Acórdão nº 299/17.3GBASL-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Inquérito que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, J2, por despacho proferido em 04-05-2020, a Mmª. Juíza manteve a medida de prisão preventiva ao arguido (…) à data indiciado pela prática de crimes de roubo qualificado, furto qualificado e burlas.
Inconformado com tal decisão o arguido interpôs o presente recurso, com as seguintes conclusões: 1. Atenta a situação excecional provocada pela pandemia do Covid 19, o arguido requereu a alteração da sua MC de Prisão Preventiva, pugnando que a mesma fosse revogada e substituída pela MC de OPHVE a cumprir na morada do TIR.
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Após a entrada em vigor da Lei 9/2020, o arguido requereu a nulidade/irregularidade do Despacho que manteve a MC de prisão preventiva, o qual referia sem mais que o arguido era saudável, não resultando dos autos de que sofresse de qualquer doença ou patologia.
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Contudo, tal não corresponde, de todo à verdade, sendo o arguido portador de Hepatite C e HIV, sendo que o arguido solicitou os respetivos relatórios médicos aos Serviços Clínicos do Estabelecimento Prisional onde se encontra recluído, os quais juntou aos autos.
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Sucede que, pese embora o arguido padeça de duas patologias crónicas graves, o Merítissimo Juiz do Tribunal a quo, proferiu o Despacho recorrido com a referência 90261927.
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Pugnando na presente peça Recursória que o Despacho alvo do presente Recurso, seja revogado e substituído por outro que aplique ao Arguido ora Recorrente, Medida de Coação não privativa da liberdade, ou em última ratio, a Medida de Coação de Obrigação de Permanência na Habitação sob Vigilância Eletrónica.
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De facto, o arguido ora recorrente não se conforma, nem pode de modo algum conformar-se com o entendimento plasmado no despacho recorrido.
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O arguido ora recorrente, requereu alteração da MC de prisão preventiva tendo em conta a situação excecional provocada pela pandemia de Covid 19.
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De facto, o racíocinio do arguido não foi de todo descabido, pois houve até a necessidadede legislar tal matéria.
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O legislador criou o art.º 7º, impondo desde logo que todas as MC de prisão preventiva fossem revistas, independentemente do decurso do prazo de 3 meses.
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Reforçando desde logo, que sobretudo quando os arguidos estiverem em alguma das situações previstas no nº 1 do art.º 3 da Lei 9/2020 de 10/04.
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Pese embora, para haver lugar à aplicação do indulto os requisitos sejam cumulativos, ou seja, idade igual ou superior a 65 anos e doença física ou psíquica ou grau de autonomia incompatível com a normal permanência em meio prisional.
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A verdade é que, no art.º 7º o legislador expressamente previu que todas as MC de Prisão Preventiva, deveriam ser revistas independentemente do prazo de 3 meses, sobretudo quando os reclusos estiverem em alguma das situações previstas no art.º 3º nº 1.
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Ou seja, em primeiro lugar o legislador previu a necessidade de rever todas as MC de prisão preventiva, sobretudo, quando os reclusos estiverem em alguma das situações presvistas nº art.º 3 nº 1.
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Assim, não previu que tais requisitos se verificassem cumulativamente, ao invés previu expressamente: em alguma das situações, querendo com isto dizer, ou na situação de idade igual ou superior a 65 anos, doença física ou psíquica, grau de autonomia incompativel com a normal permanência em contexto prisional.
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Não se conformando o arguido com o despacho proferido, uma vez que, a Meritissima Juiz do Tribunal a quo entendeu que os requisitos eram cumulativos, e que o arguido não preenchia o requisito da idade.
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O que de todo não corresponde à verdade, o legislador foi expresso quandquando escreveu “ em alguma das situações”.
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Por outro lado, dizer-se que o arguido ainda que sofra de hepatite c e HIV, tais problemas não são incompativeis com a atual situação de reclusão, ainda que no atual contexto de pandemia, mormente sujeito à necessária medicação adequada a tais problemas, é uma atrossidade.
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O VIH é o vírus da imunodeficiência humana que causa a SIDA. O vírus ataca e destrói o sistema imunitário do nosso organismo, isto é, destrói os mecanismos de defesa que nos protegem de doenças.
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Naturalmente, e sem serem necessários grandes conhecimentos na área da medicina, facilmente se conclui que os doentes com HIV são doentes de risco para o Covid 19.
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Por outro lado, não se diga que o facto do arguido estar sujeito à medicação adequada, no caso, toma retrovirais diariamente o protege por si só do Covid 19.
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O arguido não sendo saudável, está mais suscetível a ser contagiado e mais suscetivel a desenvolver uma infeção grave, uma vez que, as suas defesas são muito mais baixas que as de qualquer outra pessoa que não padece de HIV.
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Se o art.º 7º da Lei 9/2020 não se aplica ao arguido, aplica-se então em que situações.
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Por outro lado, a necessidade de criação desta Lei deveu-se como a Merítissima Juiz a quo bem sabe, ao facto da população reclusa ser uma população de alto risco.
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Atenta a sobrelotação dos Estabelecimentos Prisionais, atentas as conhecidas defeciências a nível alimentar, atento o grande número de toxicodependentes e portadores de HIV, e atentas ainda as dificuldades de higiene da própria população e dos espaços.
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Foi por essas razões que o Parlamento Português, aprovou, na tarde quarta-feira dia 8 de Abril de 2020, um regime especial que permitisse libertar milhares de reclusos.
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O objetivo, foi exatamente o de diminuir a lotação das cadeias.Tal medida, foi amplamente defendida por entidades de apoio aos direitos humanos e especialistas em saúde pública.
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A ministra da Justiça, Dra. Francisca Van Dunem, foi pessoalmente ao Parlamento para apresentar os argumentos pela libertação dos reclusos em Portugal, que tem a quarta população prisional mais envelhecida da Europa."Nós estamos aqui a falar de atos de graça em um contexto que pode haver muitas mortes. Não vale a pena demonizarmos o perdão. A única ideia que nos move é evitar uma catástrofe", disse Van Dunem."Estudos indicam que um caso de Covid-19 nos estabelecimentos prisionais permite, numa semana, uma contaminação de 200 reclusos, e a partir daí os dados são geométricos. A propagação do vírus numa cadeia faz-se como um rastilho", completou.
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Em nota, o Ministério da Justiça destacou ainda, que a medida visa proteger também os funcionários das prisões e que segue um apelo feito pela ONU "para que os países membros estudassem formas de proteger os reclusos particularmente vulneráveis à Covid-19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco.
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Também a OMS (Organização Mundial de Saúde) venha chamando a atenção para o risco de transmissão nas prisões e da necessidade de os países criarem planos de resposta, a questão prisional é polêmica em várias partes do mundo.
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No caso dos autos, veio o arguido ora recorrente requerer a substituíção da MC de Prisão Preventiva pela MC de OPHVE, ou seja, uma MC igualmente privativa da liberdade.
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Como é reconhecido por todos, o artigo 27º, da CRP, consagra o princípio geral do direito à liberdade e segurança, contemplando as apertadas exceções que existem em relação ao mesmo.
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A aplicação das medidas de coação está enquadrada na confluência de valores antagónicos: de um lado, a procura da verdade e da segurança; de outro, a dignidade da pessoa humana.
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Para a convergência dos valores neste difícil equilíbrio, em que se deve ter sempre presente o princípio da presunção de inocência do a arguido, o legislador sujeitou a aplicação das medidas de coação a vários princípios (a ponderação abstrata), que se devem entender como regras regulamentadoras da decisão do caso em apreciação pela autoridade judiciária (a ponderação concreta), do objetivo dali resultante, a compatibilização prática dos indicados valores.
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Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excecional das medidas de coação, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
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Por isso, compreende-se que se imponham vários princípios processuais para a aplicação de tais medidas de coação, desde logo, os de necessidade, legalidade, tipicidade, proporcionalidade e adequação, especialidade e subsidiariedade (quanto à prisão preventiva).
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Para aplicação desta MC tem que se aferir, através de factos concretos e objetivos, do perigo de fuga (este perigo tem que ser concreto e atual) do perigo da continuação da atividade criminosa e terá que se concluir, com base em factos concretos e objetivos, que mais nenhuma MC se revelam suficientes e adequadas a acautelar tais perigos.
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A natureza excecional e subsidiária da prisão preventiva estão, desde logo, consagradas no art.º 28 nº 2 da CRP.
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Com a revisão operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, também a OPH assume natureza subsidiária, como impõe o nº 2 do art.º 193.
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Como resulta dos preceitos constitucional e legal referidos, a prisão preventiva e a OPH, ainda que adequadas e proporcionais à gravidade do crime indiciado, só podem ser aplicadas quando as restantes medidas de coação se revelarem insuficientes ou inadequadas ao caso concreto.
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Assim se outras medidas de coação se revelarem de igual forma suficientes e adequadas face às exigências cautelares de um concreto processo penal em curso, não deverão ser escolhidas quer a prisão preventiva, quer a Obrigação de Permanência na Habitação, em obediência ao princípio da subsidiariedade de ambas.
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Efetivamente, não pode nunca perder-se de vista o princípio constitucional da presunção de inocência, que impõe que...
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