Acórdão nº 1882/19.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO S….. instaurou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna, na qual vem impugnar a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 28/08/2019, que indeferiu o seu pedido de proteção internacional, pedindo a revogação do ato impugnado e a concessão de asilo ao autor, reconhecendo a competência do Estado Português para conhecer do pedido de proteção internacional, ou assim não se entendendo, a revogação do ato impugnado e a concessão de proteção subsidiária ao autor.
Alega, em síntese, que o seu pedido de proteção internacional apresentado em França foi indeferido em 24/06/2019, sendo agora competente o Estado Português para apreciar novo pedido, constituindo a aplicação de pena capital no seu país de origem, República Islâmica do Irão, fundamento bastante para aplicação do estatuto de refugiado.
Citada, a entidade requerida apresentou resposta, na qual invoca que o Estado Francês aceitou o pedido de retoma a cargo do autor, sendo este o Estado responsável, após ativação do mecanismo de retoma a cargo a que o SEF está vinculado.
Por sentença datada de 26/11/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade requerida do pedido.
Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso, terminando as respetivas alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. O Tribunal Recorrido viola o disposto nos números 1, 2 e 3 do artigo 90º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, do mesmo modo, o direito à prova que ao Autor assiste, na medida em que, constituindo factos essenciais que se consideram como controvertidos e necessitados de prova, como o são a realidade vivida na República Islâmica do Irão, em que um cidadão como o ora Requerente, por ser Ateu e tenha praticado atos incestuosos com familiar será condenado à morte por lapidação alegados na Petição Inicial, rejeita a prestação de declarações de parte pelo Autor e a realização da prova pericial requerida na Petição Inicial.
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Tendo em consideração que tais factos (referidos na conclusão antecedente) são passíveis de integrar o conceito de atos de perseguição, facto essencial constitutivo da causa de pedir que conforma o objeto do processo e cuja prova da sua verificação importa à boa decisão da causa, deveria ter o Tribunal Recorrido deferido a prova por declarações e a prova pericial requerida pelo Autor.
Não obstante, 3. Não poderia ter o Tribunal Recorrido aceitar a contestação apresentada pelo Réu sem a devida comprovação do justo impedimento que levou à sua apresentação através de mensagem de correio eletrónico sem aposição de assinatura eletrónica avançada, ao invés da utilização da plataforma informática ínsita no endereço eletrónico https://www.taf.mj.pt, em violação do disposto nos números 1 e 2 do artigo 24° Código de Processo nos Tribunais Administrativos e nos artigos 2° n°1 e 30° da Portaria 380/2017.
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Devendo, portanto, atendendo à realidade dos autos e aos elementos carreados para os mesmos convidar o Réu a apresentar os meios de prova necessários à alegação e comprovação da situação de justo impedimento.
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O Tribunal a quo deveria ter julgado como provado o seguinte trecho factual: Através de decisão final proferida a 12 de junho de 2019 pelo COUR NATIONALE DU DROIT D ASILE7 [7O CNDA é um tribunal administrativo especializado, com jurisdição nacional, que decide sobre os recursos interpostos contra as decisões tomadas pelo Escritório Francês para a Proteção de Refugiados e Apátridas (OFPRA) que não satisfazem os requerentes de asilo. Suas decisões, proferidas em primeiro e último recurso, estão sujeitas ao controle de cassação do Conselho de Estado. O CNDA é o primeiro tribunal administrativo francês pelo número de casos julgados. O Tribunal Nacional do direito de asilo é anexado ao Conselho de Estado (decreto n ° 2008-1481 de 30 de dezembro de 2008) desde 1° de janeiro de 2009 – (…).], 2ª secção, 3°juízo, no âmbito do processo 19016225, foi deliberado não ter o Autor direito a auxílio internacional e beneficiar do Estatuto de Refugiado.
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Impondo tal decisão o teor do documento n°3 junto com a Petição Inicial, no sentido em que existe uma decisão jurisdicional que vincula o Estado-Membro alegadamente competente para conhecer do pedido de proteção internacional formulado pelo aqui Autor, retirando a competência ao alegado Estado-Membro de retorno.
Sem prescindir, 7. É competente o Estado Português para apreciação do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor a 07 de agosto de 2019, como pedido autónomo e distinto daquele por si formulado perante o Estado Francês, o qual decidiu pela inadmissibilidade do mesmo e a subsequente medida de afastamento com base no indeferimento do pedido, como resulta da conjugação e aplicação as regras constantes dos artigos 13º, 19º e 20º do Regulamento (EU) n° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho.
A competência é assim excluída do Estado Francês após a prolação da sua decisão sobre o pedido aí formulado anteriormente pelo aqui Autor, devendo ser apreciado o seu pedido de proteção internacional apresentado a 07 de agosto de 2019 como um pedido autónomo e independente daquele.” A entidade requerida não apresentou contra-alegações.
* Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir: - se ocorreu défice de instrução quanto a factos invocados pelo autor; - se deve ser aditado facto relativo à decisão final proferida a 12/06/2019 pela Cour Nationale; - se a contestação da entidade requerida não deveria ter sido admitida; - se o Estado Português é competente para apreciar o novo pedido de proteção internacional.
Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A) S….. nascido em 13/04/1998 é nacional do Irão - cfr. fls. 1 do PA junto aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B) A 07/08/2019 o Autor apresentou pedido de protecção internacional, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - cfr. fls. 13 do PA junto aos autos, cujo por aqui se dá por integralmente reproduzido; C) A 06/07/2018, o Autor apresentou um pedido de protecção internacional na França, tendo as suas impressões digitais sido recolhidas e inseridas na base de dados EURODAC - cfr. fls. 4 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D) A 22/08/2019, o SEF formulou um pedido de “Retoma a Cargo” do Autor à França, ao abrigo do ao abrigo do Artigo 18°, n° 1, al. d), do Regulamento (UE) n° 604/2013 do Conselho, de 26 de Junho - cfr. fls. 59 a 63 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; E) A 27/08/2019 a França aceitou o pedido de retoma a cargo identificado em D) - cfr. fls. 64 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; F) No âmbito do pedido de protecção internacional identificado em B), o Autor, em 12/07/2019, prestou declarações, tendo sido elaborada a respectiva transcrição e da qual se extrai o seguinte: - cfr fls. 19 a 25 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; G) Em 28/08/2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a informação n.° ….., da qual se extrai o seguinte: -cfr fls. 66 a 69 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; H) Em 28/08/2019, foi proferida decisão pela Directora Nacional do SEF, no âmbito do processo n.° ….., da qual se extrai o seguinte: - cfr fls. 70 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; I) O Autor foi notificado da decisão identificada em H) a 05/09/2019, na sequência da qual foi elaborado o seguinte documento: - cfr fls. 71 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; J) Devido à apresentação da presente acção, a Entidade Demandada comunicou às autoridades francesas que as diligências atinentes à transferência do Autor para a França ficariam pendentes, ao abrigo do disposto no Artigo 27.º n.º 3 do Regulamento (UE) 604/2013 – cfr. fls. 89 do PA junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;” * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber: - se ocorreu défice de instrução quanto a factos invocados pelo...
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