Acórdão nº 957/11.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.

C.....

, magistrada do Ministério Público, Recorrente nos autos, notificada da decisão sumária proferida, não se conformando com o seu conteúdo, vem, ao abrigo do n.º 3 do artigo 652.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, requerer que sobre o recurso apresentado incida acórdão.

O Ministério da Justiça não respondeu.

A decisão sumária reclamada negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida do TAC de Lisboa onde havia sido concluído pela improcedência do pedido de condenação do ora Recorrido a fixar a remuneração suplementar que a A., ora Recorrente, reclama como contrapartida pelo exercício, invocado, de funções em regime de acumulação.

1.1.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635º, n.º 4, do CPC CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636º, n.º 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pela Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito proferida.

1.2.

Recapitulando as conclusões apresentadas no recurso interposto para este TCAS pela Recorrente.: I. Vem o presente recurso interposto do Saneador-Sentença proferido pelo TAC de Lisboa, de 30.01.2020, que, julgando improcedente a acção, absolveu o ora Recorrido do pedido, por entender que, atenta a matéria de facto dada como assente, não estaríamos aqui perante uma “acumulação de funções”, mas antes perante uma “distribuição de serviço", conforme decidido nos Acórdãos do STA, de 10.03.2016, proferido no processo n.° 01428/15 e do TCA Sul, de 02.06.2016, proferido no processo n.° 13278/16, arestos para os quais remete para efeitos de fundamentar tal decisão.

  1. A presente acção foi interposta como acção administrativa especial, com vista a obter a condenação do Recorrido a praticar os actos de fixação da remuneração suplementar devida, por acumulação de funções, nos termos do disposto nos preceitos normativos acima referidos, tendo sido determinada a respectiva convolação para acção administrativa comum, por erro na forma de processo, com fundamento em que em causa estaria a condenação “da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico- administrativas e não envolvam a emissão de um acto administrativo impugnável", conforme previsto no artigo 37.°, n.° 1, alínea e) do CPTA, na sua redacção inicial.

  2. A fundamentação de direito constante do Saneador-Sentença recorrido é feita, na íntegra, através de uma remissão em bloco para os aludidos Acórdãos do STA, de 10.03.2016 e do TCA Sul, de 02.06.2016, remissão essa que estava aqui absolutamente vedada, já que o legislador exige a especificação dos fundamentos de direito da decisão, sob pena de nulidade da sentença, conforme preceituado no artigo 615.°, n.° 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3 do CPTA.

  3. Logo, o Saneador-Sentença em crise é nulo por falta de especificação dos fundamentos de direito, nos termos dos preceitos normativos acima citados, nulidade essa que se invoca para os devidos efeitos legais.

  4. A questão controvertida nos presentes autos consiste em saber se a Recorrente, tendo, no período entre 25.02.1998 e 31.08.2008 exercido funções de representação do Ministério Público na 1.a Secção do 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, onde foi colocada pela Ordem de Serviço n.° 329, de 23.02.1998 e, posteriormente, entre 01.09.2008 e 01.07.2010, exercido funções de representação do Ministério Público na 3.a Secção do 6.° Juízo Criminal, onde foi colocada pelo Provimento n.° 5/2008, de 31.07.2008 e, em virtude de determinação hierárquica (em concreto, os Provimentos n.os 1/99 e 3/99, de 15.01.1999 e de 20.09.1999 e o referido Provimento n.° 5/2008), desempenhado funções próprias dos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Instrução Criminal, mais concretamente no DIAP de Lisboa, se encontrava numa situação de acumulação de funções que, nos termos do artigo 63.°, n.° 6 do EMP, confira o direito à atribuição da remuneração suplementar.

  5. Efectivamente, e em virtude de determinação hierárquica, a Recorrente cumulou, para além do serviço próprio dos Juízos mencionados, funções próprias dos magistrados do Ministério Público no Tribunal de Instrução Criminal, que cabem no conteúdo funcional dos magistrados do Ministério Público junto do DIAP de Lisboa, nos termos do artigo 73.°, n.° 1, alínea a) do EMP, assegurando, entre 01.09.2008 e 01.07.2010, a investigação e direcção penal em processos de inquérito e a instrução de inquéritos nos processos abreviados, entre 25.02.1998 e 31.08.2008.

  6. Não obstante, considerou o TAC de Lisboa não estarem aqui preenchidos os requisitos dos quais depende o direito à remuneração suplementar pela acumulação de funções, atenta a jurisprudência vertida nos aludidos Acórdãos do STA e do TCA Sul, da qual decorre, em síntese, que a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto “o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos"; um acto motivado por "acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimentos do seu titular, por período superior a 15 dias”; um acto precedido de “prévia comunicação” ao CSMP; e um acto cuja “medida” não pode vigorar por mais de seis meses".

  7. Sucede que a Recorrente não pode conformar-se com a jurisprudência supra exposta, desde logo, pelo facto de, no período em que a mesma acumulou funções, valer o entendimento {vertido, nomeadamente, no Parecer n.° 499/2000, de 16.06.2004, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e no Acórdão do STA de 07.02.2001, proferido no Processo n.° 33679) segundo o qual, à luz do disposto nos n.os 4 e 6 do artigo 63.° do EMP, aplicáveis por força do n.° 4 do artigo 64.° do EMP, na redacção então em vigor, aplicável in casu, para que tal acumulação se verificasse e surgisse o correspectivo direito à remuneração suplementar, teriam que estar verificados cumulativamente os seguintes pressupostos: i) acumulação de funções para além daquelas compreendidas no respectivo cargo (afecto a um determinado tribunal, juízo, vara, departamento, serviço ou lugar) com outras correspondentes a cargo atribuído {ou a atribuir) a outro magistrado, ao qual corresponde um lugar no respectivo quadro; ii) por motivos de acumulação de serviço, falta ou impedimento do titular do segundo cargo; iii) que tal acréscimo de funções resultasse de determinação hierárquica; iv) e que a mesma se prolongasse por período superior a 30 dias.

  8. Ou seja, ao longo de todo o período em que se verificou a acumulação de funções, nunca foi imposto, desde logo pelos Tribunais Superiores, qualquer acto administrativo revestido das formalidades que vêm sendo exigidas pela jurisprudência mais recente para que surja o direito patrimonial correspectivo.

  9. Ora, não há dúvidas que no presente caso ocorreu uma situação de acumulação de funções, já que, aplicando-se o referido entendimento doutrinário e jurisprudencial vigente à data do exercício de funções em acumulação pela Recorrente, as funções compreendidas no cargo a que a mesma estava afecta encontravam-se delimitadas pela competência dos Juízos Criminais e dos juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, tal como definida, respectivamente, pelos artigos 100.° e 102.° da LOFTJ então em vigor.

  10. Isto é, o conteúdo funcional do cargo da Recorrente estava circunscrito a representar o Ministério Público nos actos judiciais próprios dos Juízos Criminais de Lisboa e dos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

  11. Ora, o EMP institucionalizou os chamados Departamentos de Investigação e Acção Penal, conforme decorre dos artigos 70.°, 72.° e 73.° do EMP, na redacção então vigente, em especial a alínea a) do n.° 1 deste último, tendo sido estabelecidos os respectivos quadros e as regras de provimento dos magistrados do Ministério Público nestes quadros (cfr. artigo 120.° do EMP).

  12. Assim, na Comarca de Lisboa, a direcção do inquérito e o exercício da acção penal cabem ao DIAP de Lisboa, estando tais funções, ab initio, excluídas do conteúdo funcional do cargo dos magistrados do Ministério Público colocados nos Juízos Criminais de Lisboa e nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, como era o caso da Recorrente, o que leva a que a ampliação do âmbito das funções exercidas pela Recorrente consubstancie uma acumulação relevante para efeitos do disposto nos artigos 63.° e 64.° do EMP, já que se verificam os demais requisitos aplicáveis à data em que tal acumulação se verificou (a acumulação de funções em virtude de determinação hierárquica e a sua duração ininterrupta por mais de 30 dias).

  13. Pelo que andou mal o Tribunal ao remeter, sem mais, para a jurisprudência assinalada e que faz tábua rasa do regime legal vigente à data a que se reporta a factualidade em causa nestes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT