Acórdão nº 1775/19.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório S...

, nacional da Mauritânia, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), acção administrativa de impugnação do despacho de 19.08.2019 da Diretora Nacional daquele Serviço que considerou infundado o pedido de asilo formulado, bem como o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária.

Na sequência de decisão de incompetência territorial do TAC de Lisboa, por sentença de 12.02.2020 do TAF de Sintra, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido.

Com essa decisão não concordando, vem agora o A. recorrer para este TCAS. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

  1. Vem o Recorrente interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 23.12.2019, que veio a julgar totalmente improcedente a pretensão do Autor.

  2. Desde logo porque ficou demonstrado que o Requerente foi efetivamente membro de um partido político candidato às eleições municipais da sua aldeia natal.

  3. Tendo ficado igualmente demonstrado que o Recorrente integrou ativamente as manifestações onde assumidamente expõe uma posição contra o regime instituído.

  4. Donde se poderá concluir que a sua experiência de vida reúne os requisitos necessários à concessão do pedido de asilo formulado perante as autoridades portuguesas.

  5. Relativamente à falta de fundamentação, o Tribunal a quo escuda-se por detrás da tramitação acelerada do processo de concessão de asilo, sem ter procurado averiguar se as declarações do Recorrente tinham consistência, junto das entidades congéneres.

  6. Andou mal o Tribunal a quo, motivo pelo qual deve ser revogada a decisão aqui sub iudice.

  7. Por fim, por tudo quanto foi acima exposto, caso não se entenda que o Recorrente reúne os requisitos suficientes para a concessão do direito de asilo, sempre deveria o tribunal de 1.ª instância ter ponderado a atribuição do pedido de proteção subsidiaria.

  8. Na medida em que ficou demonstrado que o Recorrente era efetivamente membro de um partido político, e que foi perseguido por esse mesmo facto.

  9. Não cabendo aos Tribunais nacionais, decidir, sem ulteriores meios de prova, se os perigos relatados são sistemáticos e se constituem um verdadeiro perigo de vida.

  10. De outro modo, estaremos a negar a proteção internacional a que qualquer individuo e cidadão do Mundo tem Direito.

  11. Nessa medida, indo em toda a linha contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, SERÁ FEITA JUSTIÇA julgando-se procedente o presente recurso.

    O Recorrido não apresentou contra-alegações.

    • Neste Tribunal Central Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu pronúncia.

    • Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

    • I. 1.

    Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao ter concluído que o pedido de protecção internacional não reunia condições para ser admitido, instruído e submetido a decisão do membro do Governo responsável pela administração interna, nos termos previstos nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio, pelo que julgou a acção improcedente com a manutenção do Despacho da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras impugnado (o qual considerou o pedido de protecção internacional infundado – art. 20.º, n.º 1).

    • II.

    Fundamentação II.1.

    De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se reproduz ipsis verbis:

  12. O Autor nasceu em Bababe, Mauritânia, em …. (Cfr. fls. 1 do Processo Administrativo -PA-) B) Em 20-04-2015, o Autor requereu a adesão ao partido Initiative de Resurgence du Mouvement Abolitionniste en Mauritane (IRA - MAURITANIE). (Cfr. fls. 21 do PA) C) Em 22-10-2018, o Autor chegou a território português de avião, tendo permanecido durante dois ou três dias e depois rumado a França. (Cfr. fls. 6 do PA e acordo) D) Em 3-12-2018, o Autor pediu proteção internacional em França, tendo este país decidido que Portugal era o Estado responsável pela apreciação desse pedido. (Cfr. fls. 3 do PA e acordo) E) Em 5-07-2019, já em território nacional, o Autor apresentou pedido de proteção internacional no SEF. (Cfr. fls. 6 e 7 do PA) F) Em 5-07-2019, o Autor prestou as seguintes declarações no âmbito do processo de proteção internacional n.º 1010/2019: «(…) P. Podemos prosseguir com a entrevista? R. Sim. Pode continuar.

  13. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no nº 3, do artigo 17º, da Lei nº 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14 de 05.05, as decisões que vierem a ser proferidas no seu processo? R. Sim.

  14. Onde está o seu passaporte da Mauritânia? R. Tenho aqui comigo.

  15. Mas quando aqui veio solicitar a proteção internacional, apresentou-se indocumentado. Queira explicar? R. Sim, não tinha o meu passaporte.

  16. Mas então explique o que aconteceu ao seu passaporte da Mauritânia? R. Antes de vir para Portugal, eu estava em Paris num Centro de Refugiados e, quando estava no terminal da rodoviária ali e, perdi o meu passaporte ali. Eu tinha adormecido e, quando acordei já não tinha o meu passaporte.

  17. Fez alguma queixa na Polícia acerca do desaparecimento do seu passaporte da Mauritânia? R. Sim. Eu quando acordei, vi que não tinha o meu passaporte e, fui à Policia Francesa. Depois para viajar, eles deram um documento para o efeito.

  18. Como recuperou então depois o seu passaporte da Mauritânia? R. Foi um amigo que enviou-me o meu passaporte.

  19. Então não tinha perdido o seu passaporte da Mauritânia, mas ao invés, entregou ao seu amigo? R. Não. Eu fiz a queixa na Policia Francesa e, disse se encontrassem o meu Passaporte que entregassem ao meu amigo, o M....

  20. Está a faltar à verdade? Está a ocultar fatos? R. Não.

  21. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si. Compreende? R. Está bem. Eu sou o S..., tenho 31 anos de idade e, sou nacional da Mauritânia, nascido em Babbabe, Mauritânia. Sou solteiro, sem filhos. Eu tenho a licenciatura em Informática. Frequentei o Centro de Engenharia e Tecnologia Informática (CTI), em Dakar, Senegal, entre os anos de 2010 a 2012. Depois fui estudar para a Universidade Atlantic em Dakar, Senegal, entre os anos de 2012 e 2013. Eu sou técnico de informática. Trabalhei em Nouakchott, Mauritânia, nas empresas "E...", no ano de 2016, onde fiz o estágio. Depois fui trabalhar para a Solution Informatique, em 2015. Depois para a Agencia Touristique em 2017. E por ultimo tinha um negócio, uma loja, na minha aldeia, Bababe, Mauritânia, que abri em Novembro de 2017, até Agosto de 2018. Fica a 45 Km de Boghé. Eu moro em Bababe, Mauritânia, é so assim a morada. Ali vivia com a minha mãe e, duas irmãs. O meu pai vive em Itália, mas não tenho muita convivência com ele.

  22. Mas então viveu no Senegal muito tempo. Queira explicar? R. Sim. Fui para ali no ano de 2010. Eu vivia em Dakar, em City Ndaye Mane, Grand Mbao. É só assim o endereço.

  23. Tinha Carte de Sejour no Senegal? R. Não tinha. Tinha um Cartão de Estudante passado pela Universidade. O cidadão da Mauritânia não precisa de Carte de Sejour para o Senegal.

  24. Tem o contacto telefónico de algum outro dos seus familiares na Mauritânia? R. Tenho o do meu tio M..., que é o 0....

  25. Tem o contacto do seu pai em Itália? R. O número de telefone do meu pai ainda é o que ele tinha na França. Que é o +3....

  26. Tem algum contacto de FaceBook, WhattSapp, Instagram seu e, de familiares? R. Sim. Tenho o meu FaceBook que é o J.... O meu WhatSapp é o +3....

  27. Professa alguma religião? R. Sou Muçulmano.

  28. Quando é que saiu da Mauritânia e, empreendeu esta sua viajem até aqui chegar a Portugal? R. Foi no dia 08/08/2018 e fui para Dakar, Senegal. Depois viajei de avião para Lisboa no dia 22/10/2018. Aqui fiquei três dias na cidade do Porto. Depois fui então para Paris e, depois então em Dezembro de 2018, solicitei a proteção internacional a França.

  29. Constato que no Sistema Nacional de Vistos, consta a emissão de um visto Schengen de turismo, emitido em seu favor, pelo Consulado de Portugal em Dakar, Senegal, com o nº 0..., emitido aos 19/10/2018 válido para 10 dias e, para uma única entrada, para utilizar entre 22/10/2018 e, 15/11/2018 e, aposto no seu passaporte da Mauritânia nº B.... Quem tratou do seu pedido de visto ali? R. Eu pedi o visto para fazer turismo e negócios.

  30. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na Mauritânia? R. Sim. Eu sou membro do partido Político não reconhecido "Initiative de Resurgence do Movement Abolitionniste en Mauritanie (IRA Mauritanie)". Sou membro desde o dia 20/04/2015.

  31. Tem algum comprovativo daquilo que refere? R. Sim tenho aqui um documento [juntou Doc. 1] P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem, a Mauritânia e, está aqui a solicitar a proteção internacional a Portugal. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

  32. Eu comecei a ter problemas na Mauritânia entre 15/08/2018 e 15/09/2018. Eu como membro e candidato às eleições locais para Bababe, Mauritânia em 01/08/2018, pelo partido político...

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