Acórdão nº 145/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório L..., natural da Gâmbia, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a ação que intentou contra o Ministério da Administração Interna, na qual havia peticionado a anulação do despacho de 26.12.2019, da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional por si apresentado pelo A., assim como indeferiu a consequente condenação em apreciar o pedido em causa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) A. O A. apresentou o pedido de proteção internacional, em 11/11/2019, no GAR do SEF (MAI), ali registado no processo nº 1827/19.

B. B. Foi emitida a Informação nº 2414/GAR/19, de 26/12/2019, subscrit pela Drª C..., do Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR) do SEF, que serviu de fundamento à decisão impugnada.

C. Não consta daquela informação qual o teor ou a passagem das declarações do A. que terão levado a que tivesse sido confirmado o “Case ID IT1...R8”, de 28/11/2016, e o “Case ID ...9JA, ambos inserido por Itália, relativamente ao mesmo A., interferindo ou condicionando dessa forma a Decisão recorrida.

D. E também não estão expressas na mesma Informação as “outras situações pertinentes para a aplicação correta dos critérios enunciados no Regulamento Dublin…” E. Na mesma Informação nº 2414/GAR/2019, do SEF, de 26/12/2019, também nada se diz quanto à forma utilizada na apresentação desse mesmo pedido.

F. Nem tão pouco, se indica qual a forma utilizada pelo GAR, em 26/12/2019, na informação dada às autoridades italianas sobre o prazo de 2 semanas que estas dispunham para se poderem pronunciar sobre aquele pedido… e, se efetivamente, aquelas autoridades receberam, ou não, tal notificação.

G. Não se encontra devidamente fundamentada naquela Informação nem na Decisão recorrida, a aceitação ou admissão, expressa ou mesmo tácita, por parte das autoridades italianas, quanto ao pedido de retoma a cargo destas, ocorrendo, assim, vício de forma e de violação de lei, e erro nos seus pressupostos, devendo, por isso, a decisão ser revogada ou anulada.

H. Conforme o art. 20º, nº1, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na atual redação, o Diretor do SEF deve proferir a decisão fundamentada sobre os pedidos (infundados e inadmissíveis) no prazo de trinta (30) dias a contar da apresentação do pedido de proteção internacional.

I. O que não aconteceu, pois, tendo o requerimento sido apresentado pelo requerente, ora A. em 11/11/2019, foi a decisão tomada somente em 26/12/2019 ( 1 mês e meio depois) e notificada ao A. em 10/01/2020… (15 dias depois…).

J. De acordo com o nº 2 do mesmo art. 20º da Lei nº 27/2008, na falta de decisão dentro do referido prazo de 30 dias, considera-se admitido tal pedido.

K. Não podendo, assim, sob pena de flagrante ilegalidade, o acto expresso posterior revogar acto tácito anterior que conferira direitos adquiridos ao A.

L. Assim, quer por falta de fundamentação da decisão, quer por falta de cumprimento do prazo para a decisão – caducidade – quer por a decisão ter revogado acto tácito com direitos adquiridos para o A.

, e atentos os vícios de forma e de violação de lei e erro nos pressupostos dali resultantes, deve ser revogado, ou anulado, o Despacho, constante da Decisão da Diretora Nacional Adjunta do SEF, Isabel Baltazar, de 26/12/2019, proferido em substituição (suplência) do Diretor Nacional do SEF, que considerou inadmissível, o pedido de proteção internacional apresentado pelo A. em 11/11/2019 e a sua consequente transferência para Itália.

M. O Tribunal a quo veio, no entender do recorrente, erradamente, decidir que não se encontra violado o dever de fundamentação do despacho impugnado.

N. O tribunal, salvo devido respeito, não ponderou nem apreciou… o teor ou a passagem das declarações do A. que terão levado a que tivesse sido confirmado o “Case ID IT1...T2J”, inserido por Itália, relativamente ao mesmo A., interferindo ou condicionando dessa forma a Decisão recorrida.); O. Nem mesmo o teor ou a passagem das declarações do A. que terão levado a que tivesse sido confirmado o “Case ID IT1...T2J”, inserido por Itália, relativamente ao mesmo A., interferindo ou condicionando dessa forma a Decisão recorrida.); P. E, apesar de ali se invocar a apresentação, em 11-12-2019, pelo GAR, de um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o certo é que nada se diz quanto à forma utilizada na apresentação desse mesmo pedido.

Q. Nem ali se indica também qual a forma utilizada pelo GAR, em 26/12/2019, na informação dada às autoridades italianas sobre o prazo de 2 semanas que estas dispunham para se poderem pronunciar sobre aquele pedido… e se efectivamente aquelas autoridades receberam, ou não, tal notificação.

R. Pelo que, não se encontra devidamente fundamentada na dita Informação – e, portanto, também na Decisão recorrida – a aceitação ou admissão, expressa ou mesmo tácita, por parte das autoridades italianas, quanto ao pedido de retoma, nos termos do art. 18º, nº 1, al. d) do Regulamento EU 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, concretamente, quanto à identificação do Estado responsável pela análise e apreciação do pedido de proteção, previsto no Cap. IV da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, na sua redação atual.

S. Ocorrendo, assim, ao contrário do entendimento da sentença apelada, o vício de forma por falta de fundamentação e flagrante violação de lei.

T. Logo, não podia ter sido decidida pelo SEF, como o foi, que é a Itália, o estado responsável pela retoma a cargo, do recorrente, ao abrigo do disposto no art. 25º, nº 2, do Regulamento (CE) nº 604/2013 do Conselho de 26 de Junho.

U. Devendo entender-se ser o Estado Português – e não o Estado Italiano – a decidir a questão da proteção internacional a favor do ora recorrente.

V. Tal proteção internacional é devida ao recorrente pelo Estado Português – pelo menos na vertente de Proteção Subsidiária – (art. 7º da Lei nº 27/2008, de 30/6, na redação dada pela Lei nº 26/2014, de 5/5), pois, pelas razões por aquele invocadas expressamente no SEF, encontra-se impedido ou sente-se impossibilitado de regressar ao seu País de origem, atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verificam – facto que é do domínio público.

W. A douta sentença apelada, ao decidir que o despacho impugnado cumpriu os requisitos impostos pelo art. 153º/1 do CPA e de não ter sido violado o dever de fundamentação fez, pois, errada interpretação e aplicação daquela norma.

X. O Recorrente também não pode ser “devolvido” agora a Itália, por razões de força maior e de saúde pública – como é do domínio público – atendendo à gradual disseminação e propagação em determinadas zonas da Itália do COVID – 19 (Corona Virus) com efeitos nefastos na sua população ali residente bem junto dos estrangeiros que por ali passam.

Y. Tal facto constitui sempre uma excepção à retoma do recorrente a cargo de outro país (no caso, a Itália) e que justifica que seja o Estado Português a conceder-lhe efectiva proteção internacional, na sequência do seu pedido apresentado em 11/11/2019 junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF.

Z. Igualmente, é omissa a sentença recorrida relativamente à gravidade da atual situação dos refugiados e da sua proteção internacional em Itália, o que também é do domínio público.

AA. A decisão impugnada e também a douta sentença apelada deveriam ponderar e decidir se, no caso concreto, se verificam, ou não, os motivos determinantes da impossibilidade da transferência, tal como referidos no 2º §, do nº 2, do art. 3º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.

BB. A aplicação da Convenção de Dublin, tal como do atual Regulamento de Dublin III, não dispensa as autoridades de verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao art. 3º no país de acolhimento, nomeadamente, um risco de refoulement, direta ou indiretamente, para o seu país de origem.

CC. Essa obrigação incumbe não só às autoridades administrativas e policiais (como o SEF), bem como à autoridades judiciais, mesmo através da invocação, conhecimento e tomada de decisão, ex officio, o que poderia, e deveria, ter sido feito, ex officio, na sentença recorrida.

DD. Como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente, no Acórdão de 21.12.2011 (Procs. Apensos C14 411/10 e C-493/10) « incumbe aos Estados – Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o “Estado-Membro responsável”, na aceção do Regulamento nº 343/2003, quando não possam (nem devam) ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado – Membro…».

EE. Assim sendo, não só a decisão do SEF, objecto do anterior recurso de impugnação, como a douta sentença apelada...

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