Acórdão nº 928/13.8BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO J....................Limited, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 07/02/2017, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada contra o Município de Portimão, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve – CCDR Algarve, o Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território e Energia, o Ministério do Desenvolvimento Regional e a Autoridade Tributária e Aduaneira, julgou a ação improcedente, absolvendo as Entidades Demandadas do pedido, de declaração de nulidade dos atos administrativos da CCDR Algarve e do Município de Portimão, de parecer desfavorável ao licenciamento/autorização da reconstrução do prédio urbano e a ordem de demolição e, a valer a nulidade das obras, serem nulos os atos da Autoridade Tributária e Aduaneira, de tributação das obras de ampliação e remodelação.

* Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I - O Tribunal "a quo" não procedeu à identificação dos factos provados e não provados de acordo com a legislação em vigor e, muito menos ainda, à luz das regras da experiência e técnico-científicas que devem guiar a livre convicção judicial. Na verdade, II - O artigo 94.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA, direcciona uma inequívoca censura à decisão judicial "sob recurso", visto que (n.º 3) requer que, na exposição dos fundamentos, a sentença deva discriminar os factos que julga provados e não provados, o que não acontece no caso concreto.

III - Pode apontar-se o facto de se falar em «construção» e não em «reconstrução», relativamente a parte do prédio urbano, já existente antes de 1951, dando-se a ideia errada que a Autora procedeu, ex novo, à construção de um inexistente prédio urbano. E, na verdade, IV - Não foram devidamente valorizados as provas da Autora que, contrariamente ao que ficou plasmado nos factos provados, deram indicações preciosas, quer sobre o facto de não se tratar de uma "construção ex novo" mas de uma reconstrução do que já existia, antes de 1951 (embora a sentença raramente identifique e se reporte a tal facto.

V - Inexiste, para efeitos do disposto nos artigos 205.º n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976, uma decisão judicial e administrativa fundamentada. de facto e de direito, de modo expresso e acessível.

VI - A sentença, ao nível dos seus fundamentos, em tema de direito de propriedade e ius aedificandi, afigura-se contraditória e incompatível com os preceitos vigentes na ordem jurídica portuguesa, mormente em matéria de regime do direito de propriedade, suas limitações de índole privada e outras de direito público, inexistindo, estranhamente, uma sequer qualquer referência aos artigos 1302.º a 1305.º do Código Civil.

VII - Contrariamente ao invocado, não se leva, automaticamente, à conclusão de que as obras da Autora, levadas a cabo na reconstrução da sua habitação e na construção, ex novo, de dois anexos, são ilegais à luz dos citados preceitos. E, isto, porquê? VIII - Pelo facto de que, literalmente, não se proíbe a «reconstrução», já que se alude a «urbanização», «construção» e «ampliação». E, na verdade, IX - Violou-se o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do RJREN, por a situação de facto, subjacente ao litígio da Autora, não fazer parte do âmbito de protecção proibitivo da norma, já que se alude a "Obras de urbanização, construção e ampliação" e tal não ocorre no que respeita à reconstrução da habitação já existente (e dentro dos limites da mesma).

X - O artigo 1302.º dá-nos conta que o conteúdo do direito de propriedade abrange as coisas móveis, imóveis, corpóreas (ou não), prédios urbanos ou rústicos. E, depois, com pertinência para o nosso tema, XI - No direito de propriedade se inserem todas as faculdades (uso, fruição e alienação - usus, fruendi et abutendi) possíveis e imagináveis que permitam, como o referia o saudoso ORLANDO DE CARVALHO (Direito das Coisas), «esgotar a lógica das coisas».

XII - Todo o direito de propriedade, sobre bem imóvel, implica o reconhecimento do «ius aedificandi», bem como de todas as outras faculdades de uso, fruição ou destruição, que permitem esgotar a lógica da coisa.

XIII - O direito de propriedade - artigo 62.º da CRP -, constitucionalmente estribado, atento os artigos 61.º, 64.º e 66.º, da CRP 1976, deve ser entendido de modo aglutinador, reconhecendo-se ao seu titular todos os poderes de uso, fruição e destruição que lhe permitam esgotar a "lógica da coisa", isto é, da mesma retirar todas as utilidades possíveis.

XIV - Violou-se o disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do RJREN, por a situação de facto - que é a de pretender a construção de um prédio urbano já existente em solo que, posteriormente, foi classificado como pertencente à RJREN em 2010 -, subjacente ao litígio da Autora, não fazer parte do âmbito de protecção proibitivo da norma, já que se alude a "Obras de urbanização, construção e ampliação" e tal não ocorre no que respeita à reconstrução da habitação já existente (e dentro dos limites da mesma).

XV - Deveria ter feito funcionar o regime excepcional, do artigo 20.º, n.ºs 2 e 3, e 23.º, do RJREN, tolerando-se e admitindo-se quer as obras de «reconstrução» quer de construção ex novo, já que ligadas aqueloutras, que são insusceptíveis para causar qualquer tipo de dano urbanístico ou ecológico protegido pelas normas do RJREN, pois a tal obriga o princípio do legislador e julgador razoável - artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil -, bem como a natureza de Estado de Democrático que deve reconhecer o direito de propriedade, bem como o direito a uma habitação condigna, em condições de salubridade, sadia e ecologicamente equilibrada - artigos 61.º, 62.º, 64.º e 66.º da CRP 1976.

XVI - A ATA tem vindo a tributar a Autora, sob as ditas partes alvo de decisão judicial, pelo que, a ser assim, tacitamente, o Estado português reconhece o direito de propriedade com a amplitude requerida pela Autora, pelo que o Tribunal incorreu no vício exposto no artigo 639.º, n.º 1, alínea d) do NCPC, ex vi artigos 23.º e 140.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPTA.

XVII - A sentença faz alusão a "construção" ex novo quando, na verdade, em parte, se trata de uma simples "reconstrução" de uma habitação anterior a 1951, assim surgindo o vício de errónea apreciação da prova produzida, ex vi artigo 94.º, n.º 4, do CPTA.

XVIII - A recorrente em síntese, defendeu que os artigos 35.º a 41.º do CPA foram preteridos, visto que a intervenção de A................, Director do Departamento do Município de Portimão, é ilegal e implica a NULIDADE da ordem de demolição; e, igualmente, o mesmo se diga da intervenção de J..............., Director dos Serviços de Ordenamento do Território, junto da CCDR Algarve.

XIX - Ora, contrariamente ao que se refere, importa o facto de a habitação já se encontrar construída, antes de 1951, já que, assim, contrariamente ao que se diz na sentença, não estamos perante uma construção mas uma reconstrução, que, naturalmente, não pode ser impedida, já que, de outra forma, seria ablar o direito de propriedade de uma das suas faculdades jurídicas secundárias, que se prende com o ius aedificandi.

XX - A Mmª Juiz a quo confunde o que não é confundível, já que o que o Município veio promover - pronúncia em prazo de 15 dias - é algo após a adopção do acto administrativo definitivo, sendo que o que se censura é o incumprimento do princípio da procedimentalização dos actos administrativos, tal qual se encontra previsto no artigo 268.º, n.º 1, da CRP 1976, que exigia que, havendo projecto de acto administrativo com vista a futura demolição, antes da sua definitividade, se desse a hipótese de a Autora sobre tal se pronunciar. O que não ocorreu.

XXI - O entendimento da M.ma Juiz a quo, relativamente ao sentido e alcance do direito à audiência dos interessados, afigura-se materialmente inconstitucional, por violar o disposto no artigo 268.º, n.º 1, da CRP 1976.

XXII - O ius aedificandi é uma prerrogativa ou faculdade jurídica secundária do direito de propriedade, como aliás, bem o atestam algumas soluções jurídicas expostas nos direitos reais, como é o que acontece com o disposto no artigo 1343.º, n.º 1, do Código Civil, onde se consagra uma espécie de "expropriação por utilidade privada". Aliás, XXIII - Todo o direito de propriedade, sobre bem imóvel, implica o reconhecimento do «ius aedificandi», bem como de todas as outras faculdades de uso, fruição ou destruição, que permitem esgotar a lógica da coisa.

XXIV - Verífica-se que, ao aderir às decisões administrativas, de modo acrítico, a decisão judicial incorre, igualmente, no vício de violação de lei, por falta de fundamentação, de facto e de direito, de modo expresso e acessível, ex vi artigos 205.º, n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976.

XXV - Os artigos 20.º, n.º 1, alínea h), e 2 e 3, e 23.º, do RJREN, ao serem interpretados como não permitindo a reconstrução de uma habitação já existente, à data da classificação da sua área geográfica como integrante da REN, afigura-se materialmente inconstitucional por violar os princípios do Estado de Direito Democrático, igualdade, proibição de excesso e protecção da propriedade e iniciativa privada, tutela jurisdicional efectiva, ex vi artigos 1.º, 2.º, 9.º alínea b), 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, 61.º, 62.º, 65.º, 82.º, n.ºs 1 e 3, 90.º,93.º, da CRP 1976.

XXVI - Ao tratar de modo igual o que é diferente - a construção ex novo e a reconstrução, tal qual se alude no artigo 20.º, n.º l, alínea b), do RJREN -, a sentença incorreu em violação dos princípios da igualdade e da proibição de excesso, ex vi artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP 1976, bem como numa gravosa desprotecção do direito de propriedade e de habitação (e iniciativa privada) da Autora, ex vi artigos 1.º, 2.º, 9.º...

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