Acórdão nº 334/20.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório N... intentou contra a G... – GESTÃO DO ARRENDAMENTO DA HABITAÇÃO MUNICIPAL DE LISBOA, E.M., uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (com pedido subsidiário de tramitação da pretensão enquanto providência cautelar antecipatória com decretamento provisório da providência), pedindo, a final e em síntese, que a Requerida fosse intimada a abster-se de proceder à execução da desocupação da Requerente e dos seus filhos da habitação municipal que ocupa (e relativamente à qual foi proferida decisão de desocupação proferida por vogal do Conselho da Administração da G..., em 27.01.2020). Para tanto alegou, em síntese, o direito à habitação, nos termos do previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa.

O TAC de Lisboa, por decisão de 13.02.2020, rejeitou liminarmente a petição inicial apresentada nos presentes autos.

Inconformada, a Requerente recorre para este TCAS, tendo as alegações de recurso que apresentou culminado com as seguintes conclusões: 1. A recorrente reside na Rua Q... em Lisboa desde inícios de Dezembro 2019.

  1. A recorrente reside com os seus 3 filhos menores na referida habitação.

  2. O aludido 1º C do Lote 7 da Rua Q..., em Lisboa estava abandonado.

  3. Tinha a fechadura arrombada”.

  4. Não tinha qualquer “porta blindada”.

  5. O referido 1º C do Lote 7 da Rua Q..., em Lisboa carece de obras no seu interior.

  6. A recorrente disponibiliza-se a efectuar as obras na aludida habitação, dentro das suas disponibilidades económicas.

  7. Em Fevereiro de 2019, a requerente apresentou a sua candidatura a Habitação Municipal na Câmara Municipal de Lisboa, sendo certo que em 10/10/2019 juntou documentação para esse processo.

  8. A recorrente recebe mensalmente o valor de 474.25 euros de rendimento social de inserção.

  9. O filho da recorrente B... tem uma deficiência respiratória como resulta claramente dos docs.7 e 8.

  10. No passado dia 10 de Fevereiro de 2020 foi fixado uma notificação na porta da referida habitação por representantes da G... notificando a recorrente para proceder à desocupação no prazo de 3 dias úteis a contar da recepção da presente notificação da referida habitação municipal.

  11. A recorrente é gestora do arrendamento social no bairro municipal em Lisboa, onde se situa a habitação aqui em causa.

  12. A recorrente disponibiliza-se a pagar a renda justa em função dos seus rendimentos e encargos familiares.

  13. A recorrente pugna que o direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, concretizável pelo legislador ordinário, em função do contexto económico, social e político.

  14. O direito à habitação tem de ser entendido na sua caracterização de direito fundamental de natureza social, como um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efectividade está dependente da ‘reserva do possível’, em termos políticos, económicos e sociais.

  15. Se a CML não se dignar fixar o valor da renda à recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afectada.

  16. Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

  17. Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação do Presidente da CML no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente legal ao abrigo da CRP.

  18. Efectivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28º nº 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa.

  19. Aliás, nos termos do nº 1 do mesmo artigo cabe à CML levar a cabo os procedimentos subsequentes caso não haja uma entrega voluntária e nunca a Recorrente manifestou qualquer vontade de entregar as chaves antes solicitou que lhe fosse fixada uma renda dentro dos parâmetros legalmente previstos”.

  20. A informação contida na notificação afixada no fogo ocupado é manifestamente insuficiente para cumprir citado o artigo 28º nº 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.

  21. A mera informação tabelar dos procedimentos que os ocupantes podem adoptar e o seu acompanhamento não significa a atribuição automática de uma habitação, sendo certo que a recorrente já fez esse pedido à Câmara Municipal de Lisboa, sem sucesso.

  22. A recorrente requereu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, com pedido subsidiário de tramitação da pretensão enquanto providência cautelar antecipatória com decretamento provisório da providência, nos termos 109º e sgs e 131º , todos do CPTA, que deve ser decretada.

  23. Caso assim não se entenda, a recorrente deverá ser convidada a substituir a petição inicial, de modo a adaptá-la convenientemente aos requisitos previstas artigo 114º do CPTA, acompanhada do decretamento provisório. ( art. 131º CPTA) 25. Os requisitos da providência cautelar estão preenchidos in casu.

  24. A decisão recorrida violou o artigo 28º nº 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto e é contrária, entre outros, ao douto acórdão do TCAS de 06/06/2019 no âmbito do processo 383/19.9BELSB ( disponível em www.gde.mj.pt) Nestes termos e nos de direito, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida que rejeitou liminarmente o requerimento inicial, mais se determinando a baixa dos autos para que o processo prossiga os seus termos.

A Recorrida, notificada para os termos do recurso e da causa (art. 641.º, nº 7, do CPC), não apresentou contra-alegações • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

• Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

• I. 2.

Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido liminarmente o requerimento inicial, desconsiderando a possibilidade da convolação da intimação para uma providência cautelar (pois que nesta sempre faleceria o pressuposto do fumus boni juris).

• II.

Fundamentação II.1.

De facto A matéria de facto pertinente, ainda que não autonomizada, é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC ex vi dos art.s 1.º e 140.º do CPTA.

• II.2.

De direito A questão trazida a juízo consiste em apurar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter indeferido liminarmente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não promovendo, por ser evidente a ausência de fumus boni juris, a intimação em providência cautelar.

Para assim decidir, afirmou o Mma. Juiz a quo o seguinte: “A rejeição liminar tem, in casu, múltiplos fundamentos.

Vejamos.

Dispõe o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, sob a epígrafe “Pressupostos”: 1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º Desde logo, e de forma manifesta, não está aqui em causa qualquer direito, liberdade ou garantia que permita o recurso à presente intimação.

De facto, e como é consabido, o invocado direito à habitação, previsto no artigo 65.º da CRP, não goza daquela específica natureza.

Isto seria o bastante para rejeitar a presente intimação.

Por outro lado, também é perfeitamente possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência...

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