Acórdão nº 1250/19.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

O Instituto Português Do Sangue e Da Transplantação, I.P.

, e a sociedade D... S.L. – Sucursal em Portugal, vêm, no âmbito da presente acção de contencioso pré-contratual intentada pela C... S.L. – Sucursal Em Portugal contra aquele instituto, recorrer do saneador-sentença proferido pelo TAF de Sintra que: - anulou o acto que decretou a caducidade da adjudicação efetuada em favor da Autora, ora Recorrida; - anulou o ato de adjudicação a favor das contra-interessadas D... e Z...; - anulou “os actos consequentes, inclusive os contratos, se, entretanto, celebrados”; O Instituto Português Do Sangue e Da Transplantação, I.P., apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “A- Violação do disposto no artigo 55.º, n.º 1, al. e) do Código dos Contratos Públicos 1. A falta de comprovação da ausência do impedimento previsto na alínea e) do n. 1 do artigo 55.º do CCP, determina a caducidade da adjudicação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 81.º, conjugada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º, ambos do CCP.

  1. A Autora nunca invocou qualquer facto, ou circunstância, que não lhe fosse imputável e que tivesse originado a falta de comprovação de ausência de impedimentos à contratação pública, nem apresentou quaisquer razões para tal ter sucedido, pelo que a situação com que o IPST se confrontou, não se enquadrava no n.º 3 do artigo 86.º, que pressupunha a ausência de imputabilidade ao próprio concorrente.

  2. O que está subjacente ao impedimento à contratação previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea e), do CCP não é o valor da dívida ao Estado, mas sim o facto de haver uma dívida relativa ao incumprimento de obrigações fiscais.

  3. Na verdade, entendemos que a caducidade da adjudicação era a única forma de garantir a devida salvaguarda aos princípios da igualdade de tratamento e da concorrência no âmbito do procedimento em causa.

  4. Com efeito, o concorrente está impedido de participar no procedimento concursal, desde logo, no momento da apresentação da sua proposta, como decorre do artigo 55.º do CCP.

  5. Por tal razão é exigida a apresentação da Declaração correspondente ao Anexo I ao CCP ou o DEUCP.

  6. A inexistência de impedimentos tem de existir ao longo de todo o procedimento e, desde logo, no momento da apresentação da proposta, embora a sua comprovação só seja exigida após a adjudicação.

  7. Deste modo, não tendo sido demonstrada pelo concorrente a inexistência do impedimento referido na alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, no momento da apresentação da sua proposta, tinha de ser confirmada pelo IPST, IP, a declaração de caducidade da adjudicação.

  8. Note-se que, nos termos da alínea a) do artigo 456.º do CC, constitui contra-ordenação muito grave a participação de candidato que, no momento da apresentação da respectiva proposta, da adjudicação ou da celebração do contrato, se encontre em alguma das situações previstas no artigo 55.º do CCP.

  9. Como ensina ESTEVES DE OLIVEIRA (Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2014, Reimpressão da Edição de Maio de 2011, páginas 495, 496): A titularidade dos requisitos de habilitação – tanto os relativos à habilitação profissional quanto os relativos à idoneidade pessoal do artigo 55.º, com que a seguir nos debateremos - , embora a lei tenha deixado por afirmar uma regra de tamanho relevo, é uma exigência que impende sobre os concorrentes ao longo de todo o procedimento, desde o momento de apresentação de propostas até ao da celebração do contrato.

    Sobre a exigência da sua titularidade inicial (…) no sentido de que não pode aceder a um procedimento quem não detiver à data da apresentação da proposta (ou das candidaturas) os requisitos de habilitação exigidos.

    Temos a proposição por evidente.

    Quanto aos requisitos de idoneidade pessoal do artigo 55.º, ela é-o manifestamente – tanto que, em primeiro lugar, as declarações dos modelos I e II do Código, a apresentar com a proposta se referem à posse dos mesmos e que, em segudno lugar, a sua falta gera a exclusão da proposta, como mandam as alíneas c) dos artigos 146.º/2 e 184.º/2 do CCP.

  10. Já após a recente revisão do CCP, operada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, segundo LUÍS VERDE DE SOUSA (in Comentários à Revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, 2017, pág. 632) o regime previsto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP não permite ultrapassar ou suprir, indiscriminadamente, todo e qualquer vício de caracter formal (com sublinhados nossos): “não permite suprir o conjunto de aspetos formais da proposta a cuja violação o legislador (ou a entidade adjudicante, ao abrigo do seu poder de autorregulação procedimental associa a exclusão da proposta.

    Numa frase, o n.º 3 do artigo 72.º do CCP não parece permitir, sem mais (i.e. sem que o objetivo ou interesse específico subjacente à formalidade se mostre, em concreto, alcançado por outra via), que se ultrapasse as causas de exclusão de natureza formal, essencialmente previstas no n.º 2 do artigo 146.º do CCP. Na verdade, se a lei ou as peças do procedimento sancionam a violação de uma determinada norma de forma com a exclusão, o direito europeu é claro a determinar que a entidade adjudicante deve observar estritamente os critérios que o legislador lhe impôs ou que ela própria fixou, sob pena de violação dos mais elementares princípios da contratação pública, entre os quais os da igualdade de tratamento e da concorrência, erigidos como limites ao suprimento de irregularidades das propostas.” 12. Ora, entre os motivos, de natureza formal, de exclusão das propostas consta, como é sabido, na alínea c) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, a fa1ta de uma situação tributária regularizada, tendo em conta a remissão expressa para o artigo 55.º do mesmo Código.

  11. Deste modo, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, a Autora encontra-se impedida receber em adjudicação o objecto do procedimento concursal em apreço, o que deve ser declarado na decisão do presente Recurso, sendo revogada a Sentença sob recurso, por violação da referida disposição.

    B- Da errada aplicação do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos 14. O legislador comina a falta de comprovação de uma situação tributária regularizada com (i) o impedimento de contratação (ii) a exclusão da proposta e (iii) a caducidade da adjudicação, sem admitir qualquer margem de ponderação à entidade adjudicante.

  12. O legislador revela-se particularmente exigente, no que concerne à situação tributária regularizada, designadamente quando considera que a existência de um plano de regularização das dívidas fiscais não é suficiente para relevar a existência do impedimento constante da alínea e) do artigo 55.º, do CCP, como resulta do n.º 1 do artigo 55.º- A, recentemente introduzido na revisão do CCP.

  13. No sentido que propugnamos veja-se GONÇALO GUERRA TAVARES, em anotação ao artigo 55.º-A (Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Almedina, 2019): “o impedimento relativo à existência de dívidas fiscais e de dívidas à segurança social – o que até se compreende, dado que, por exemplo, havendo um acordo para pagamento de uma dívida fiscal em prestações, na nossa opinião, o impedimento terá de subsistir até que se verifique a liquidação integral dessas dívidas”.

  14. Também PEDRO GONCALVES (cf. Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2.ª edição, 2018, Vol. I, pág. 640/641), embora com posição não coincidente, considera que (sublinhados nossos): “Ao contrário da Diretiva [Diretiva 2014/24/UE, artigo 57.º n.º 2, 3.º par], o CCP não prevê uma derrogação ao impedimento, no caso de esta medida se afigurar manifestamente desproporcionada, nomeadamente: quando se trata apenas de pequenos montantes de impostos ou contribuições para a segurança social que não foram pagos”.

  15. Ora, como é inquestionável, o legislador podia ter previsto a possibilidade de derrogação ou de relevação do impedimento constante da alínea e do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, mas não o fez.

  16. Podemos discutir qual deveria ser a melhor solução no plano do direito a constituir, mas a verdade é que no que diz respeito ao direito em vigor, que nos cumpre interpretar e aplicar, o artigo 55.º-A do CCP, não prevê, no seu sentido literal, qualquer possibilidade de relevação do impedimento relativo à existência de dívidas de natureza fiscal.

  17. A interpretação do artigo 55.º-A do CCP que foi defendida pelo Tribunal a quo não encontra na lei um mínimo de correspondência verbal, além de que, no contexto da transposição da Directiva 2014/24/EU, temos de considerar que o legislador, colocado perante a possibilidade de permitir, ou não, a relevação dos impedimentos elencados no artigo 55.º do CCP, tal como era consentido pela Directiva, optou por não facultar a derrogação do impedimento previsto na alínea e), do n.º 1, do artigo 55.º do CCP.

  18. Cumpre-nos, enquanto interpretes, assumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, nos termos do artigo 9.º do Código Civil.

  19. O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, que aditou o artigo 55.º-A ao CCP é omisso quanto a tal suposto propósito de relevação do impedimento em causa, ao mesmo passo que o texto do mesmo artigo também não faculta qualquer suporte que permita nele sustentar a interpretação defendida na Sentença sob recurso.

  20. Ou seja, o legislador não estabeleceu qualquer margem de ponderação ou de decisão às entidades adjudicantes nesta matéria, pelo que não há fundamento para fazer intervir, neste âmbito, a aplicação do princípio da proporcionalidade, ao contrário do que se sustenta na decisão sob recurso.

  21. Cumpre ainda notar que a interpretação do artigo 55.º-A do CCP, nos moldes sustentados pela Sentença sob recurso, também não passa no teste da interpretação sistemática, na medida em que tal entendimento é totalmente desconforme com o disposto no artigo 456.º, n.º 1, al. a) do mesmo Código, que sanciona, a...

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