalidade, foram todas elas já suscitadas ao longo de todo processo, nomeadamente, no âmbito do recurso interposto para o STJ e, ainda, no âmbito da reclamação para o Presidente do STJ.

Pretendendo o ora Recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação pelo Tribunal da Relação da Relação de Évora e pelo Supremo Tribunal Justiça, que perfilhou o entendimento já levado a cabo das seguintes normas:

Artigo 400.º, n.º 1, als. c) e f), do CPP, por violação dos artigos 18.º e 32.º da CRP

O Arguido, ora Recorrente, interpôs recurso da decisão final – acórdão condenatório, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado improcedente o recurso interposto pelo Arguido.

Entendeu modestamente o Arguido ora recorrente que a decisão proferida padecia de nulidade de falta de fundamentação relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes e da nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

Porquanto o acórdão proferido não dedicou uma só palavra relativamente à motivação de recurso expendida relativamente a tal crime.

O Arguido suscitou as questões, que deveriam ter sido alvo de apreciação condigna e adequada.

O recorrente identificou desde logo os crimes relativamente aos quais interpunha o seu recurso, identificou os concretos pontos de facto que mereciam decisão diversa da recorrida, identificou as concretas provas.

O Arguido ora Reclamante tratou separadamente cada um dos crimes e fez constar das suas conclusões quer os pontos que mereciam a sua discordância, quer as provas, quer toda a sua argumentação.

Contudo, o Acórdão proferido não se pronuncia, sequer relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

Embora no acórdão que recaiu sob o requerimento de arguição de nulidades venha referir que se pronunciou relativamente ao crime de detenção de arma proibida, contudo, não refere onde nem de que forma.

Toda a fundamentação do acórdão proferido é relativa ao...

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