Acórdão nº 0309/14.6BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução01 de Julho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 309/14.6BEBRG 1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o despacho que lhe indeferiu o pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa aos anos de 2009 e 2010.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «1.ª A sentença recorrida julga improcedente a impugnação judicial concluindo que os requisitos previstos no artigo 78.º/n.º 4 da LGT não se mostram preenchidos, a saber, não se verifica situação de injustiça notória ou grave na tributação e ocorreu comportamento negligente do contribuinte.

  1. A decisão administrativa que constitui o acto impugnado não contesta a existência de injustiça notória ou grave na tributação quanto aos anos de 2009 e 2010, tendo indeferido a revisão dos actos tributários apenas com fundamento na verificação de comportamento negligente do contribuinte.

  2. Não tendo as partes discutido esta questão, incorreu a sentença recorrida em nulidade, concretamente a prevista no artigo 615.º/n.º 1 d) 2.ª parte do CPC, por se ter pronunciado sobre matéria de que não podia tomar conhecimento (concretamente saber se ocorre ou não situação de injustiça notória ou grave).

  3. A expressão prevista no artigo 78.º/n.º 4 da LGT “…desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte” aponta para o momento temporal do cumprimento das obrigações fiscais, isto é, quando o contribuinte tem de apresentar a sua declaração de IRS e da mesma não consta toda a informação necessária à justa e correcta tributação a levar a cabo pela AT.

  4. A verificação do erro não ocorre, pois, como defendem a AT e a sentença recorrida, quando a Recorrente apresentou o pedido de revisão do acto tributário, ou sequer quando foi notificada para a audiência prévia, mas antes nos anos de 2009 e 2010.

  5. Resulta dos factos provados 4 e 5 que só em Junho de 2012 é que o marido da Recorrente solicitou a realização de junta médica, a qual emitiu o respectivo atestado em Agosto de 2012, por só neste momento (Junho de 2012) ter tomado conhecimento da possibilidade de padecer de incapacidade fiscalmente relevante.

  6. Mesmo em 2009, já contando o marido da Impugnante com 86 anos, não tinha qualquer ideia ou informação que a doença de que foi acometido nesse ano era geradora de incapacidade fiscalmente relevante.

  7. É entendimento da Recorrente que se mostram verificados todos os requisitos legalmente previstos para o deferimento da revisão do acto tributário, pelo que ao não decidir neste sentido incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, violando o disposto no artigo 78.º/n.º 4 da LGT.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a impugnação judicial procedente, com as legais consequências».

1.3 A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pronunciando-se sobre a invocada nulidade da sentença, considerou que a mesma se não verifica.

1.5 A Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.

A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada quer de facto quer de direito, não se mostrando passível de quaisquer censuras.

E, quanto à invocada nulidade fazemos nossa a posição assumida no douto despacho de sustentação por com ele concordarmos.

Em abono da douta decisão recorrida oferece-nos dizer que: “(…) o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais.

Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.

” – Ver anotação ao artigo 78.º da LGT, anotada e comentada, 4.ª ed. 2012, de D. Leite Campos, Benjamim S. Rodrigues e Jorge L. Sousa, a pag.704.

O que. nos parece ser o caso em apreço, pois as liquidações são de 2009 e 2010 e foram pagas em devido tempo, muito antes do pedido de revisão nos autos aludido.

O pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT tem de ser deduzido no prazo da reclamação administrativa – de 15 dias – a contar da notificação do acto, previsto no artigo 162.º do CPA. Ver pág. 707 in obra citada. O que não ocorreu no caso».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.

* * *2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1. A impugnante e o marido, B……., apresentaram as declarações de rendimentos sujeitos a IRS, respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010, sem qualquer referência à situação de incapacidade do cônjuge marido – facto não controvertido; 2. Essas declarações deram origem às liquidações de IRS n.ºs 20105003699708 e 20115004513123, datadas, respectivamente, de 11/06/2010 e 29/06/2011, cujo resultado final foi o apuramento dos valores a pagar de 8.372,66 € e 7.737,93 € – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial; 3. As liquidações de IRS referidas nos pontos anteriores foram pagas, respectivamente, em 14/07/2010 e 09/09/2011 – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial; 4. Em 08/06/2012, B……… solicitou “(…) ao abrigo do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, seja admitido a Junta Médica para Avaliação de Incapacidade para efeito de X Multiuso (Decreto-Lei n.º 352/07, de 23 de Outubro) (…)”, mais declarando ser a primeira vez que requer o Multiuso – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial; 5. Em 10/08/2012 foi emitido um atestado médico de incapacidade multiuso pela Junta Médica da ARS-Norte, no qual se certificou que B……… é portador de uma “incapacidade permanente global de 71% (setenta e um por cento) susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de definitivo”, do mesmo constando em observações que “A doença reporta-se ao ano 2009” – cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial; 6. O marido da impugnante, B……., faleceu em 26/09/2012 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial; 7. Em 01/04/2013 a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Braga-1 pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS n.ºs 20105003699708 e 20115004513123, dirigido ao Director de Finanças de Braga, com fundamento em “(…) ilegalidade superveniente (não consideração de deficiência fiscalmente relevante) e injustiça grave e notória, na medida em que foi pago mais imposto do que o legalmente devido” e requerendo “a anulação das liquidações de IRS relativas aos anos de 2009 e 2010 (…) e a devida emissão de novas liquidações em boa conformidade com o que se deixou mais acima exposto – v. grau de deficiência fiscalmente relevante” - cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e requerimento de fls. 1, frente e verso do processo administrativo apenso (PA); 8. Em 05/04/2013, no Serviço de Finanças de Braga-1 foi emitido parecer no sentido da instauração do processo de revisão oficiosa, sancionado por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Braga-1, da mesma data, do qual consta, entre o mais, o seguinte – cfr. parecer a fls. 25 e 26 do PA: “(…) Em 02.04.2013 veio A………, NIF …….., requerer a revisão oficiosa da liquidação de IRS dos anos de 2009 e 2010 nos termos do artigo 78.º da LGT, alegando, em síntese não ter sido considerado na respectiva declaração de rendimentos, o grau de incapacidade de que padecia o marido B………, NIF …………, e, em consequência, não ter beneficiado do benefício fiscal daí decorrente.

Em sede de IRS considera-se pessoa com deficiência quem apresente um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60% devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável (cf. art. 87.º n.º 4 do CIRS).

A disposição transitória no âmbito do...

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