Acórdão nº 02051/13.6BELRS 044/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2051/13.6BELRS (44/17) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela apresentada na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu contra a autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) relativamente ao ano de 2013.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor: «(a) Concluíra o Recorrente nos presentes autos que a discricionariedade concedida ao Governo no exercício do poder regulamentar pelo Regime que cria a Contribuição sobre o Sector Bancário viola o princípio da reserva de lei parlamentar, o que o toma organicamente inconstitucional por violação do princípio da reserva de lei em matéria de elementos essenciais dos tributos, que o tributo em causa carece de justificação com base no princípio da equivalência, o que o toma materialmente inconstitucional, e que tem direito a juros indemnizatórios apurados nos termos da lei.

(b) O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação, não considerando verificados os vícios de inconstitucionalidade orgânica e material das normas que introduziram e regulamentaram a Contribuição sobre o Sector Bancário, não se pronunciando a propósito do pedido de juros indemnizatórios, que por aquela decisão ficou prejudicado.

(c) Em síntese, considerou o Tribunal a quo a propósito da inconstitucionalidade orgânica do Regime que cria a Contribuição sobre o Sector Bancário invocada pelo Recorrente que, “[n]ão sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao acto de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime onde esta não existe”, donde conclui que “[a] ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais”.

(d) O Recorrente considera que a decisão recorrida enferma de erro quanto à solução de direito nela preconizada, já que a base tributável e as taxas da Contribuição sobre o Sector Bancário, que são dois dos seus elementos (mais) essenciais, foram fixadas por portaria (a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março), quando, por força do princípio da reserva de lei previsto no artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, o teriam que ser por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado do Governo.

(e) De acordo com o disposto no artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, a criação de impostos é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo nos casos em que é concedida a devida autorização ao Governo.

(f) Quer isto dizer que os elementos estruturantes dos impostos (como a taxa, a incidência, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes) não são podem ser deixados ao critério do Governo, sem o devido enquadramento da autorização parlamentar.

(g) E, enquanto não for dada concretização ao disposto na alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, que prevê a criação de um regime geral para as “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, tais tributos deverão ser tratados, para efeitos de aplicação do princípio da reserva de lei, como impostos.

(h) Considera o Tribunal a quo que não existe de reserva de lei parlamentar nas matérias relevantes na presente acção (os elementos essenciais do tributo), mas tal entendimento esvaziaria de conteúdo a parte final da norma antes citada, ou seja, torná-la-ia letra morta, transformando a circunstância de inexistir, até à data (quase dezanove anos depois da introdução da norma), um regime geral das contribuições financeiras numa “carta branca”, uma autorização parlamentar em aberto, para o Governo legislar nessa matéria sem qualquer limite e como se nenhuma reserva de lei existisse.

(i) Uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa exige antes, necessariamente, a conclusão inversa: a inexistência do regime geral das contribuições financeiras a que alude a alínea i) do número 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa exige que os elementos essenciais de tais tributos sejam casuisticamente definidos pela Assembleia da República em toda a extensão relevante ou que, pelo menos, exista uma autorização legislativa que cumpra os requisitos que a própria Constituição da República Portuguesa prevê como salvaguarda do princípio da legalidade.

(j) É que, tal como a liquidação e cobrança de impostos, também os actos tributários relativos a contribuições financeiras constituem restrições ao direito de propriedade dos respectivos sujeitos passivos, que não podem deixar de estar sujeitos ao princípio da legalidade (“no taxation without representation”).

(k) É este o entendimento da doutrina citada nas presentes alegações pelo Recorrente, que conclui inequivocamente que relativamente aos elementos essenciais de tributos com a natureza de contribuições financeiras, a respectiva conformidade legal e constitucional está dependente do cumprimento do princípio de reserva de lei formal.

(l) E, no caso concreto, apenas a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, vem verdadeiramente criar, no seu artigo 4.º, a base de incidência da Contribuição sobre o Sector Bancário, através da definição e delimitação, para o efeito, dos conceitos de “passivo” e de “instrumento financeiro derivado” ou da determinação do “valor dos fundos próprios” ou da medida de relevância dos “depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido”, sem qualquer comando ou critério parlamentar prévio, tratando-se dum exercício totalmente discricionário da parte do Governo.

(m) O mesmo se diga em relação às taxas da Contribuição sobre o Sector Bancário, que são fixadas a Portaria n.º 121/2011, de 30 de Março, ao arrepio do princípio da reserva de lei.

(n) É certo que as taxas em causa se contêm nos limites superiores das margens estabelecidas no Regime que cria a contribuição sobre o sector bancário, aprovado por uma lei da Assembleia da República: actualmente 0,11% no caso do passivo, em que a lei prevê taxas de entre 0,01% e 0,11%, e 0,000 3%, no caso do valor nacional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, em que a lei previa taxas de entre 0,000 1% e 0,000 3%.

(o) No entanto, e como o Tribunal Constitucional expressamente salientou como condição para a aceitação da conformidade constitucional das normas que permitiam ao Governo fixar por portaria as taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos entre um mínimo e um máximo, é necessário, para estes efeitos, que o legislador parlamentar balize adequadamente a actuação do Governo.

(p) No caso do imposto sobe os produtos petrolíferos antes referido, objecto do acórdão n.º 70/2004, de 28 de Janeiro de 2004, o Tribunal Constitucional concluiu que o facto de o legislador parlamentar, ao determinar que a fixação das taxas deveria “[tomar] em consideração os diferentes impactos ambientais de cada um dos combustíveis, favorecendo gradualmente os menos poluentes”, permitia-lhe “ano a ano, reponderar a não só a avaliação política tomada quanto à bondade da solução da devolução para o legislador regulamentar do poder tributário de fixar as taxas unitárias efectivas do imposto como a justeza da leitura feita por este do princípio de liberdade de mercado e das técnicas tributárias próprias deste tipo de tributo, que lhe são apontados como critérios de decisão normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa do imposto”. Tal permitiria de alguma forma ultrapassar a proibição constitucional.

(q) Não é este, no entanto, o caso da Contribuição sobre o Sector Bancário, já que o legislador parlamentar não fixou, sequer indiciou, nas suas quatro intervenções neste âmbito (na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, e na Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), os “critérios de decisão normativa a ter em conta na fixação efectiva da taxa”, tendo ao invés permitido na redacção originária da norma que fosse fixada uma taxa entre uma percentagem e o seu quíntuplo (no caso do passivo, entre 0,01 e 0,05%) e entre uma percentagem e o seu dobro (no caso do valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora de balanço, entre 0,000 1% e 0,000 2%), na segunda redacção, mediante a qual foram aumentados os limites máximos, de 0,05% para 0,07%, no caso do passivo, e de 0,000 2% para 0,000 3%, no caso do valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora de balanço, que fosse fixada uma taxa entre uma percentagem e o seu séptuplo (no caso do passivo) e entre uma percentagem e o seu triplo (no caso do valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora de balanço), na terceira redacção, mediante a qual foram...

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