Acórdão nº 00599/12.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução29 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE (...), réu na ação administrativa comum instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro por M.

(devidamente identificada nos autos) – na qual esta peticionou a condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização por danos resultantes de acidente ocorrido em 21/08/2010, consubstanciado no despiste de veículo automóvel em via municipal – inconformado com a sentença datada de 08/05/2019 (fls. 264 SITAF) do Tribunal a quo que julgando parcialmente procedente a ação o condenou a pagar à autora a quantia de 13.852,91 €, relativa à reparação do veículo sinistrado e ainda a quantia de 39,89€ relativa a despesas procedimentais, acrescidas de juros desde a citação e até integral pagamento, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 314 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva integralmente o réu do pedido, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: A) O Recurso tem por objecto a Sentença onde foi julgado parcialmente procedente o pedido apresentado pela ali A., tendo condenado o R. no seguinte: “a pagar à Autora a quantia de 13.852,91€ relativa à reparação do veículo sinistrado XX-XX-ZO, e a quantia de € 39,89, relativa a despesas procedimentais, acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o R. do demais peticionado.” B) Contudo, face à prova produzida o Recorrente não concorda com tal decisão, porquanto esta não deveria ter dado como provados os factos das alíneas L), M) e N) dos factos dado como provados, conforme os fundamentos que agora se propõe expor.

  1. O Tribunal a quo fundou a decisão quanto à prova destes factos com base no depoimento da testemunha N.

    , o condutor do veículo, bem como das restantes testemunhas que presenciaram o acidente.

  2. Contudo, esta testemunha, ao contrário das restantes, tem interesse directo no processo. Na verdade, mesmo que não em termos jurídicos, esta testemunha apresenta-se como o “verdadeiro proprietário” da viatura, tomando “as dores” da decisão que viria a ser tomada, conforme se retira dos seguintes trechos do seu depoimento: Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 00:03:35 Testemunha N.: só quero ver a justiça feita.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 00:04:35 Mandatária da A.: Também referiu que o veículo é propriedade da sua mãe? O veículo foi adquirido pela mãe? Testemunha N.: não, é assim, foi e não foi. O veículo estava em nome dela devido à situação de eu estar a começar a trabalhar e não poder fazer o empréstimo pessoal meu. Então como ela fez o empréstimo em nome dele para eu usar. O veículo era meu, é dela só no registo, mais nada. Eu é que usava diariamente.

  3. Quanto à prova dos factos dados como provados referidos nas alíneas L), M) e N) dos factos provados, vejamos as incongruências da prova testemunhal, começando logo pela testemunha N.

    , condutor do veículo.

  4. Esta começa por afirmar que, ao passar pela rotunda, a traseira do veículo fugiu-lhe: Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 0:06:00 Testemunha N.: eu vinha do centro da vila, em direcção a (...), quando vou na Av. (…) e ao aproximar-me da rotunda, havia um carro a estacionar ou a entrar para dentro de uma garagem e eu tenho que me desviar para a esquerda e ao passar na rotunda, a traseira, ao passar por cima da tampa fugiu-me, apanhou areias e despistei-me. Não consegui segurar a carrinha, bati no separador e a carrinha ficou no estado em que ficou.

  5. Mas mais à frente no seu depoimento, o “fugir” do veículo na rotunda, passou para um “salto” ao passar por cima da tampa.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 00:09:15 Mandatário da A.: quando entra na rotunda, Testemunha N.: ao desfazer a rotunda, para entrar na faixa de rodagem foi quando a traseira, a roda passou por cima da tampa, saltou-me e entrei em despiste, também areias e tudo.

  6. E ainda mais à frente no depoimento, confrontado com as fotografias do local e, concretamente, da grelha, até já foi capaz de afirmar que sentiu a tal grelha bater-lhe no fundo do veículo.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 00:21:00 Testemunha: calquei a tampa e ela levantou Mandatário da A.: a tampa bateu na parte de baixo do veículo Testemunha: não dá para ver, mas senti.

  7. Não é crível que um facto que deveria estar gravado na memória da testemunha, atendendo à gravidade do acontecimento, tenha dado azo a um depoimento tão evolutivo quanto às circunstâncias concretas do acidente.

  8. O que deveria ter limitado a convicção do Tribunal a quo, quanto à importância do depoimento da testemunha e quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente.

  9. Isto leva-nos a concluir, em conjunto com o facto da testemunha se afirmar como “real parte” e “lesado” pelos danos do veículo, pela menor credibilidade deste testemunho e inviabilizar o seu crédito para prova dos factos dados como provados nas alíneas L), M) e N).

  10. Quanto ao facto do veículo sinistrado ter efectivamente pisado a grelha de escoamento de águas, que esta tenha cedido ou saltado e que este facto seja o responsável pelo despiste, também encontramos diversidade de opinião das testemunhas que deveriam abalar a convicção do Tribunal a quo.

    Assim, M) A testemunha M.

    , que se deslocava no veículo logo atrás do veículo acidentado, dá apenas conta que, acha que este saltou ao entrar na rotunda, sem referir qualquer tampa ou grelha de saneamento ou águas.

  11. Ao mesmo tempo refere que o N.

    , logo após o despiste e enquanto saía do veículo acidentado, dizia que tinha batido numa tampa.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Testemunha M.

    Tempo 2:05:10 Testemunha M.: sim no veículo atrás. A entrar na rotunda, acho que o carro saltou, deu um salto e entrou em despiste, e bateu no poste, ficamos espantados. Fomos parar e fomos lá ver como ele estava e lá saiu do carro todo furioso a ter dito que tinha batido numa tampa.

  12. Ou seja, esta testemunha não viu o carro passar sobre a grelha de saneamento.

  13. Igual descrição dos factos é feita pela testemunha F.

    . Esta também apenas reparou no levantamento ligeiro da traseira do veículo, ligando a grelha apenas posteriormente, quando a foi ver: Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 2:41:00 Mandatária da A.: vinham do lado esquerdo. Ao aproximar da rotunda, estariam onde, quando o N. passa viu de alguma forma o veículo do N., imagine que isto é a tampa de saneamento quando o veículo do N., viu o veículo da parte da frente e de trás, a galgar a tampa? Testemunha F.: eu só reparei que a traseira dele levantou ligeiramente, só depois vi a tampa.

    Foi em socorro dele, travei e parei, estacionei o carro fiz marcha atrás e estacionei aqui e fui.

    E só depois que fomos ao local e vimos que tinha uma tampa.

  14. Contudo, esta conclusão não pode ser retirada do que esta testemunha presenciou, porque diversos motivos, sem ser a grelha de escoamento, poderiam ter sido a origem para o despiste, entre os quais, o subir do lancil central da rotunda com a roda do veículo.

  15. Ficando em suspenso o saber de que forma a questão da passagem do veículo sobre a grelha de escoamento surgiu.

  16. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não resultam dos depoimentos elementos para dar como provado a cedência ou balanceamento da grelha de saneamento.

  17. A testemunha M.

    apenas verificou a existência da chamada tampa de saneamento, a qual estava no local.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 2:29:30 Mandatário do R.: então a parte de baixo do carro não roçou nem foi estragada pela tampa? A tampa não se soltou? Testemunha M.: a tampa estava lá Mandatário do R.: mas também não levantou de modo a roçar por baixo, na parte de baixo do carro? Testemunha M.: não sei Mandatário do R.: não sabe? Juiz: a autora refere que a tampa se soltou, mas já percebi que não viu a tampa soltar-se.

    Testemunha M.: não.

  18. O mesmo se passa com a testemunha F.

    , apenas afirmou o levantamento do veículo, ao passar pela rotunda; a tampa só é associada ao despiste posteriormente Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 2:41:00 Testemunha F.: eu só reparei que a traseira dele levantou ligeiramente, só depois vi a tampa. Foi em socorro dele, travei e parei, estacionei o carro fiz marcha atrás e estacionei aqui e fui. E só depois que fomos ao local e vimos que tinha uma tampa.

  19. A testemunha J., guarda da GNR, também confirma que a grelha não se encontrava deslocada, abatida ou levantada conformidade da grelha.

    Audiência de 21 de Novembro de 2013 Tempo 3:56:50 Testemunha J.: a tampa de saneamento estava fixa ao alcatrão.

    Juiz: a tampa de saneamento, diga, que não é uma tampa é uma grelha? Testemunha J.: estava fixa no alcatrão e tinha um pequeno rebaixamento no alcatrão derivado da rotunda ser plana, no meu entender e a água ter melhor escoamento do buraco. Não era coisa muito irregular, não era muito funda Mandatária da A.: Mas é isto que está aqui? Testemunha J.: sim, sim.

    Tempo 4:14:35 Mandatário do R.: o Sr. foi lá ver a grelha no fim? Testemunha J.: sim Mandatário do R.: e ela estava como está aqui? Estava abatida, estava levantada? Testemunha J.: estava no sítio W) O que levanta sérias dúvidas quanto ao depoimento das restantes testemunhas assistentes do despiste, mas amigas do sinistrado.

  20. Esta análise sobre o estado da grelha é repetida pelas testemunhas M.

    e A.

    .

  21. Ambos instruem sobre a forma de construção e implementação desses tipos de grelha e da forma como esta pode ser aberta ou removida.

  22. Ao mesmo tempo, afirmam ser impossível ter havido qualquer cedência ou balanceamento da grelha com a passagem do veículo ZO.

    1. Sessão de 15.01.2014 Tempo 00:43:10 Testemunha M.: quando a Sra. Dra. Afirma que saltou a tampa, eu tenho uma opinião técnica peremptoriamente contrária ao saltar da tampa.

      Este tipo de tampa tem um engate fixo, não salta, ela não salta mesmo. Esta tampa não salta mesmo.

    2. Sessão de 15.01.2014 Tempo 00:55:15...

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