Acórdão nº 01419/19.9BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA GALLEGO DOS SANTOS
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

O Ministério da Administração Interna, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo TCAS de 30.01.2020 dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. Resulta evidente que o tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de retoma a cargo, ao qual a Itália está vinculada.

  1. Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente recurso de revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos veredictos a quo, 3. É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas.

  2. Está in casu, em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça.

  3. Como outrossim e directamente o princípio da legalidade.

  4. De harmonia com o art.° 18° nº 1 al. d) do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 junho, e o art° 37°, n° 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.° 36° e seguintes da Lei n° 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 27/07/2018, um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no n° 2 do art.° 25° do Regulamento Dublin.

  5. Consequentemente e vinculadamente, por despacho do Director Nacional do ora recorrente proferido aos 23/08/2018, nos termos dos arts. 19°-A, n° 1 a) e 37° n° 2 da citada Lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do citado Regulamento, motivo pelo qual o Estado Português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos do art.° 29° e 30° do regulamento Dublin.

  6. O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália (cfr. art.° 13°, n° 2 do citado Regulamento (EU) 604/2013 e art.° 37°, n° 1 da lei n° 27/2008 (Lei de Asilo) impondo a lei como consequência imediata (vinculada; que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência.

  7. “Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados cem de ser feita em função dos pressupostos de facto de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei 27/2008, de 30 de junho, que no seu artigo 37°, n° 2, lhe impunha a actuação levada a efeito" (gí. Acórdão do TCA Sul de 19/01/2012, proc. n° 08319/11).

  8. A alegação do requerente, desacompanhada da apresentação de um mínimo de elementos objectivos, é insuficiente para considerar demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, ou que, dadas as particulares condições do A. a transferência implica um risco sério e verosímil de exposição do A., a um tratamento contrário ao artigo 4° da CDFUE.

  9. Nos presentes autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada.

  10. Com efeito, relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Itália encontra-se vinculada pela Directiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de protecção internacional.

  11. Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), existe uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de protecção internacional nesses estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da união e pelos direitos fundamentais.

  12. Ao contrário do pugnado pelo douto acórdão recorrido, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional (que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence a Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido.

  13. Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente não restava outra solução que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.

  14. Estabelece o artº 3º, n° 2, do regulamento 604/2103, que, "Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válido para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do art.° 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capitulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.” 17. Estabelece o art° 17°, n° 1, do referido regulamento que “Em derrogação do artigo 3°, n° 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de protecção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um pais terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.” 18. E nos termos do artº 4º da CDFUE “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas, desumanos ou degradantes.” 19. O douto Acórdão recorrido ao considerar a acção procedente e condenar o ora Recorrente no dever de reconstruir o procedimento, instruindo-o com informação...

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