Acórdão nº 00526/13.6BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 15 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A., Lda. (devidamente identificada nos autos), inconformada com a decisão datada de 04/12/2015 (fls. 124 SITAF) da então Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que indeferiu o incidente de habilitação que havia por ela sido requerida, a título de cessionária, contra a MASSA INSOLVENTE DE A., Lda., L., Lda.
e CÂMARA MUNICIPAL DE (...), (todas identificadas nos autos), dela interpôs o presente recurso de apelação, pugnando pela sua revogação e sua substituição pro decisão que defira a requerida habilitação, ou então que suspenda a instância até que seja decidido o incidente de impugnação da resolução que corre como apenso F do Proc. nº 616/12.2TYVNG da Segunda Secção de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central J2, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: I. A Recorrente deu entrada no processo 526/13.6BEPRT de um incidente de habilitação de cessionário (que foi recebido e autuado com apenso A ao referido processo) e, para tanto, alegou, em suma, ter adquirido a 30 de Junho de 2011, por cessão, os créditos de que a sociedade "A., Lda." era titular contra a aqui demandada CÂMARA MUNICIPAL DE (...).
-
Tendo adquirido os referidos créditos à sociedade "L.,, Lda." que, por sua vez, os havia adquirido, também por cessão, à credora originária "A., Lda.".
-
Contestando o incidente de habilitação, a "MASSA INSOLVENTE DE A., Lda." veio, essencialmente, invocar a resolução pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência, do negócio em que se traduziu a referida cessão, nos termos do artigo 120° do CIRE; IV. Quanto à invocada resolução, a ora Recorrente veio, em sede de resposta, por Requerimento, informar o Digno Tribunal de que iria intentar a devida acção de impugnação da resolução, por apenso ao processo de insolvência da "A.", nos termos do artigo 125° do CIRE.
-
O que veio efectivamente a fazer, por acção judicial que constitui, hoje, o apenso F do processo de insolvência da "A.", processo n° 616/12.2TYVNG que corre os seus termos no 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia - Comarca do Porto - Instância Central, J2.
-
Atento o descrito enquadramento, veio, não obstante o Tribunal a que a julgar improcedente o incidente de habilitação, nos termos supra transcritos, decisão que a Recorrente, ressalvado o devido e merecido respeito, não aceita e com a qual não pode conformar-se.
-
Para "fundamentar" a decisão recorrida, o Tribunal a que afirma, resumidamente, que: o A validade dos negócios jurídicos respeitantes às cessões de créditos é controvertida; o A sua produção de efeitos encontra-se abalada pela declaração de resolução emitida pela Administradora de Insolvência da "Massa Insolvente de A., Lda."; o A competência para dissolver tais questões se encontra subtraída do âmbito material da jurisdição administrativa.
-
Em sede geral, o incidente de habilitação visa, essencialmente, manter na demanda as partes com interesse efectivo em demandar e em contradizer, sendo, em certa medida, uma manifestação do princípio da estabilidade da instância (se não numa dimensão pessoal, pelo menos no que ao efectivo interesse na demanda diz respeito).
-
A habilitação do adquirente ou cessionário, enquanto incidente processual da instância, não tem como finalidade atestar a existência ou não do direito transmitido, a sua finalidade é apenas a de restabelecer a instância, nela mantendo as partes legítimas e com efectivo interesse em demandar e contrapor - legitimidade ad causam.
-
Pois que, de resto, ocorrendo a cessão e sendo esta válida (como no caso dos autos é), os efeitos que a decisão da causa produza sobre o crédito cedido, independentemente da habilitação em juízo, produzir-se-ão na esfera do cessionário e não na esfera do cedente.
-
Os contratos de cessão existem e foram outorgados nos termos alegados pela Recorrente; VIII. O objecto dos referidos contratos foi a cessão de um conjunto de créditos que incluíam, além de outros, os créditos em discussão nos presentes autos, contra a Câmara Municipal de (...), de que eram titulares, num primeiro momento, a "A.", posteriormente a "L.," e, hoje, a Recorrente "A.".
-
Sucede que o Tribunal a quo, embora tenha feito um adequado enquadramento da questão de facto e das questões de direito que impunham decisão, veio, não obstante, a decretar a sua própria incompetência material, mais decretando, consequentemente, a improcedência da habilitação.
-
Ora, como se disse, a habilitação, enquanto incidente, visa não a demonstração e apreciação da existência dos créditos cedidos, mas tão somente o reconhecimento de que na data da pretendida habilitação (e no caso concreto da habilitação do cessionário) quem tem o interesse processual em demandar é o cessionário e não o cedente.
-
Por outro lado, no caso sub judice, o Tribunal não chegou sequer a apreciar a validade da cessão, julgando-se materialmente incompetente para esse efeito.
-
Ora, ressalvado o devido respeito, o facto de o Tribunal Administrativo ter determinados limites à sua competência material, não pode motivar decisões como a decisão recorrida.
-
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é manifestação da negação de justiça, acima de tudo, e constitui violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, como corolário do estado de direito - princípio com consagração positiva na lei (artigo 2° do CPTA).
-
Sendo mesmo a decisão recorrida, em consequência, inconstitucional - por violação do artigo 20° da CRP, em especial os seus números 1 e 4 - inconstitucionalidade que aqui, desde já, se invoca.
-
É que, o Tribunal ao indeferir a pretensão da Recorrente (e condena-la em multa e custas), embora sem conhecer (por alegadamente tal lhe estar vedado) o mérito da questão decidenda, não só coartou o seu direito de defesa e de obtenção de tutela judicial efectiva do seu direito, como abriu um precedente de absoluto bloqueio à realização da justiça.
-
Contribuindo para a formação de uma "verdade processual" dissonante com a verdade material, atentos os factos dos autos.
-
Seguindo o raciocínio do Tribunal a quo, bastaria para "bloquear" por completo a possibilidade do cessionário se habilitar num processo judicial que corresse na jurisdição administrativa, que o cedente (ou até a própria demandada!!) invocasse a simulação/nulidade do negócio de cessão.
-
No entender do Tribunal recorrido, em tais casos, a habilitação teria que "falecer" sob a incompetência material do Tribunal para aferir da validade do negócio.
-
O artigo 15° do CPTA, que sob a epígrafe Extensão da competência à decisão de questões prejudiciais dita: "1. Quando o conhecimento do objecto da acção dependa, no todo ou em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
-
A suspensão fica sem efeito se a acção da competência do tribunal pertencente a outra jurisdição não for proposta no prazo de dois meses ou se ao respectivo processo não for dado andamento, por negligência das partes, durante o mesmo prazo.
-
No caso previsto no número anterior, deve prosseguir o processo do contencioso administrativo, sendo a questão prejudicial decidida com efeitos a ele restritos." XX. Consagra-se assim o princípio da suficiência em matéria de poderes de pronúncia dos Tribunais Administrativos.
-
-
No mesmo sentido vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº: 08679/12, datado de 24-05-2012, disponível em www.dgsi.pt: XXII. No entender da Recorrente, só poderia ter sido esta a solução adoptada pelo Tribunal a quo, e não a de, sem mais, julgar improcedente o pedido de habilitação e condenar em multa e custas a Recorrente, sem conhecer o mérito da questão e sem lhe conceder a oportunidade (mesmo entendendo-se que o Tribunal Administrativo não poderia conhecer do pedido) de obter decisão junto do competente Tribunal Judicial de jurisdição Civil.
-
Na situação dos autos, a questão é tão mais grave, quando a competente acção judicial de impugnação da resolução da cessão, conforme foi já afirmado e consta do processo, se encontra já a correr os seus termos por apenso à acção de insolvência da demandante "A.".
-
É que nessa acção se dilucidarão todas as "dúvidas" que o negócio pudesse suscitar no Tribunal a quo - tanto mais que o Tribunal de comércio é um Tribunal de competência especializada com poderes de cognição alargados (princípio da suficiência na insolvência) e que julga e decide processos que são (na sua natureza e tramitação) processos urgentes.
-
Ou seja, a suspensão que se decrete (e devia, de resto, ter-se já decretado) da presente instância, não é passível de produzir quaisquer danos para os interessados/partes no presente litígio.
-
Pois que os "tempos" processuais do processo urgente de insolvência garantem uma celeridade que, de resto, conhecendo-se a morosidade que infelizmente afecta os (assoberbados e subdimensionados) Tribunais administrativos em Portugal, em nada prejudica (prejudicaria) a normal tramitação dos presentes autos.
-
Errou, assim, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, devendo a decisão recorrida ser revogada por este superior Tribunal e substituída por outra que, ainda que não aprecie o mérito da habilitação deduzida pela Recorrente, declare a suspensão da presente instância até à decisão que venha a ser proferida no processo n° 616/12.2TYVNG que corre...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO