Acórdão nº 401/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 401/2020

Processo n.º 586/19

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão de 23 de maio de 2019, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativa ao exercício de 2016 e do consequente indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela ora recorrente (cf. fls. 17-31).

2 . Apreciado o recurso, foi proferida a Decisão Sumária n.º 864/2019 (cf. fls. 129-131), em que se decidiu não conhecer do respetivo objeto, por não ter sido adequadamente suscitada, diante do tribunal a quo, a questão de constitucionalidade que a recorrente pretendia ver apreciada por este Tribunal (cf. II – Fundamentação, n.º 5. e ss.):

«5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (mais recentemente, v., v.g., os Acórdãos deste Tribunal n.os 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018, 671/2018, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso, ainda que este tenha sido admitido pelo tribunal a quo. Tal como prescreve o n.º 3, do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se deve antes de mais apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos na LTC. Caso o Relator verifique que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme previsto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto.

No requerimento de interposição de recurso, a recorrente requer a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos n.os 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC, «interpretadas no sentido de que não integram presunção (i) de uso pessoal ou privado, maxime pelos trabalhadores e colaboradores da empresa, dos veículos a que se referem os encargos tributados, e de abonos quilométricos acima do custo incorrido pelo trabalhador ao serviço da empresa, cuja prova em contrário deva ser admitida» (cf. supra I, 2).

Contudo, resulta dos autos que a questão vinda de enunciar não corresponde, rigorosamente, à que foi suscitada perante o tribunal a quo – e que se cingia à impossibilidade de ilidir a presunção que a recorrente pressupôs implicitamente consagrada na norma (cf., v.g., as fls. 64 e 69-verso).

Diante do tribunal recorrido, a recorrente pugnou pela adoção de uma interpretação que considera ser a que melhor obedeceria à teleologia da norma: a de que os números 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC contêm uma presunção implícita. Partindo deste pressuposto, e invocando a regra geral contida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária – segundo a qual «[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» – a recorrente defendeu a inconstitucionalidade das contestadas normas, quando interpretadas no sentido de aquela presunção não poder ser ilidida. Foi a impossibilidade de afastar a presunção, demonstrando o nexo entre os encargos tributados e a atividade da empresa, que a recorrente considerou, então, incompatível com os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, bem como com o n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, que impõe que a tributação incida «fundamentalmente» sobre o rendimento real das empresas.

No entanto, o tribunal recorrido concluiu que «as disposições legais que estabelecem tributações autónomas objeto dos n.ºs 3 e 9 do art. 88.º do CIRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário» (cf. fl. 28). E rematou: «A solução do caso tem como fundamento, não a impossibilidade de ilidir a presunção, mas a própria inexistência de presunção que se torne susceptível de ser ilidida, e, desse modo, ficam prejudicadas as questões de constitucionalidade que são suscitadas» (cf. fl. 29).

Por conseguinte, a recorrente veio suscitar perante o Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade dos n.os 3 e 9 do artigo 88.º do Código do IRC, quando interpretados no sentido de não conterem uma presunção cuja prova em contrário deva ser admitida, assim ampliando a formulação da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, para a fazer coincidir com a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido. A favor deste ampliamento, alega que «[o] essencial é que os A. suscitam a inconstitucionalidade de um critério normativo que impeça o contribuinte de demonstrar que os veículos ou abonos quilométricos na sua empresa, contrariamente à situação tipo ou normal subjacente à norma (motivadora da norma), de nenhuma evasão fiscal permitem suspeitar» (cf. fl. 8).

7. Ora, do exposto é possível depreender que a recorrente sempre pretendeu contestar a própria configuração legal dos factos tributários que resulta dos n.os 3 e 9 do artigo 88.º do CIRC, na medida em que permite tributar os encargos aí previstos, mesmo que se demonstre que são imprescindíveis à laboração da empresa de tal modo, que de nenhuma evasão fiscal permitem suspeitar.

Não foi, no entanto, essa a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada diante do tribunal a quo, pelo que cumpre reconhecer que não foi observado o ónus de suscitar prévia e adequadamente a questão de constitucionalidade normativa que a recorrente pretendia ver apreciada por este tribunal.

É certo que este Tribunal tem entendido que um tal ónus não subsiste quando em causa...

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