Acórdão nº 576/20.6BELSB-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório N….. - Inspecções a Veículos, S.A, requerente e ora Recorrente não se conformando com a sentença do TAC de Lisboa de 19.05.2020, que absolveu da instância o Requerido, ora Recorrido, IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

por considerar que no caso em apreço à Requerente, e ora Recorrente, não assistia legitimidade ativa para propor a providência cautelar em causa, veio da mesma interpor recurso jurisdicional.

Em sede de alegações de recurso, culminou com as seguintes conclusões: «(…) a) Da alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA resulta a atribuição legitimidade processual activa de operadores económicos já instalados quando estes se defendem de concorrência ilegítima, porque desprovida de titularidade legal para o efeito; b) Pode mesmo afirmar-se que o sector da actividade de inspecção de veículos constitui justamente um dos sectores concretos de actividade económica em que essa legitimidade dos operadores instalados é inegociável, visto que a distância entre centros consiste justamente num dos critérios basilares escolhidos pelo legislador para condicionar, autorizar ou impedir a abertura de novos centros (cfr. artigo 2.° da Lei n.° 11/2011), sendo até imposto como um dos critérios de preferência para selecção das candidaturas (cfr. alínea b) do n.° 5 do artigo 6.° do mesmo diploma); c) A procedência da excepção dilatória julgada pelo Tribunal a quo, contrariando em absoluto toda a jurisprudência que os Tribunais superiores emitiram nesta matéria, implicaria que, na prática, se tornariam inimpugnáveis os actos administrativos nos quais um ente público conferisse ilegalmente uma posição de vantagem a um sujeito procedimental: nenhum sujeito que poderia ser prejudicado pelo acto ilegal receberia legitimidade processual para a sua impugnação; e os sujeitos que detêm essa legitimidade processual (por serem parte do procedimento em causa) seriam apenas aqueles que não podem ser prejudicados pelo acto ilegal; d) Em consequência, a Douta Sentença recorrida aplicou uma norma inconstitucional, que desde já se argui para o efeito do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 280.° da Constituição e na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional; e) Em concreto, aplicou a alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA de acordo com o sentido interpretativo de que o "interesse directo e pessoal" que recorta a legitimidade processual activa para impugnação de um acto administrativo é mais restrito do que o conceito de lesado, consagrado no n.° 4 do artigo 268.° da Constituição, não abrangendo todos os sujeitos que sejam lesados na sua esfera jurídica por actos administrativos; f) Esta interpretação normativa é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da Constituição; g) Nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA - sobretudo à luz da interpretação constitucionalmente imposta -, a ora Recorrente é parte legítima no presente processo; h) Razão pela qual deve ser revogada a Douta Sentença recorrida, por não estar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa; i) Nos termos do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 149.° do CPTA, inclui-se nos poderes do "tribunal de recurso [...] decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito"; e, em especial, "se, por qualquer motivo, o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida"; j) Assim, na medida em que se não encontra verificada a excepção (erradamente) julgada procedente pelo tribunal recorrido, incumbe ao Tribunal ad quem conhecer do mérito da causa; k) Para o efeito do primeiro dos três requisitos cumulativos fixados no n.° 1 e o n.° 2 do artigo 120.° do CPTA para a adopção de uma providência cautelar, a gravidade dos vícios apontados aos actos administrativos suspendendos de 23 de Julho de 2019 e de 5 de Março de 2020 é tão palmar que torna clara a convicção acerca da procedência que obterá a acção principal; l) O primeiro dos actos suspendendos consiste numa Deliberação que, na terminologia que lhe foi conferida pelo seu Autor, estaria (aparentemente) destinada a prorrogar o prazo de vigência de um contrato de gestão de um centro de inspecção de veículos automóveis, de modo a impedir a cessação da sua vigência; m) Sucede que esse contrato já havia caducado e cessado a sua vigência - aliás, mais de dois anos antes! -, não podendo ser sequer objecto de prorrogação, n) Essa caducidade havia ocorrido ope iegis, por aplicação de uma solução que o legislador decidiu fixar de forma automática; o) Portanto, a Entidade Demandada pretendeu aprovar um acto administrativo que permitisse replicar o contrato que já caducara dois anos antes, p) Fê-lo, ademais, ignorando flagrantemente o disposto na alínea a) do n.° 4 do artigo 9.° da Lei n.° 11/2011, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 26/2013, de 19 de Fevereiro, que determinou a caducidade automática do contrato de gestão, bem como na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.° do mesmo diploma, que determinou a cessação da vigência do contrato nesse caso de caducidade; q) Pelo contrário, o Conselho Directivo do IMT aprovou, pelo n.° 2 da Deliberação de 8 de Fevereiro de 2016 e, em sua concretização, pela Deliberação de 4 de Outubro de 2016, do Conselho Directivo do IMT, uma derrogação regulamentar de uma norma lega, autorizando o IMT a suspender o prazo de caducidade do contrato de gestão de acordo com um juízo de inimputabilidade à entidade gestora, para cuja competência a lei nunca o habilitou; r) Em consequência disso, o IMT aceitou proceder a um dos vícios mais flagrantes que o nosso ordenamento jurídico concebe: a preterição total de um inteiro procedimento administrativo legalmente devido; s) Não se trata de uma mera falha ou deficiência procedimental, mas sim da total omissão daquilo que o nosso sistema jurídico descreve como procedimento administrativo: a inteira "sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública" (cfr. n.° 1 do artigo 1.° do CPA); t) E isto porque - tal como a doutrina e a jurisprudência pacificamente passaram a reconhecer -, quando um anterior contrato não prevê nem contém essa virtualidade inicial de vigorar por mais tempo, o novo acordo corresponde a uma novação contratual, isto é, à celebração de um novo contrato - mesmo que todos os seus demais termos se mantenham intactos com excepção do prazo; u) Na ausência de uma verdadeira prorrogação, procede-se então ao "estabelecimento de uma nova relação contratual", mesmo quando, "de um modo geral, se assemelha, em termos subjectivos e objectivos, à inicialmente constituída"; v) Portanto, enquanto novo contrato, ele nasce, na prática, através de uma "nova adjudicação' - isto é, um novo acto de adjudicação, ainda que dissimulado através de uma distinta qualificação que as partes lhe confiram, como a da alegada "prorrogação" do contrato anterior; w) Esse acto de aprovação do novo contrato de gestão com a Contra- Interessada, por não ser precedido de qualquer procedimento legalmente devido, encontrou-se, pois, imediatamente ferido de nulidade, nos termos do disposto na alínea l) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA; x) E tornou-se também inapto a "produzir quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade" (cfr. n.° 1 do artigo 162.° do CPA); y) Por conseguinte, também o subsequente acto administrativo de 5 de Março de 2020, que, na sequência do primeiro, procedeu à efectiva aprovação do Centro de Inspecção, constituindo uma sua pura decorrência lógica, é um acto consequente de um acto administrativo ferido de nulidade e insusceptível de produzir efeitos jurídicos - pelo que também ele padece da mesma nulidade; z) Ainda que assim não fosse, o desvalor da anulabilidade que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT