Acórdão nº 02143/17.2BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução01 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 2143/17.2BEBRG 1 RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada, anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por considerar que a mesma enferma de nulidade insuprível nos termos do art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime.

1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo: «I- O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, que julgou verificada uma nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação tributária em crise, por força do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Regime Geral das Infracções Tributárias [RGIT], determinando a anulação dos termos subsequentes do processo, de acordo com o n.º 3 do mencionado artigo, bem como que, após trânsito, os autos baixem à Autoridade Tributária que aplicou as coimas para eventual sanação daquela nulidade e renovação dos actos sancionatórios.

II- Douta sentença que, a nosso ver, e salvo o devido e muito respeito que nos merece, padece de erro de julgamento em matéria de direito.

III- A questão que se coloca em sede do presente recurso prende-se, tão só, em matéria de direito, com a interpretação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do referido diploma legal – que prevê que a decisão que aplica a coima deve conter a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas”.

IV- Tomaremos como exemplo da descrição sumária dos factos que figura nas decisões de aplicação de coima proferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, nos processos de contra-ordenação em causa, a que consta da decisão proferida no processo de contra-ordenação fiscal n.º 23482017060000049834, que consubstancia a primeira infracção e que consiste na identificação do imposto/tributo em causa, da data/hora da infracção, do local da infracção, da entrada e saída [da infra-estrutura rodoviária em causa], da identificação da viatura e do montante da taxa de portagem, nos termos que, de seguida, se transcrevem [cfr. ponto 2) do probatório]: “Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Tributo: Taxa de portagem; 2. Data/hora da infracção: 2012-06-01 06.28; 3. Local da infracção: A28 – AENL – Auto - Estradas Norte Litoral – Soc. Concessionária AENL, S.A; 4. Entrada: Esposende N-S Saída: Angeiras N-S 5. Identificação da viatura: ………./SCANIA/4; 6. Montante da taxa de portagem: 8,80; […] os quais se dão como provados”.

V- A referida factualidade preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam à arguida, sendo facilmente por esta perceptíveis.

VI- A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria tem sido no sentido de que “I - A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «[a] enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. II - O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. (…)”. [cfr. acórdão do STA, de 2006-03-29, proferido no processo n.º 143/2006; cfr. ainda o acórdão do STA de 2007-06-27, proferido no processo n.º 0353/07, cfr. ainda acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo n.º 01004/17.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt].

VII- No caso em apreço existe uma descrição sumária dos factos que permite à arguida perceber claramente que não pagou as taxas de portagem devidas pela transposição de um local de detecção de veículos numa concreta infra-estrutura rodoviária, a qual se encontra devidamente identificada na decisão, com a indicação do local e da entrada e saída da referida infra-estrutura, além da matrícula do veículo, assim como o valor da taxa e o período a que respeita, com menção do dia e hora da sua ocorrência.

VIII- A descrição sumária dos factos é complementada, nas decisões de aplicação da coima em causa, pela indicação da norma infringida – artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e da norma punitiva – artigo 7.º da Lei n.º 25/06, de 30/06 – e menção de que se trata de “Falta de pagamento de taxa de portagem” com referência a cada facto em concreto, mencionando não só a coima fixada, como também a matrícula do veículo, data da infracção e o período de tributação.

IX- De referir, que não foi posta em causa pela arguida, em sede de recurso das decisões de aplicação de coimas, a propriedade do veículo utilizado na prática das infracções ou a sua responsabilidade pelo pagamento das taxas.

X- Tratando-se a arguida de uma empresa cuja actividade consiste exclusivamente no transporte rodoviário de mercadorias, com sede no concelho que é atravessado pela infra-estrutura rodoviária designada de A28 – Auto-Estradas Norte Litoral, onde se verificaram as infracções em questão, parece-nos inegável o seu conhecimento quanto às obrigações de pagamento das taxas de portagem devidas pela transposição do local de detecção de veículos, na referida infra-estrutura rodoviária que apenas dispunha de sistema de cobrança electrónica de portagens, e que, assim não procedendo, incorria em infracção tributária punida por lei.

XI- Concludentemente, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra decisão que mantenha a condenação da arguida nos termos constantes das decisões de aplicação da coima em causa, com as respectivas consequências legais».

1.2 O recurso foi admitido e não foram apresentadas contra-alegações.

1.3 O Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, não porque se verifique a nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima por falta de descrição sumária dos factos, mas porque as decisões administrativas enfermam de nulidade por falta de especificação e discriminação das coimas parcelares aplicadas a cada uma das infracções imputadas à Arguida, omissão que considerou integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 63.º, com referência à alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, ambos do RGIT. Isto, com a seguinte fundamentação: «A questão que vem suscitada no recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao dar como verificada a nulidade insuprível da decisão de aplicação de coima, por falta de descrição sumária dos factos imputados à arguida e de enunciação dos elementos considerados na fixação das coimas, nos termos do artigo 79.º, n.º1, alíneas b) e c) do RGIT, em conjugação com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.

A questão que agora vem suscitada pela Fazenda Pública tem-se repetido amiúde e contende com uma deficiente padronização das decisões de aplicação de coima proferidas pela Administração Tributária e uma ligeireza (ou mesmo inexistência) na apreciação jurídica dos factos1. E a questão jurídica que se coloca não é tanto de ordem geral e abstracta (tanto o...

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