Acórdão nº 138/07.3BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório J... e A..., por si próprios e também em representação do seu filho menor já falecido, P..., intentaram uma acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra o HOSPITAL DE SOUSA MARTINS, actualmente integrado na Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E.

, que sucedeu em todos os direitos e obrigações dos hospitais que nelas são integrados (Decreto-Lei nº n.º 183/2008, de 4 de Setembro), com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual do R., a fim a de obter a sua condenação no pagamento da quantia de EUR 1.000.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor P..., entretanto falecido, no pagamento da quantia de EUR 150.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos e no pagamento de quantia não inferior a EUR 350.000,00, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos.

Por sentença de 30.09.2016 do TAF de Castelo Branco, a acção foi julgada procedente e a R. condenada: - A pagar aos AA. a quantia de EUR 20.000,00, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos; e - A pagar aos AA. a quantia de EUR 80.000,00, a título de compensação, pelos danos não patrimoniais por si sofridos.

A Unidade Local de Saúde da Guarda, E.P.E., não concordando com o assim decidido, recorre para este TCAS, terminando as alegações de recurso que apresentou com as seguintes conclusões:

  1. Constam do processo elementos probatórios suficientes que, por si só, implicam uma decisão diversa da que foi proferida e, ao contrário do que entende a sentença recorrida, a ação dever ser julgada totalmente improcedente, dado que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a atuação dos agentes da Ré no decurso dos cuidados de saúde prestados e os danos invocados pelos Autores.

  2. Existe um errado julgamento da matéria de facto constante dos pontos 39, 40 e 41 dos factos provados, impugnando-se tal julgamento, dado que dos elementos de prova documental e prova pericial produzidos nos autos, impõem-se um julgamento diverso daquele que foi efetuado.

  3. Dos autos resultam documentos, nomeadamente registos carditocograficos (RCT) de 1 de março a 8 de março de 2004, registo de partograma, registos clínicos e de enfermagem, parecer do Instituto de Medicina Legal, subscrito pelo Prof. Doutor P..., relatório pericial subscrito pela Dra. M... que demonstram a normalidade dos registos cardiotacograficos durante todo o internamento que antecedeu a cesariana realizada à Autora e os quais não pressupunham o desfecho adverso que ocorreu.

  4. Bastariam tais documentos e pareceres periciais para que o julgamento da matéria de facto tenha de considerar que a vigilância durante o internamento até ao parto e a atuação clínica foram realizados de acordo com a legis artis, não se tendo verificado omissão ou negligência de cuidados.

  5. A perita médica nomeada pelo Tribunal em sede de julgamento referiu claramente que não houve violação da legis artis na atuação dos profissionais visados, acrescentando não se poder estabelecer qualquer nexo causal entre as intercorrências ocorridas no parto e as lesões que o P... veio a padecer.

  6. Ficou demonstrado que o médico pediatra que assistiu o P..., nos Hospitais da Universidade de Coimbra, após a sua transferência para aquela Unidade Hospitalar teve conhecimento das intercorrências intra-parto através de um colega, que não identificou mas jamais observou os registos clínicos em causa nos autos.

  7. A matéria de facto considerada não provada, nomeadamente que os agentes da Ré atuaram perante a A. e seu filho P... atendendo ao estado clínico de ambos – com a diligência necessária, observando as regras da praxis medico-obstetrícia, encontra-se incorretamente julgada, devendo tais factos ser considerados provados, porquanto resulta sobejamente provado através de registos cardiotocograficos e perícias médicas.

  8. Demonstrado que os Peritos nomeados pelo Tribunal, em sede de esclarecimentos foram perentórios ao afirmar não poder estabelecer qualquer nexo causal entre o estado clínico do Pedro aquando do seu nascimento e a atuação médica dos profissionais da Ré, não podia a sentença recorrida fundamentar a respetiva decisão em tais consultas técnicas.

  9. Ao contrário do que entendeu a sentença recorrida não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a atuação dos profissionais da Ré e os danos invocados. Como resulta da abundante prova documental junta aos autos (registos cardiotocograficos, registos de enfermagem, registos clínicos, dos relatórios periciais juntos aos autos e respetivos esclarecimentos dos peritos em sede de esclarecimentos em audiência e discussão e julgamento).

  10. A sentença recorrida viola as normas constantes do Dec-Lei n.º 48051, art.º 8.º, 342.º, 483.º, 486.º e 487.º do Cod. Civil e bem assim os art.º 607.º, 608.º e 615.º, n.º 1 alínea c) do C.P.C.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146º do CPTA, não se pronunciou.

• Com dispensa de vistos do actual colectivo, importa apreciar e decidir.

• I. 1.

Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar: - Se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, impondo os elementos de prova documental e pericial produzidos nos autos uma decisão diversa daquela que foi efectuada; e - Se o tribunal a quo errou no julgamento de direito ao ter concluído pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil da Recorrente.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, a qual se reproduz ipsis verbis: 1. O Hospital de Sousa Martins, ora Réu, é uma pessoa colectiva de direito público, estando dotado d e autonomia administrativa e financeira e encontrando-se integrado no Serviço Nacional de Saúde [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  1. No dia 08 de Março de 2004, nas instalações e serviços do Réu, nasceu P..., pelas 12h10m, tendo o respectivo parto ocorrido nos serviços de tal instituição hospitalar [factualidade admitida por acordo - cf. artigo I° da contestação].

  2. P... é filho de J... e de A..., ora Autores [er documento (doc.) constante de fls. 37/38 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

  3. No início da sua gravidez e antes do nascimento de P..., A..., ora Autora, foi seguida pelo serviço de obstetrícia do Centro de Saúde da Meda [factual idade admitida por acordo - cf artigo 1° da contestação].

  4. Tal gravidez era de evolução normal, não apresentando quaisquer problemas ou perturbações que pudessem colocar em perigo a saúde do feto ou da própria Autora [factualidade admitida por acordo - cf artigo 1° da contestação].

  5. A gravidez da Autora evoluiu normalmente, sem quaisquer problemas ou incidentes que pudessem colocar em causa a viabilidade ou a saúde do feto [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  6. Por indicação do serviço de obstetrícia do Réu, a Autora compareceu no referido serviço nos dias 12 de Fevereiro de 2004, 19 de Fevereiro de 2004, 24 de Fevereiro de 2004 e 28 de Fevereiro de 2004 [factualidade admitida por acordo - cf artigo 1° da contestação].

  7. As presenças da Autora, no serviço de obstetrícia do Réu, nas datas referidas em 7), destinavam-se a avaliar a evolução da gravidez bem como os sinais vitais do feto [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  8. No dia 01 de Março de 2004, pelas 9h15m, a Autora compareceu no serviço de obstetrícia do Hospital de Sousa Martins, onde foi internada [factual idade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  9. Nos dias 02 e 04 de Março de 2004, foi administrado à Autora um medicamento designado "CITOCINON" - medicamento, esse, administrado por via intravenosa com vista a induzir o parto [factualidade admitida por acordo-cf artigo 1° da contestação].

  10. No dia 06 de Março de 2004, foi administrado à Autora o medicamento denominado "PROPESS", tendo a Autora ficado, das 09h0Om até às 17h00m, a aguardar "sinais" do parto - que não vieram a ocorrer [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  11. Atendendo ao facto do parto não ocorrer espontaneamente, no decurso do internamento da Autora identificado em 9), foi tentada a indução do parto com recurso a medicamentos, por quatro vezes [factual idade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  12. No dia 08 de Março de 2004, a Autora esteve monitorizada com CTG na sala de parto [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  13. No dia 08 de Março de 2004, verificou-se que o feto da Autora apresentava uma arritmia cardíaca designada por braquicardia (abrandamento do ritmo cardíaco) [factualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  14. Nesse dia (08 de Março de 2004), desde a altura em que a Autora foi ligada ao CTG até ao momento em que foi detectada a braquicardia do feto, decorreram mais de três horas [(actualidade admitida por acordo - cf. artigo 1° da contestação].

  15. Na sequência da verificação identificada em 14), foi ordenada a realização de uma cesariana urgente, da qual viria a nascer P... que, na altura do parto, veio impregnado em mecónio [(actualidade admitida por acordo - cf artigo 1° da contestação].

  16. No dia 08 de Março de 2004, o parto de P... ocorreu por cesariana, no serviço de obstetrícia do Réu, tendo nascido no estado de morte aparente, sendo que no momento do seu nascimento, P... não respirava, apresentava um índice de Apgar de 1-2-4, e não apresentava...

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