Acórdão nº 336/20 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 336/2020

Processo n.º 126/20

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), das decisões proferidas por aquele Tribunal nos dias 26 de junho de 2019 e 27 de novembro de 2019.

A primeira de tais decisões negou provimento ao recurso interposto pelo arguido da decisão da primeira instância que o condenou numa pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática na forma tentada de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo disposto nos artigos 203.º, 204.º, n.º 2, alínea e), conjugadamente com o disposto nos artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal.

A segunda decisão referida julgou improcedente a arguição de nulidade deduzida pelo recorrente em relação à decisão de 26 de junho de 2019.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«(…)

Dando cumprimento ao plasmado nos n.ºs 1 e 2 do art. 75º-A da L TC, refere-se que o presente recurso versa sobre duas questões muito simples e objetivas, que contendem com a conformidade constitucional da subsunção jurídica e interpretação das normas legais plasmadas nos art. 204º n.º 2 e) e 4), conjugadas com o teor dos arts. 22º, 24º e 25º, todas as normas CP.

Suscitou-se a inconstitucionalidade de tais duas interpretações normativas, como decorre da douta decisão recorrida, por se defender a não conformidade do decidido à Lei fundamental, sendo que em ambas se referiu expressamente a interpretação normativa da punição a título de tentativa.

Por forma a recortar o objeto recursório formularam-se tais questões concretas e objetivas, expostas nos parágrafos seguintes, suscitadas no recurso apresentado para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (quer na motivação quer nas conclusões F e G), remetido via Citius, a contender com a interpretação e dimensão normativa do artigo 145º n.º 2 CP:

I. É inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação, da proibição do excesso, da legalidade, da maioria de razão, da culpa bem como natureza de ultima ratio do Direito penal, o entendimento e dimensão normativa do art. 204º n.º 2 e) CP segundo o qual "Cometem o crime de furto qualificado na forma tentada os arguidos que se deslocam a uma habitação, na qual entram por arrombamento e vêm a percorrer as divisões e remexer o que vão encontrando pelo caminho, em busca de objetos de valor, acabando por abandonar a habitação por motivos não concretamente apurados e sem transportar consigo qualquer objeto";

II. É disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação, da proibição do excesso, da legalidade, da maioria de razão, da culpa bem como natureza de ultima ratio do Direito penal, o entendimento e dimensão normativa do art. 204º n.º 4 CP segundo o qual "Cometem o crime de furto qualificado na forma tentada os arguidos que se deslocam a uma habitação, na qual entram por arrombamento e vêm a percorrer as divisões e remexer o que vão encontrando pelo caminho, em busca de objetos de valor, acabando por abandonar a habitação por motivos não concretamente apurados e sem transportar consigo qualquer objeto, ou seja, com desvalor de ação de apropriação necessariamente não superior a valor diminuto";

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado nos doutos acórdãos recorridos, de 26 de junho e 27 de novembro de 2019, a concluir pela legalidade do processado e conformidade legal da douta decisão condenatória e subsunção jurídica efetivada.

Tudo em violação dos princípios da legalidade, in dubio pro reo, da igualdade, da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, da culpa, das exigências de prevenção e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violador, desde logo, dos arts. 9º CC e 1º, 2º, 13º, 18º,32º n.ºs 1 e 10, 202º n.º 2 e 203º a 205º da CRP, para além de diversas normas legais consagradoras de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.

Tal questão afigura-se, não só relevante como decisiva e essencial para a boa decisão da causa, uma vez que em causa estão direitos, liberdades e garantias do recorrente, constitucionalmente tutelados e aptos a gerar, com a sua violação, danos e sacrifícios decorrentes da dosimetria da pena, sendo manifestamente contrário às mais elementares garantias de defesa bem como aos princípios subjacentes a um Direito penal que se queira materialmente justo e processualmente conforme a punição acrescida em nome de uma majoração punitiva decorrente de um estádio de mera tentativa e consequente atenuação dos efeitos da conduta por contraposição aos danos efetivamente consumados ...

Razão pela qual, nos termos do art. 78º LTC deverá o mesmo ter efeito suspensivo e subir nos próprios autos, sendo certo que em sede de alegações se corporizarão os fundamentos do presente recurso em termos a serem os mesmos devida e cabalmente apreendidos por V/Exas, que, como sempre, não deixarão de fazer a almejada Justiça.

E não se pretende a sindicância da decisão jurisdicional, na dimensão de apreciação da situação concreta dos presentes autos, mas sim a análise de tal dimensão normativa enunciada enquanto regra abstrata tendente a uma aplicação genérica pois não está em causa a interpretação levada a cabo nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar, entendendo-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração da conceção que permita tal majoração punitiva que não encontre reflexo num aumento da danosidade social ou efetiva violação de bem jurídico superior.

O grande erro na aplicação e interpretação da lei reside numa obsessão pela sua literalidade, sem cuidar da sua teleologia e integração sistemática, sendo tal entendimento estribado que se combate em sede de constitucionalidade, pois, diga-se a verdade em clamoroso auxílio do recorrente, a aplicação interpretativa da lei em causa é injusta e inconstitucional, ao denegar as mais flagrantes garantias subjacentes a um processo penal, como seja, tutelar os bens jurídicos efetivamente violados!

Dúvidas inexistem igualmente da pertinência das questões válida e previamente suscitadas (por devidamente identificadas as desconformidades constitucionais), as quais radicam no coração da decisão de mérito proferida e interpretações normativas efetivadas em sede decisória.

E adota o arguido postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efetivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimindo a violação da legalidade em observância da lei fundamental, não deixando de aguardar pelo provimento do presente recurso! Afinal, stare decisis...

Destarte,

mui respeitosamente e sempre com o V/ mui douto suprimento, se interpõe para o Tribunal Constitucional o competente recurso de tal decisão negativa de inconstitucionalidade, o qual deverá ser admitido, com todas as demais consequências legais. V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Marquês de Condorcet e Dante Alighieri, uma alma nobre faz justiça, mesmo aos que a recusam, não deixando de pesar, em balanças diferentes, os pecados dos homens dissimulados e os dos sinceros!

Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Anatole France

A justiça é a sanção das injustiças estabelecidas!

Almejando beneplácito de V/Exªs

3. Através da Decisão Sumária n.º 196/2020 foi decidido não conhecer o objeto daquele recurso, por se ter considerado que, além de ser extremamente duvidoso que o mesmo de facto incidisse sobre uma norma, as questões formuladas pelo recorrente não têm, em qualquer caso, relação bastante com as normas que foram efetivamente aplicadas por aquele tribunal como ratio decidendi da sua decisão. Foi a seguinte a fundamentação apresentada na referida Decisão Sumária:

«4. Compulsados os autos, conclui-se de pronto que – além de ser extremamente duvidoso que o recurso tenha autêntico caráter normativo, pois não questiona realmente a constitucionalidade de uma norma de direito ordinário, dirigindo-se antes à atividade desenvolvida pelo tribunal a quo no estrito plano infraconstitucional, ao integrar nas pretensas normas um conjunto de evidentes idiossincrasias indissociáveis do caso concreto – as questões formuladas pelo recorrente não têm relação bastante com as normas que foram efetivamente aplicadas por aquele tribunal como ratio decidendi da sua decisão, pressuposto este que constitui uma inerência do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Com efeito, embora tais recursos incidam sobre normas (artigo 280.º, n.º 6, da Constituição), as decisões que no seu âmbito forem proferidas não podem deixar de repercutir-se na decisão recorrida, sendo que um eventual juízo de inconstitucionalidade só pode repercutir-se na solução a dar ao caso quando se verificar uma perfeita coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade se invoca e aquele que foi efetivamente aplicado pelo tribunal a quo para fundamentar a sua decisão (vd. v.g. o Acórdão n.º 472/08).

No caso destes autos, essa coincidência não se verifica...

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